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Crime e sociedade brasileira: uma inversão sistemática

Os recentes eventos ocorridos em São Paulo, como os ataques, em Maio de 2006, da organização criminosa denominada PCC (Primeiro Comando da Capital) a órgãos públicos, ao sistema de transportes e, principalmente, à polícia, em suma, às instituições representativas do sistema de ordem estatal, apontam para um quadro preocupante.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Atualizado em 12 de dezembro de 2007 07:45


Crime e sociedade brasileira: uma inversão sistemática

Habacuque Wellington Sodré*

Introdução

Os recentes eventos ocorridos em São Paulo, como os ataques, em maio de 2006, da organização criminosa denominada PCC (Primeiro Comando da Capital) a órgãos públicos, ao sistema de transportes e, principalmente, à polícia, em suma, às instituições representativas do sistema de ordem estatal, apontam para um quadro preocupante.

Podemos perceber que o crime, nas últimas décadas se organizou de tal modo, que passa agora a fazer frente ao Poder Estatal, não mais simplesmente como mero descumprimento das normas, mas sim como um Poder autônomo, ora denominado "Poder Paralelo". Vê-se, outrossim, um agravamento da crise de segurança: a população, além do temor normal que sente quanto ao crime organizado, agora observa que o próprio sistema de ordem, que deveria protegê-la e dar-lhe segurança, se amedronta e recua diante dos ataques criminosos, fazendo, inclusive, acordos para restabelecer a ordem, o que demonstra o decréscimo de seu poder de enfrentamento contra o crime.

Assim sendo, surge a seguinte indagação: Na sociedade brasileira, quem realmente detém o controle da ordem social? Seriam o Estado e suas instituições, cuja função é garantir o equilíbrio do sistema, através do uso legítimo da força e de outros meios de coerção? Ou seria o chamado "Poder Paralelo", ou seja, a rede de poder estabelecida pelo crime, inicialmente à margem do Estado, que dele se emancipa e que nele se dissemina, utilizando-se inclusive da máquina burocrática para atingir seus objetivos econômicos?

Metodologia

Para responder a indagação formulada, nos valemos dos seguintes meios:

a) Levantamento, leitura e análise de obras antropológicas, sociológicas, filosóficas e jurídicas, a partir das quais se nos revelou adequado, para a análise do problema, recorrer à Teoria Geral do Sistema como paradigma de observação da sociedade, por meio de um viés multiangular. Assim sendo, estudamos o problema sob as diversas visões dos vários ramos das Ciências Humanas.

b) Além de através da leitura, a reflexão sobre o tema foi feita com base nos debates ocorridos em dois Grupos de Iniciação Científica da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo: "Crime e Justiça Criminal" e "Filosofia, direito e cinema (imagens do poder e da justiça)". O primeiro tratou de questões pertinentes ao Crime, em sua relação com a sociedade e as instituições estatais de ordem. O segundo tratou de questões relacionadas à Ética, mais especificamente suas relações com o poder e a interpretação utilitarista da Moral.

c) Após as leituras e debates mencionados, a pesquisa apontou para alguns resultados que serão expostos a seguir.

Resultados

Constatamos que o crime, inicialmente, dentro da sociedade brasileira, se apresentava como um fenômeno isolado e nela incidia de diversas formas, como, por exemplo, furtos isolados, homicídios pelas mais diversas causas, entre outros. Encontrava-se, portanto, subordinado e "controlado" às normas penais que o previam e puniam, apresentando-se o crime como um sub-sistema do Sistema Estatal de Ordem.

Com o consolidação do capitalismo tecnológico e a maximização da produção, o desenvolvimento da sociedade de consumo e o ápice desta, o crime assumiu feições próprias. Principalmente através da exploração econômica do tráfico de drogas, armas, aparelhos tecnológicos, entre outros produtos demandados em grande quantidade, os criminosos passaram a formar organizações com as mesmas características de uma empresa. Mas tais "empresas", em virtude de seu caráter ilícito, ditam suas próprias regras e não se subordinam as regras estatais de controle da atividade econômica. Elas, inclusive, passam a se impor à própria ordem econômico-político-social, constituindo-se seu conjunto num verdadeiro sistema de comando, estruturado por redes de poder infiltradas nas próprias instituições estatais garantidoras da ordem.

Conclusões

A partir de tais fatos, concluímos que houve no Brasil uma inversão sistemática entre Crime e sociedade, com a perda de poder por parte do sistema de ordem legítimo, o Estado, e o aumento do poder concentrado nas mãos dessas "empresas da criminalidade".

Concluímos também que isso é fruto de um fenômeno mais geral, que envolve a inércia do próprio Estado e seu conseqüente enfraquecimento gradual, assim como foi gradual a ascensão do crime organizado ao status de sistema. Não bastasse esse quadro, as projeções são de mais fortalecimento da ordem criminosa, já que, ao concentrar Poder Econômico através do imenso lucro de sua atividade, ela concentra maior poder político, devido sua infiltração na máquina burocrática do Estado, mantendo assim sua impunidade, o que lhe permite a manutenção e perpetuação de suas relações de dominação quanto ao antigo sistema de ordem, agora rebaixado à condição de sub-sistema.

A questão, no entanto, não se esgota e nem pode se esgotar com a presente pesquisa, que teve como intuito identificar e apresentar o problema, trazendo reflexões e questionamentos que possam contribuir para o debate e superação do quadro atual.

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*Acadêmico e Monitor da Cadeira de Filosofia do Direito da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo








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