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O rio São Francisco e o meio ambiente

O rio São Francisco, conhecido como Opará pelos indígenas, ou "Velho Chico", denominação popular, possui extensão de 2.800 quilômetros, banha sete Estados e quinhentos e três municípios, drenando área aproximada de 640 mil quilômetros; na altura de Cabrobó/PE, o rio tem um desvio natural, rumando para o litoral e deixando sem seus benefícios o Ceará, a Paraíba e o Rio Grande do Norte.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Atualizado em 8 de fevereiro de 2008 12:08


O rio São Francisco e o meio ambiente

Antonio Pessoa Cardoso*

O rio São Francisco, conhecido como Opará pelos indígenas, ou "Velho Chico", denominação popular, possui extensão de 2.800 quilômetros, banha sete Estados e quinhentos e três municípios, drenando área aproximada de 640 mil quilômetros; na altura de Cabrobó/PE, o rio tem um desvio natural, rumando para o litoral e deixando sem seus benefícios o Ceará, a Paraíba e o Rio Grande do Norte.

O "Opará" tem três divisões: Alto São Francisco, localizado no Estado de Minas Gerais, começando nas cabeceiras, na Serra da Canastra, onde nasce e vai até Pirapora; nesta parte, o ambiente é degradado pelo garimpo no leito do rio e pelas atividades econômicas da exploração do ferro e indústrias de transformação da grande Belo Horizonte; Médio São Francisco, entre Pirapora e Remanso; Sub-Médio São Francisco, entre Remanso e Paulo Afonso, na Bahia; nessas áreas, a poluição situa-se na agricultura sem cuidado algum com a preservação dos recursos hídricos; proliferam os desmatamentos na bacia do rio. No Baixo São Francisco, compreendido entre Paulo Afonso e a foz do Oceano Atlântico, Sergipe e Alagoas, a preocupação maior está na regularização do fluxo da água, prejudicado pelas constantes modificações no percurso do rio.

Os malefícios desferidos contra o 'Velho Chico" atingem seus afluentes; já se conta aproximadamente trezentos deles extintos, além do registro de rebaixamento acentuado do nível de água em outros. Pela margem direita são setenta e oito afluentes e pela esquerda são cento e sessenta e oito, dos quais noventa e nove perenes.

A falta de consciência ecológica das autoridades públicas explica toda a fragmentação do "rio da unidade nacional" com a exploração de grandes projetos hídricos.

Não havia legislação para exigir Estudo de Impacto Ambiental para a construção de grandes barragens ou canais para irrigação. Isto somente ocorreu nos anos 80. Assim, a represa de Três Marias, construída em Minas Gerais, em 1952, a barragem de Sobradinho, na Bahia, 1979, que proporcionou formação de ondas, semelhantes às dos mares, dificultando a navegação no rio; a de Itaparica, Paulo Afonso I, II, III e IV, instaladas a partir de 1954, Xingó e Moxotó; todas essas obras, quando construídas, não eram antecedidas por Estudo de Impacto Ambiental nem se mostravam as conseqüências das inovações; fazem-se represas para acumular água que será mercadoria de troca por quilowatts; a obra, entretanto, provoca o desaparecimento de muitas cidades, destruição de árvores, perda de solo cultivável, de material arqueológico, de riquezas pré-históricas que poderiam existir no subsolo da área alagada, além de causar irreversível assoreamento e diminuir a correnteza natural do rio.

As barragens edificadas ao longo do leito do rio ainda acabam com as cheias, responsáveis pela molhação das terras e por encher as lagoas em suas várzeas; reduz o número de peixes, haja vista o efeito causado com o desaparecimento do "surubim". Já se identificou cento e cinquenta e duas espécies de peixes nativos da bacia. A economia tradicional, sustentada na pescaria e na alimentação de sua população, esvai-se com a degradação do rio.

O I Encontro de Pescadores da Bacia do Rio São Francisco, realizada em Salvador, concluiu que "assim como os peixes, os pescadores artesanais também estão ameaçados de desaparecer por conta do discurso do preço a se pagar pela modernização". Sabe-se que 60% do consumo interno de peixes no Brasil originam-se da pesca artesanal.

O rio ainda é poluído pelos esgotos e lixos de grandes e pequenas cidades nele despejados, pelo assoreamento, causado pelo desmatamento dos cerrados com projetos agropecuários, pelos garimpos artesanais de diamante, pelas carvoarias e pelo uso de agrotóxicos.

A idéia de transposição é mais que secular, porém, mesmo sem esta obra de violação à natureza e à Constituição (clique aqui), o governo causou, em muitos momentos, danos ao ambiente no rio. Agora, quer-se sacrificar mais uma vez o rio, em busca de vantagens econômicas para as fábricas, para as empreiteiras, para o agronegócio, sob o pretexto de favorecimento ao povo com o suprimento de água; sabe-se que 70% das águas serão destinadas à irrigação de frutas e cana, além das fazendas de criação de camarão; 26% às indústrias, a exemplo de siderúrgicas, e somente 4% para a população rural. Ademais, 80% das águas do São Francisco já são destinadas à energia elétrica, abastecendo 98% de todo o Nordeste.

Na verdade, o uso indiscriminado dos recursos naturais constitui o maior perigo para a sobrevivência do rio e serve para os lucrativos negócios, financiado pelo próprio governo, sob o manto falso da privatização hídrica. O raciocínio é de que o crescimento econômico deve ser conquistado a qualquer custo, mesmo com o consumo de 6,6 bilhões de reais para favorecer o agronegócio e os biocombustíveis, em prejuízo do meio ambiente.

A seca no Nordeste tem outras soluções que não implicam no sofrimento do rio; basta executar as mais de quinhentas obras em 1.112 municípios, proposta pela Agência Nacional de Águas, no "Atlas do Nordeste" ou pela Articulação do Semi-árido, ASA. Entre uma obra com finalidade econômica, transposição do São Francisco, e um conjunto de obras para saciar a sede humana, o governo está obrigado a dar prioridade às obras do Atlas. Afinal a lei brasileira, no que se refere a recursos hídricos no uso das águas, dá prioridade ao "abastecimento humano e a dessedentação dos animais".

Os estudos científicos mostram a inviabilidade da transposição do rio São Francisco. A gerência da divisão de planejamento da geração Elétrica da Companhia de Eletricidade da Bahia, COELBA, aponta substancial queda no fornecimento de energia elétrica para as regiões Norte e Nordeste do Brasil, se ocorrer a transposição. O Instituto Miguel Calmon, IMCI, fez, em 1983, advertência sobre a possibilidade de faltar água no rio, caso o governo implemente o projeto de transposição.

O rio São Francisco, na extensão de 1.371 quilômetros, entre Pirapora (MG) e Juazeiro (BA), distância entre Brasília (DF) e Salvador (BA), é navegável e é a mais econômica forma de transporte entre o Centro Sul e o Nordeste; ademais, há interligações com ferrovias e rodovias a centros importantes do país.

As embarcações, denominadas de gaiolas e vapores, contribuíram para significativo ciclo na vida de toda a região ribeirinha; transportavam riquezas e faziam o comércio: Saldanha Marinho, capacidade de 6 toneladas, Presidente Dutra, 20, São Francisco, 80, Benjamin Guimarães, único no mundo movido a lenha, 90, Wenceslau Braz, 120 toneladas.

Após a ascensão e queda das gaiolas e dos vapores, apareceram as lanchas ônibus, construídas pela Franave, destinadas ao transporte de passageiros entre Pirapora e Juazeiro. "Costa e Silva" foi uma das mais famosas lanchas; transportava cento e trinta e um passageiros; pouco tempo permaneceu no rio, porque desativada face à falta de condições de navegabilidade do rio.

As alegadas ações governamentais de revitalização do rio, consistentes em reflorestamentos, melhoria da calha navegável, tratamento de esgotos nas cidades ribeirinhas e educação ambiental não têm mostrado resultados. Fala-se em R$ 100 milhões investidos em 2005 só na área do Ministério da Integração Nacional e do Meio Ambiente; alega-se que a CHESF destina, obrigatoriamente, para os Estados e Municípios da bacia do rio São Francisco, 6% do seu faturamento bruto, correspondente a 100 milhões por ano. O Ministério das Cidades direciona milhões nos projetos de saneamento básico dos municípios ribeirinhos, mas fala-se que, em área de 1.600 km2, 80% dos solos estão expostos à desertificação, proveniente do desmatamento e mau uso do solo. A solução aos danos ao ambiente através do reflorestamento, com plantação de eucaliptos, não se mostra adequado porque esta árvore suga o solo e seca as nascentes próximas. Enfim, se efetivamente, há repasse dos valores indicados, algo está errado, porquanto não se constata resultados originados de tais recursos.

Retiraram do rio o transporte fluvial, as gaiolas, os vapores, com o encantamento de seus apitos mágicos; inibiram as manifestações genuínas da arte popular brasileira, através das canções, das lendas, das carrancas; acabaram com a pesca e querem acabar com o rio.

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Desembargador do TJ/BA






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