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Novo Código Civil e algumas repercussões penais

Dentre tantas alterações que gerou o novo Código Civil, não há dúvida que o novo parâmetro etário para fins civis (dezoito anos - art. 5º) nos levou a repensar vários institutos (e dispositivos legais) no âmbito criminal. O assunto requer uma série de ponderações e observações.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Atualizado em 12 de novembro de 2007 10:51


Novo Código Civil e algumas repercussões penais

Luiz Flávio Gomes*

Maioridade civil e imputabilidade penal

Dentre tantas alterações que gerou o novo Código Civil (clique aqui), não há dúvida que o novo parâmetro etário para fins civis (dezoito anos - art. 5º) nos levou a repensar vários institutos (e dispositivos legais) no âmbito criminal. O assunto requer uma série de ponderações e observações.

A maioridade penal no Brasil (há décadas) já se achava fixada no patamar dos dezoito anos (na atualidade: CP - clique aqui -, art. n°. 27; CF - clique aqui -, art. n°. 228). Essa maioridade penal passou a ter uniformidade com o novo Código Civil.

Vários dispositivos penais do CP (de 1940) faziam referência ao menor de vinte e um anos. Assim, por exemplo, o art. n°. 65, I (menoridade como atenuante) e o art. n°. 115 do Código Penal (prescrição pela metade). Mas esses diplomas legais encontravam sua razão de ser na capacidade de autodeterminação do agente, não na sua capacidade para a prática de atos civis, de discernimento etc.

A fundamentação deles reside na imaturidade do agente menor de vinte e um anos para suportar, em igualdade de condições com o delinqüente adulto, os rigores de uma condenação penal (RT 601, p. 348 e ss.). A diminuição da pena em favor do réu menor de vinte e um anos faz parte, portanto, do processo de individualização da pena, exigido pela Constituição Federal (art. 5º, inc. XLVI), que concebe que os menores de vinte e um anos devem ficar separados dos demais condenados, que sua pena deve ser menor, que sua influenciabilidade frente aos adultos é mais intensa, que seu prazo prescricional deve ser menor etc.

O centro (leia-se: o eixo) dos dispositivos penais citados, assim, não reside na capacidade do ser humano de praticar atos civis, senão na necessidade imperiosa de individualizar o mais possível a aplicação e execução da pena, sobretudo a de prisão. Por essa razão, o novo Código civil, nesse ponto, nenhuma repercussão poderia ter no âmbito penal (em sentido contrário: Marcus Vinicius de Viveiros Dias in - clique aqui -, 10.1.03; em sentido favorável: Mário Márcio de A. Souza). Aliás, já era da tradição da jurisprudência do STF esse entendimento (no sentido de que a maioridade civil não afeta a atenuante do atual art. n°. 65, I, do CP - antigo art. n°. 48, I - STF, HC 59.031-MR, rel. Min. Clovis Ramalhete).

Direito processual penal

Incontáveis são os dispositivos processuais penais que conferiam ao réu menor de 21 anos o status de relativamente incapaz (leia-se: segundo a visão do CPP de 1941 - clique aqui -, o acusado ou a vítima com menos de 21 anos não tinha plena capacidade para praticar os atos da vida civil ou mesmo atos processuais penais): CPP, art. n°. 15 (curador do indiciado menor), art. n°. 34 (dupla titularidade do direito de queixa), art. n°. 50 (renúncia ao direito de queixa por menor de 21 anos) etc.

Todos os dispositivos processuais penais que enfocavam o menor de 21 anos como relativamente capaz foram afetados pelo novo Código Civil (em sentido contrário, no que diz respeito à nomeação de curador: Cornélio José Holanda; em sentido favorável à tese aqui defendida: Paulo Henrique de Godoy Sumariva). Todos tinham por base a capacidade do ser humano para praticar atos civis e, por conseguinte, processuais. Para o novo Código Civil essa capacidade é plena aos 18 anos. Logo, todos os artigos citados acham-se revogados ou derrogados (lei nova que disciplina um determinado assunto revoga ou derroga a anterior).

Particularmente no que se refere à nomeação de curador ao indiciado ou acusado menor: acabou essa necessidade. Perdeu todo sentido, ademais, falar em nulidade do interrogatório quando feito sem a presença de curador. Nada disso mais tem sentido diante do novo Código Civil. Tampouco cabe falar em dupla titularidade no direito de queixa quando a vítima tem entre 18 e 21 anos.

A matéria aqui enfocada é puramente processual. Lei processual tem aplicação imediata (CPP, art. 2º). No caso de representação oferecida (até 10.1.03) por representante legal da vítima entre 18 e 21 anos: sua validade é incontestável. Tempus regit actum (o ato terá sido praticado sob a regência da lei do seu tempo).

No que diz respeito à desnecessidade de nomeação de curador para o acusado maior de dezoito anos cf. STJ, Quinta Turma, REsp 799.493-SP, rel. Min. Felix Fischer, j. 14.6.07.

ECA e o Novo Código Civil

O regime de semi-liberdade previsto no ECA (art. n°. 121, § 5º) pode durar até os vinte e um anos de idade. A maioridade civil não afetou esse dispositivo legal, consoante jurisprudência do STF.

Ementa: Habeas Corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente. Medida Socioeducativa. Art. n°. 121, § 5º, do Estatuto: Não-Derrogação pelo Novo Código Civil: Princípio da Especialidade. Regime de Semiliberdade. Superveniência da Maioridade. Manutenção da Medida: Possibilidade. Precedentes. Ordem Denegada.

1. Não se vislumbra qualquer contrariedade entre o novo Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente relativamente ao limite de idade para aplicação de seus institutos.

2. O Estatuto da Criança e do Adolescente não menciona a maioridade civil como causa de extinção da medida socioeducativa imposta ao infrator: ali se contém apenas a afirmação de que suas normas podem ser aplicadas excepcionalmente às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade (art. n°. 121, § 5º).

3. Aplica-se, na espécie, o princípio da especialidade, segundo o qual se impõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, que é norma especial, e não o Código Civil ou o Código Penal, diplomas nos quais se contêm normas de caráter geral.

4. A proteção integral da criança ou adolescente é devida em função de sua faixa etária, porque o critério adotado pelo legislador foi o cronológico absoluto, pouco importando se, por qualquer motivo, adquiriu a capacidade civil, quando as medidas adotadas visam não apenas à responsabilização do interessado, mas o seu aperfeiçoamento como membro da sociedade, a qual também pode legitimamente exigir a recomposição dos seus componentes, incluídos aí os menores. Precedentes.

5. Habeas corpus denegado (STF, HC 91.491-RJ, rel. Min. Carmen Lúcia, j. 19.6.07). No mesmo sentido: STJ, HC 44.168-RJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 09.08.07.

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Fundador e Coordenador Geral da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes







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