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Sentença de Improcedência e falta de Citação de Litisconsorte Passivo necessário

As leis processuais se prestam a orientar os operadores do Direito em sua atuação concreta, possibilitando que se trilhe um caminho ordenado e apto à consecução da pacificação social, mediante a tempestiva concessão de tutela jurisdicional a quem necessite.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Atualizado em 31 de outubro de 2007 08:07


Sentença de Improcedência e falta de Citação de Litisconsorte Passivo necessário

Felipe Scripes Wladeck*

As leis processuais se prestam a orientar os operadores do Direito em sua atuação concreta, possibilitando que se trilhe um caminho ordenado e apto à consecução da pacificação social, mediante a tempestiva concessão de tutela jurisdicional a quem necessite.

O intérprete das leis processuais deve ter em mente o caráter instrumental do processo, que este não possui um fim em si mesmo, mas se presta a viabilizar - sempre com respeito aos princípios maiores da ampla defesa e do contraditório - o célere e seguro acesso à ordem jurídica justa.

Este texto pretende propor solução para um caso típico, relativamente comum na prática judiciária, mas cujo deslinde exige atenção às categorias fundamentais do processo.

Imagine-se a hipótese em que uma parte ("A") ajuíza mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato da Administração Pública que beneficia outro particular ("B"). Este, portanto, deveria figurar como litisconsorte passivo necessário - o que, contudo, não foi pleiteado por "A".

Suponha-se que a liminar não é deferida (ou sequer é apreciada) e o juiz tampouco constata a necessidade de "B" figurar como litisconsorte. Em vez disso, profere sentença de mérito, de improcedência integral do pedido. Diante disso, "A" interpõe apelação.

A questão que se põe é: como deverá o Tribunal ad quem tratar a sentença diante da previsão do art. n°. 47 do CPC (clique aqui)? A falta de citação do litisconsorte necessário implica inexoravelmente a "anulação" da decisão recorrida?

No caso imaginado, mesmo sem jamais ter sido chamado para integrar o pólo passivo processual, "B" foi juridicamente beneficiado pela sentença.

A ausência de prejuízo para "B" torna inarredável o aproveitamento da sentença. Não se deve "anulá-la". Incide a regra do art. n°. 249, § 2º, do CPC, in verbis:

"Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta". Aplica-se também o art. n°. 250, parágrafo único, que prescreve: "Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízos à defesa".

O raciocínio aqui defendido - com fundamento nos referidos dispositivos do CPC e nos princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas - é o seguinte: a inobservância de determinada regra processual tem de ser relevada se o resultado final do processo for favorável ao litigante que a regra visava proteger.

É, aliás, o que leciona José Roberto dos Santos Bedaque:

"Só se admite a desconsideração de requisitos processuais se o julgamento do mérito não trouxer dano algum àquele a quem a regra pretende beneficiar" (Efetividade do processo e técnica processual, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 227).

O i. processualista e Desembargador do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, tratando de situação semelhante à que ora se comenta, expõe o seguinte:

"Se o vício, não obstante gravíssimo, não impediu que o resultado beneficiasse substancialmente aquele que, do ponto de vista técnico-processual, foi prejudicado, não há por que insistir na inexistência do instrumento. Apesar de não observado o contraditório, o réu, privado da ampla defesa, obteve resultado favorável no plano do direito material" (Ibid., p. 461).

Como destaca Bedaque, a solução ora defendida é expressamente autorizada pelo CPC:

"Não parece haver óbice no sistema. Ao contrário, a solução é expressamente autorizada (CPC, art. n°. 249, § 2º), inexistindo qualquer limitação ao âmbito de incidência dessa regra" (Ibid., 466).

Note-se, inclusive, que o litisconsorte preterido sequer teria interesse processual em pleitear a "nulidade" da sentença (rectius, a declaração de sua inexistência jurídica/ineficácia, conforme Eduardo Talamini, em Coisa julgada e sua revisão, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 345/346). Jamais, em sede nenhuma, poderia ele pretender um novo julgamento da causa em primeiro grau, por falta de interesse-necessidade (José Rogério Cruz e Tucci, Limites subjetivos da eficácia da sentença e da coisa julgada civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 243).

Rigorosamente, o aproveitamento da sentença apenas não será possível quando o litisconsorte passivo necessário tiver sofrido algum prejuízo em decorrência do decidido. Em tal caso, poder-se-á vincular a sucumbência à ausência de sua participação no processo. A sentença terá, então, de ser reputada "nula" (rectius, juridicamente inexistente/ineficaz) por falta de contraditório.

Nem se diga que a simples possibilidade de a sentença vir a ser reformada pelo Tribunal quando do julgamento da apelação (hipótese em que a reforma aconteceria sem que a "B" jamais tivesse sido oportunizado defender-se em juízo) determinaria a "anulação" da sentença.

Ainda assim não se fará necessário "anular" a sentença para garantir a efetiva participação do litisconsorte passivo no feito, oportunizando-se-lhe o pleno exercício do contraditório. Bastará citá-lo para apresentar contra-razões à apelação interposta.

Nas contra-razões, será permitido a "B" defender o suposto acerto da sentença - que lhe foi favorável - alegando toda a matéria de defesa que teria deduzido em sede de contestação. Inclusive, às contra-razões poderá anexar toda documentação que teria anexado à contestação, com o que exercitará plenamente o seu direito de defesa.

Em situação como a ora imaginada, a citação para contra-arrazoar a apelação sempre será a saída adequada se a causa versar sobre matéria exclusivamente de direito. O raciocínio não é, portanto, restrito a mandados de segurança.

Afasta-se, com isso, a alegação de que "B" apenas teria condições de exercer a ampla defesa (e, assim, defender a legalidade de sua situação na relação jurídica de direito material controvertida) se lhe fosse possibilitado contestar a ação e participar da instrução probatória.

A providência encontra amparo no art. n°. 515, § 4º, do CPC: a determinação da citação de "B" para apresentar contra-razões evitaria a consumação de vício processual (i.e., que do vício - por assim dizer, "latente" - decorressem efetivos prejuízos), visto que afastaria a possibilidade de a apelação ser apreciada sem antes se garantir a "B" o exercício da ampla defesa.

A rigor, por força do art. 515, § 4º, a citação de "B" para contra-arrazoar a apelação poderia ocorrer perante o próprio Tribunal, sem que "B" sofresse qualquer prejuízo.

Além disso, vale aqui a seguinte lição de Cândido Rangel Dinamarco:

"O prejuízo, sem o qual nulidade alguma se pronuncia, é apenas o dano causado aos objetivos da participação contraditória; onde o procedimento ficar maculado mas ilesa saia a garantia de participação, cerceamento algum houve à defesa da parte. Cabe ao juiz até, ao contrário, amoldar os procedimentos segundo as conveniências do caso" (A instrumentalidade do processo, 12ª edição, São Paulo, Malheiros, 2005, p. 165).

O princípio da instrumentalidade das formas manda que o juiz se esforce ao máximo para preservar o devido processo, viabilizando que se cumpram suas funções. Ainda com Dinamarco:

"Cada ato do procedimento há de ser conforme a lei, não em razão de estar descrito na lei na medida do rigor das exigências legais, mas na medida da necessidade de cumprir certas funções do processo e porque existem as funções a cumprir. Daí a grande elasticidade a ser conferida ao princípio da instrumentalidade das formas, que no tradicional processo legalista assume o papel de válvula do sistema, destinada a atenuar e racionalizar os rigores das exigências formais; no processo marcado pela liberdade das formas, o princípio da instrumentalidade tem a importância de parâmetro da própria liberdade e serve para amparar o respeito às garantias fundamentais, como penhor da obtenção de resultados e, portanto, da validade do ato" (Ibid., p. 157/158).

Destaque-se, outrossim, que o CPC contempla situação semelhante à ora examinada no art. n°. 285-A, § 2º. Tal dispositivo estabelece que o réu não citado para contestar a ação (versando sobre matéria exclusivamente de direito e na qual tenha sido formulado pedido já julgado totalmente improcedente pelo Juízo em outros casos idênticos) tem de sê-lo para contra-arrazoar apelação interposta contra sentença de improcedência - a menos que, interposta a apelação pelo autor, o juiz de primeiro grau entenda por bem invalidar a sentença e facultar ao réu contestar a ação (§ 1º). Nas contra-razões, o réu exercerá sua ampla defesa e terá oportunidade para demonstrar o acerto da sentença.

No exemplo examinado neste estudo, a adoção de solução semelhante àquela estabelecida no art. n°. 285-A, § 2º, do CPC jamais poderia implicar qualquer cerceamento de defesa. Como se trata de mandado de segurança, ou se trata de matéria objeto de prova pré-constituída (e neste caso as provas do réu são todas documentais), ou há a necessidade de dilação probatória (e neste caso o mandado de segurança é incabível). De um modo ou de outro, será perfeitamente possível ao réu exercitar plenamente e de modo eficaz a sua defesa.

Apenas seria possível imaginar um cerceamento de defesa se o procedimento da ação de origem admitisse a produção de outras provas que não as meramente documentais, se houvesse controvérsia acerca de matéria fática e se o Tribunal ad quem decidisse desde logo o mérito, sem devolver o processo para apreciação em primeiro grau.

Em suma, diante da situação descrita no exemplo proposto, caberá a imediata citação de "B", para apresentar contra-razões ao recurso de apelação.

Essa medida revela-se apta a garantir a efetividade do processo: possibilita o exercício da ampla defesa antes do julgamento da apelação, evitando a desnecessária "anulação" de sentença de primeiro grau.

Com efeito, para que seja mantida a sentença, basta que ela favoreça o réu não citado (i.e., o Juízo de primeiro grau ter decidido o meritum causae a favor do réu não citado - parte a quem aproveitaria a decretação da "nulidade") e que este ainda possa exercer de modo pleno seu direito de defesa (sustentando o pretenso acerto da sentença) em sede de contra-razões à apelação, conforme acima exposto.

Realizada a citação de "B" para contra-arrazoar a apelação, o processo prosseguirá com a observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório, com o que restará legitimada toda e qualquer decisão que nele venha a ser proferida (em favor ou desfavor do réu).
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Fonte: Informativo Justen (clique aqui)
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*Advogado do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados









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