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Requisição ou calote: Precatórios

Lançado recentemente o Movimento Nacional Contra o Calote Público; duzentas e cinqüenta entidades civis, entre as quais a Fiesp, União Nacional dos Credores de Precatórios (UNCP), Ordem dos Economistas, OAB, Bolsa de Valores de São Paulo, CUT, Federação Nacional da Agricultura, direcionaram o alvo inicial à Proposta de Emenda Constitucional n°. 12/2006 que legitimará o calote dos entes públicos ao pagamento dos precatórios.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Atualizado em 29 de outubro de 2007 16:06


Requisição ou calote: Precatórios

Antonio Pessoa Cardoso*

Lançado recentemente o Movimento Nacional Contra o Calote Público; duzentas e cinqüenta entidades civis, entre as quais a Fiesp, União Nacional dos Credores de Precatórios (UNCP), Ordem dos Economistas, OAB, Bolsa de Valores de São Paulo, CUT, Federação Nacional da Agricultura, direcionaram o alvo inicial à Proposta de Emenda Constitucional n°. 12/96 (clique aqui) que legitimará o calote dos entes públicos ao pagamento dos precatórios.

O precatório é fruto de decisão judicial transitada em julgado contra Prefeitura, Estado ou a União; o credor não recebe o pagamento de dívidas do Poder Público, como ocorre com qualquer cobrança judicial; submete-se a um processo burocrático no qual o valor da dívida deverá ser apontado no orçamento anual da entidade pública para liquidação em dez anos.

O credor não é consultado para o parcelamento, não pode compensá-la com eventual crédito tributário, paga correção monetária maior do que o percentual do precatório, é obrigado a apresentar certidões negativas para receber seu crédito, etc.

O precatório não é um título, mas um direito adquirido; na linguagem popular não passa de calote institucional ou equivalente ao "devo não nego; pago quando quiser".

O instituto não deixa de ser ofensa aos princípios elementares do estado democrático, violador do art. 5º, caput, da coisa julgada, inciso XXVI, do devido processo legal, inciso LIV da Constituição (clique aqui), além de princípios da segurança jurídica e da moralidade.

A execução contra a Fazenda Pública, no regime das ordenações Manuelinas e Filipinas, seguia procedimento comum, sem privilégio algum para o Estado. A Constituição Imperial, 1824, e a primeira republicana, 1891, não trataram do precatório; as Constituições de 1934 (clique aqui) e de 1937 (clique aqui) fizeram alusão ao precatório apenas na área federal; a de 1946 (clique aqui) ampliou o instituto para o âmbito estadual e municipal; a de 1967 (clique aqui) determinou fosse incluído no orçamento anual as verbas necessárias para pagamento.

A Constituição atual inseriu o parcelamento de oito anos e a anistia nas Disposições Transitórias, caracterizando como primeiro calote oficial; a Emenda Constitucional n°. 30/2000 (clique aqui) promoveu moratória unilateral dos precatórios, quando fixou o prazo de dez anos para sua liquidação; tramita no Senado Federal, Projeto de Emenda Constitucional n°. 12/96, que, se aprovado, será o terceiro calote; visa limitar o pagamento do precatório no percentual de 3% da despesa primária líquida da União e Estados e 1,5% do município, além de outras providências absolutamente inconstitucionais.

Os maus governantes não pagam precatório algum, porque entendem não ser de sua responsabilidade a dívida assumida pelo antecessor. O descumprimento de precatórios é chancelado pelo Judiciário que se furta no cumprimento da lei constitucional. O processo judicial do precatório e a burocracia é um escárnio à cidadania e concreto desprezo às leis do país.

Os chefes de governo de plantão não põem em prática nem mesmo a sabedoria popular que diz: "quem se casa com a viúva recebe os bens e as contas".

O governante que deixa de inserir no orçamento anual verba requisitada pelo Presidente do Tribunal de Justiça está sujeito ao crime de responsabilidade e improbidade administrativa, Constituição e Leis n°. 1.079/50 (clique aqui) e 8.429/92 (clique aqui).

Calcula-se que as dívidas de precatórios vencidos e não pagos ultrapassa o valor de R$62 bilhões, dos quais R$ 43 dos Estados e R$20 bilhões das prefeituras.

A fúria irracional de arrecadação da Fazenda Pública contrapõe-se ao descuido no cumprimento das obrigações primárias do Estado para com o cidadão: saúde educação, segurança; ao revés, engana os brasileiros, a exemplo da Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira, CPMF, criada desde 1993 e sempre prorrogada.

O não pagamento dos precatórios não se explica por dificuldades de natureza financeira, mas eminentemente de ordem política; não se alega falta de verbas para pagamento das contratações irregulares, da intensa publicidade dos governos em todos os níveis, dos subsídios disfarçados, das obras faraônicas, das indenizações milionárias a anistiados políticos, sem ação judicial e sem precatório), da quitação de dívida ao FMI, etc. Os governantes não cumprem as sentenças judiciais condenatórias e sabem que contam com a liniência dos legisladores e dos julgadores. Os juizes são responsáveis maiores pela impunidade dos agentes políticos; é preciso fazer cumprir a Constituição, que não é texto normativo, mas expressão de ordem concreta.

A descrença no Poder Público é tão grande a ponto de forçar os credores de precatórios a buscar alternativas para não perder tudo; caçam, é verdadeira caça, empresas endividadas com o fisco e cedem-lhes os precatórios em valores aviltados; estas por sua vez se submetem ao risco de conseguir, no Judiciário, compensação de tais dívidas pelos precatórios recebidos. Além deste "jeitinho" altamente prejudicial para o credor, já se constitui os precatórios em ativos financeiros aptos a lastrear fundos de investimento com vencimento de longo prazo, atraindo investidores endinheirados que se dispõem a esperar o prazo reclamado pelo Poder Público. O capital estrangeiro está confiante neste negócio e investe, mesmo sabendo do risco que pode ser contemporizado com ações menos recomendadas.

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Desembargador do TJ/BA






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