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O fim da CPMF e o sigilo bancário

Após a desaprovação da CPMF pelo Congresso Nacional, a Receita Federal, buscando um mecanismo que a permitisse continuar fiscalizando a movimentação financeira dos correntistas, pessoas físicas ou jurídicas, valeu-se do disposto na Lei Complementar nº. 105/2001 e no Decreto nº. 4.489, de 28.11.2002, e editou a Instrução Normativa RFB nº. 802/2007.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Atualizado em 25 de janeiro de 2008 13:53


O fim da CPMF e o sigilo bancário

Tânia Nigri*

Após a desaprovação da CPMF pelo Congresso Nacional, a Receita Federal, buscando um mecanismo que a permitisse continuar fiscalizando a movimentação financeira dos correntistas, pessoas físicas ou jurídicas, valeu-se do disposto na Lei Complementar nº. 105/2001 (clique aqui) e no Decreto nº. 4.489, de 28.11.2002 (clique aqui), e editou a Instrução Normativa RFB nº. 802/20071.

A mencionada Instrução Normativa informa que a identificação das despesas por eles realizadas será feita pelo número do CPF, no caso de pessoas físicas, e do CNPJ, no caso das pessoas jurídicas, determinando que as instituições financeiras repassem informações de todos os correntistas que tenham movimentação semestral global no valor mínimo de R$ 5.000, nos casos de pessoas físicas e R$ 10.000, nos casos de pessoas jurídicas.

Ultrapassado o valor global estipulado na norma, as instituições financeiras terão de identificar os titulares das contas e os valores por eles movimentados, repassando-os para a Receita Federal.

Inconformados com o teor da referida norma, algumas pessoas procuraram o Poder Judiciário e impetraram o Mandado de Segurança nº. 2008.71.10.000280-0/RS2, alegando que a Instrução Normativa afrontaria a Constituição Federal (clique aqui), por permitir que a autoridade fiscal viole o sigilo bancário dos cidadãos, sem prévia ordem judicial, o que feriria de morte o disposto nos incisos X e XII do art. 5º da Lei Maior.

A liminar foi deferida pelo juiz Adriano Enivaldo de Oliveira, do Rio Grande do Sul, que determinou á Receita Federal que se abstivesse de todo e qualquer ato, sobretudo os baseados na IN 802/2007, de 27.12.2007, tendente a quebrar o sigilo bancário dos autores da ação.

Ao adentrar a análise da constitucionalidade da Instrução Normativa acima mencionada, o Magistrado afirmou que a norma buscaria concretizar uma intromissão nas relações travadas entre as instituições bancárias e seus correntistas, menosprezando-se o direito ao sigilo bancário, que inseriria-se no conceito de direito fundamental à intimidade.

Para demonstrar que os tribunais superiores avalizariam a posição por ele esposada, cita na decisão dois acórdãos exarados pelo Supremo Tribunal Federal que dispõem:

"CONSTITUCIONAL - MINISTÉRIO PÚBLICO - SIGÍLO BANCÁRIO: QUEBRA - Constituição Federal, ART. 129, VIII.

1. A norma inscrita no inc. VIII, do art. n°. 129, da Constituição Federal, não autoriza ao Ministério Público, sem a interferência da autoridade judiciária, quebrar o sigilo bancário de alguém. Se tem presente que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade, que a Constituição Federal consagra, art. 5°, X, somente autorização expressa da Constituição legitimaria o Ministério Público a promover, diretamente e sem a intervenção da autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa.

2. RE não conhecido".

(STF - RECR 215301 - 2ª T. - Rel. Min. Carlos Velloso - DJU 28.05.1999 - p. 24).

"HABEAS CORPUS - QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO - ADMISSIBILIDADE

A idoneidade do habeas corpus como meio de afastar constrangimento decorrente da violação do sigilo bancário, desdobramento do direito à intimidade e à privacidade, que, por sua vez compreende-se no campo mais amplo do direito à liberdade, consoante autorizada doutrina, vem sendo admitida pela jurisprudência quando se tratar de processo penal ou inquérito policial.

2. Ordem concedida dada a carência de fundamentação do despacho impositivo da violação do sigilo bancário sem indicar elementos mínimos de prova quanto à autoria do delito"

(STJ - HC 8317 - (199800953604) - PA - 6ª T. - Rel. Min. Fernando Gonçalves - DJU 15.05.2000 - p. 00201).

Prossegue o Magistrado, informando que em julgado recentíssimo 3 (acórdão ainda pendente de publicação), o Supremo Tribunal Federal teria anulado, por unanimidade, decisão do Tribunal de Contas da União que obrigava o Banco Central a dar acesso irrestrito a informações protegidas pelo sigilo bancário, constantes do SISBACEN. Os Ministros, segundo afirma, teriam ressaltado que o TCU, como órgão auxiliar do Congresso Nacional, não teria o poder de decretar a quebra do sigilo dos dados.

No bojo de sua sentença, o Ilustre Magistrado também alude ao acórdão proferido pelo STJ, em processo judicial em que se discute a requisição de informações fiscais do investigado, diretamente pelo Ministério Público, conforme ementa que se transcreve, verbis:

RECURSO EM HABEAS CORPUS - CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E DE LAVAGEM DE DINHEIRO - INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES - QUEBRA DO SIGILO FISCAL DO INVESTIGADO - INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL - REQUISIÇÃO FEITA PELO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DIRETAMENTE À RECEITA FEDERAL - ILICITUDE DA PROVA - DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS - TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL - IMPOSSIBILIDADE - EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO NÃO CONTAMINADOS PELA PROVA ILÍCITA - DADO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

I. A requisição de cópias das declarações de imposto de renda do investigado, feita de forma unilateral pelo Ministério Público, se constitui em inequívoca quebra de seu sigilo fiscal, situação diversa daquela em que a autoridade fazendária, no exercício de suas atribuições, remete cópias de documentos ao parquet para a averiguação de possível ilícito penal. II. A quebra do sigilo fiscal do investigado deve preceder da competente autorização judicial, pois atenta diretamente contra os direitos e garantias constitucionais da intimidade e da vida privada dos cidadãos.

III. As prerrogativas institucionais dos membros do Ministério Público, no exercício de suas funções, não compreendem a possibilidade de requisição de documentos fiscais sigilosos diretamente junto ao Fisco.

IV. Devem ser desentranhadas dos autos as provas obtidas por meio ilícito, bem como as que delas decorreram.

V. Havendo outros elementos de convicção não afetados pela prova ilícita, o inquérito policial deve permanecer intacto, sendo impossível seu trancamento.

VI. Dado parcial provimento ao recurso".

(STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Processo: 200602256189 UF: PR Órgão Julgador: QUINTA TURMA. Fonte DJ DATA: 22.10.2007 PÁGINA: 312. Relator(a) JANE SILVA - DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG).

Da leitura da decisão proferida pelo juiz sentenciante, observamos que ela parte de precedentes que não se coadunam com a questão levada pelos impetrantes, já que o mandado de segurança não questiona a legalidade da requisição de informações sigilosas diretamente pelo Ministério Público ou pelo TCU, como faz crer a fundamentação da decisão monocrática. Em verdade, o Mandado de Segurança nº. 2008.71.10.000280-0/RS se refere ao acesso da administração tributária aos dados bancários dos contribuintes, o que, por si só, joga por terra a argumentação desenvolvida na decisão liminar.

É importante relembrar que o STJ já teve oportunidade de apreciar essa questão mais de uma vez4, e decidiu que a utilização de informações financeiras pelas autoridades fazendárias não afrontaria o sigilo de dados bancários.

No julgamento do Recurso Especial nº. 6680125, a maioria dos ministros considerou que a Lei n°. 9.311/96 (clique aqui), que ampliou as hipóteses de prestação de informações bancárias, permitindo a utilização de dados obtidos a partir da arrecadação da CPMF para a apuração e constituição de crédito referente a outros tributos, era plenamente constitucional. Em seu voto, a Ministra Denise Arruda sustentou que "a orientação nitidamente majoritária deste Tribunal entende não haver violação da norma constitucional que assegura o sigilo de dados bancários (artigo 5º, XII, da CF), em face do que dispõe não só o Código Tributário Nacional (clique aqui), mas também a Lei n°. 9.311/96 e a Lei Complementar n°. 105/2001". (grifou-se)

Prosseguiu a Ministra seu voto, lembrando que a 2ª Turma, à exceção do ministro Peçanha Martins, já vinha decidindo a questão nesse mesmo sentido.

Por derradeiro, merece repetida a decisão proferida pelo STJ no bojo do Recurso Especial nº. 584378/MG, que colocou uma pá de cal na questão, disciplinando, verbis:

TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. LEI COMPLEMENTAR N°. 105/2001. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES BANCÁRIAS PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO

REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. POSSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO-COMPROVAÇÃO. SÚMULA N°. 83 DO STJ (clique aqui).

1. A teor do art. 6º da LC n°. 105/01, a autoridade fazendária pode ter acesso às informações bancárias do contribuinte quando houver procedimento administrativo-fiscal em curso, sem o crivo do judiciário.

2. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" - Súmula n°. 83 do STJ..

3. Recurso especial não-conhecido.

(grifou-se)

Questão bastante antiga é essa relacionada ao poder de acesso da administração tributária aos dados bancários dos contribuintes. Grande parte da jurisprudência e da doutrina, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, passou a advogar a tese da impossibilidade de, sem ordem judicial prévia, as autoridades fazendárias poderem acessar as movimentações financeiras e bancárias dos contribuintes.

Segundo afirmam, o direito ao sigilo bancário configurar-se-ia em verdadeiro direito subjetivo fundamental, um limite quase intransponível para a Fazenda Pública, que necessitaria de prévia autorização judicial para obter as informações indispensáveis à sua atividade fiscalizadora6.

Com a promulgação da Lei Complementar nº. 105/2001 e dos normativos que a regulamentaram, foram propostas cinco ações diretas de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal7, ainda pendentes de julgamento, sendo duas do Partido Social Liberal, duas da Confederação Nacional da Indústria e uma da Confederação Nacional do Comércio, em que se questionou a compatibilidade da mesma com o Estatuto Político da Nação.

O principal argumento expendido pelos autores, com a finalidade de comprovar a desarmonia das indigitadas normas com a Lei Maior, referia-se a uma suposta ausência das garantias processuais do contraditório e da ampla defesa no novo procedimento, o que violaria o preceituado no inciso LV do art. 5º da Carta Magna.

No Brasil, a Norma Fundamental da República confere aos Entes da Federação o poder de tributar, dispondo o artigo n°. 145, § 1º, que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica dos contribuintes.

Para conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva, a Constituição incumbe à Administração Tributária o poder-dever de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, desde que respeitados os seus direitos individuais.

Ora, se a Lei Maior dispôs qual a finalidade da Administração Tributária, qual seja, a arrecadação para atender aos encargos estatais, respeitados os princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva, por óbvio, também conferiu a ela os meios para conferir efetividade a tal missão, deferindo aos seus agentes um amplo poder fiscalizador8.

Na interpretação do mencionado dispositivo, há que se aplicar o Princípio dos Poderes Implícitos, segundo o qual, se a Lei Maior delineou os fins, certamente forneceu os meios para que fossem eles alcançados9.

Acrescente-se ser absolutamente incompreensível que uma norma franqueadora do acesso do Fisco aos dados bancários, cause tamanha comoção nacional.

No Supremo Tribunal Federal, antes mesmo da edição da Lei Complementar nº. 105/2001, por ocasião do julgamento do MS 21.429-4-DF, o Ministro Francisco Rezek decidiu:

"Parece-me, antes de qualquer outra coisa, que a questão jurídica trazida à Corte neste mandado de segurança não tem estrutura constitucional. Tudo quanto se estampa na própria Carta de 1988 são normas que abrem espaço ao tratamento de determinados temas pela legislação complementar. É neste terreno, pois, e não daquele da Constituição da República, que se consagra o instituto do sigilo bancário - do qual se repetiu ad nauseam, neste país e noutros, que não tem caráter absoluto. Cuida-se de instituto que protege certo domínio - de resto nada transcendental, mas bastante prosaico da vida das pessoas e das empresas, contra curiosidade gratuita, acaso malévola, de outros particulares, e sempre até o exato ponto onde alguma forma de interesse público reclame sua justificada prevalência...

E a mesma lei de 31.12.64, sede explícita do sigilo bancário, disciplina no seu art. n°. 38 exceções, no interesse não só da justiça, mas também no do parlamento e mesmo no de repartições do próprio governo...

Numa reflexão extralegal, observo que a vida financeira das empresas e das pessoas naturais não teria mesmo porque enclausurar-se ao conhecimento da autoridade legítima - não a justiça tão-só, mas também o parlamento, o Ministério Público, a administração executiva, já que esta última reclama, pela voz da autoridade fiscal, o inteiro conhecimento do patrimônio, dos rendimentos, dos créditos e débitos até mesmo do mais discreto dos contribuintes assalariados.

Não sei a que espécie de interesse serviria a mística do sigilo bancário, a menos que se presumam falsos os dados em registro numa dessas duas órbitas, ou em ambas, e por isso não coincidentes o cadastro fiscal e o cadastro bancário das pessoas e empresas...

Não vejo inconstitucionalidade alguma no § 2° do art. 8° da Lei Complementar n°. 75 (clique aqui), cujo texto só faz ampliar, dentro da prerrogativa legítima do legislador, o escopo da exceção já aberta ao sigilo bancário no texto da lei originalmente comum que o disciplinou nos anos 60. E o faz em nome de irrecusável interesse público, adotando um mecanismo operacional que em nada arranha direitos, ou sequer constrange a discrição com que se portam os bancos idôneos e as pessoas de bem" (grifou-se).

Acaso não tivesse a Administração a possibilidade de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes, não poderia tributar, a não ser na medida em que eles espontaneamente declarassem ao Fisco os fatos tributáveis.

Tal inversão de papéis desembocaria na bizarra conclusão de que o tributo teria se transmudado de prestação pecuniária compulsória, para se tornar uma prestação pecuniária voluntária, ou uma simples colaboração do contribuinte prestada ao Tesouro10, entendimento que não deve prevalecer.

Não se pode admitir que, em nome de um suposto direito subjetivo de não serem fiscalizados pelo Fisco (grande contradição!), os contribuintes busquem e obtenham, decisões judiciais que impeçam a Administração Tributária de desempenhar o seu mister constitucionalmente assegurado.

Apenas para finalizar, não há como se perder de vista a máxima cunhada pelo grande especialista no tema, Sérgio Covello, que sobre tal assunto já prelecionou: 'banco não é esconderijo'.

_______________

1 O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, no uso da atribuição conferida pelo art. n°. 224, inciso III, do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria MF nº. 95, de 30.4.2007, e tendo em vista o disposto no art. 5º da Lei Complementar nº. 105, de 10.1.2001, e no art. 5º do Decreto nº. 4.489, de 28.11.2002, resolve:

Art. 1º As instituições financeiras, assim consideradas ou equiparadas nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei Complementar nº. 105, de 10.1.2001, devem prestar informações semestrais, na forma e prazos estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), relativas a cada modalidade de operação financeira de que trata o art. 3º do Decreto nº. 4.489, de 2002, em que o montante global movimentado em cada semestre seja superior aos seguintes limites:

I - para pessoas físicas, R$ 5.000,00 (cinco mil reais);
II - para pessoas jurídicas, R$ 10.000,00 (dez mil reais).
§ 1º As operações financeiras de que tratam os incisos II, III e IV do art. 3º do Decreto nº. 4.489, de 2002, deverão ser consideradas de forma conjunta pelas instituições financeiras, para fins de aplicação dos limites de que tratam os incisos I e II do caput.
§ 2º As informações sobre as operações financeiras de que trata o caput compreendem a identificação dos titulares das operações ou dos usuários dos serviços, pelo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), e os montantes globais mensalmente movimentados.

Art. 2º Na hipótese em que o montante global movimentado no semestre referente a uma modalidade de operação financeira seja superior aos limites de que tratam os incisos I e II do art. 1º, as instituições financeiras deverão prestar as informações relativas às demais modalidades de operações ou conjunto de operações daquele titular ou usuário de seus serviços, ainda que os respectivos montantes globais movimentados sejam inferiores aos limites estabelecidos.

Art. 3º Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2008.
JORGE ANTONIO DEHER RACHID

2 MANDADO DE SEGURANÇA Nº. 2008.71.10.000280-0 RS
IMPETRANTE: JOAO GUILHERME NESS BRAGA
ADVOGADO: STELA SICA NUNES: RICARDO PIVA
IMPETRANTE: GILDA LANGE DO AMARAL BRAGA: ROSA NESS
ADVOGADO: STELA SICA NUNES
IMPETRADO: DELEGADO (A) DA RECEITA FEDERAL EM DECISÃO (liminar/antecipação da tutela)


3 MEDIDA CAUTELAR EM MANDADO DE SEGURANÇA 27.091-8 DISTRITO FEDERAL
IMPETRANTE(S): SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL
ADVOGADO (A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
IMPETRADO (A/S): PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TC Nº. 02568620067)

4 RECURSO ESPECIAL 2004/0091034-1 PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAUTELAR PARA EMPRESTAR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. REQUISITOS. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO INTERTEMPORAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, § 1º DO CTN.

1. (...)

2. O resguardo de informações bancárias era regido, ao tempo dos fatos que permeiam a presente demanda (ano de 1998), pela Lei 4.595/64, reguladora do Sistema Financeiro Nacional, e que foi recepcionada pelo art. 192 da Constituição Federal com força de lei complementar, ante a ausência de norma regulamentadora desse dispositivo, até o advento da Lei Complementar 105/2001.

3. O art. 38 da Lei 4.595/64, revogado pela Lei Complementar 105/2001, previa a possibilidade de quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial.

4. Com o advento da Lei 9.311/96, que instituiu a CPMF, as instituições financeiras responsáveis pela retenção da referida contribuição, ficaram obrigadas a prestar à Secretaria da Receita Federal informações a respeito da identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações bancárias, sendo vedado, a teor do que preceituava o § 3º da art. 11 da mencionada lei, a utilização dessas informações para a constituição de crédito referente a outros tributos.

5. A possibilidade de quebra do sigilo bancário também foi objeto de alteração legislativa, levada a efeito pela Lei Complementar 105/2001, cujo art. 6º dispõe: "Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente."

6. A teor do que dispõe o art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, as leis tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao passo que as leis de natureza material só alcançam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência.

7. Norma que permite a utilização de informações bancárias para fins de apuração e constituição de crédito tributário, por envergar natureza procedimental, tem aplicação imediata, alcançando mesmo fatos pretéritos.

8. A exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105/2001 e 1º da Lei 10.174/2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência.

9. Inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal. (grifou-se)

10. Agravo Regimental desprovido.

5 TRIBUTÁRIO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO POR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº. 105/2001.

1. Pode a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias do contribuinte anteriores a 10.01.01, como preconiza a Lei Complementar nº. 105/01, sem o crivo do judiciário.

2. Não há que se falar em ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, porquanto a Lei Complementar nº. 105/01, bem como a Lei nº. 10.174/01, não instituem ou majoram tributos, mas apenas dotaram a Administração Tributária de instrumentos legais aptos a promover a agilização e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais.
Aplica-se o disposto no § 1º do art. 144 do CTN.
3. Recurso especial provido".
(grifou-se)

6 MAIA, Mary Elbe Gomes Queiroz. A inexistência de sigilo bancário frente ao poder-dever de investigação das autoridades fiscais. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 76, p. 147-163, 1999.

7 As cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade estão pendentes de julgamento.

8 Quando a Lei Maior acolhe interesses aparentemente distintos, não fazendo ela própria a sua ponderação, impõe-se tal atividade ao hermeneuta, compatibilizando esses valores em conflito, com o interesse maior, merecendo, para tal atividade interpretativa lembrar a célebre frase de Aliomar Baleeiro que nos ensina: "A Constituição não destrói a si mesma, logo não transige com interpretação que a aniquila".

9 O mencionado princípio dos poderes implícitos foi objeto de algumas ponderações do juiz Marshall, que, por ocasião da demanda Mc Culloch versus Maryland, assinalou que "um governo, ao qual se cometeram tão amplos poderes (como o dos Estados Unidos), para cuja execução a felicidade e a prosperidade da nação dependem de modo tão vital, deve dispor de largos meios para sua execução. Jamais poderá ser de seu interesse, nem tampouco se presume haja sido sua intenção, paralisar e dificultar-lhe a execução, negando para tanto os mais adequados meios" (BONAVIDES, Paulo. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 311).

10 MACHADO, Hugo de Brito. Princípios constitucionais tributários. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). op. cit., p. 85-86.

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*Advogada, formada pela UERJ, especializada em Direito de Empresas pela PUC/RJ e mestre em Direito Econômico pela UGF/RJ




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