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Delegando funções no Escritório de Advocacia

Começamos a trabalhar, como advogados, com amor e afinco, estudando muito, correndo para as audiências, atendendo, passando horas ao telefone e atualmente nas respostas aos e-mails, redigindo petições e contratos, elaborando propostas, cobrando dos clientes o nosso sustento, explicando os afazeres para um ou outro funcionário, tentando compor nossa imagem e cuidando de nossa publicidade, pagar nossas contas etc.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Atualizado em 25 de fevereiro de 2008 15:16


Delegando funções no Escritório de Advocacia

Mauro Tavares Cerdeira*

Começamos a trabalhar, como advogados, com amor e afinco, estudando muito, correndo para as audiências, atendendo, passando horas ao telefone e atualmente nas respostas aos e-mails, redigindo petições e contratos, elaborando propostas, cobrando dos clientes o nosso sustento, explicando os afazeres para um ou outro funcionário, tentando compor nossa imagem e cuidando de nossa publicidade, pagar nossas contas etc.

Faz parte da função do advogado, e de outras atividades liberais igualmente nobres, para aqueles que resolvem montar seu escritório, só ou acompanhado, tarefas nem tanto nobres, ou para as quais não estamos vocacionados, mas tem de ser feitas.

Enquanto o Escritório é o mundo de um homem só, as coisas até que vão bem. Mas os clientes vão chegando, gostando, e ficando. Gostam do tratamento, da boa qualidade dos serviços, adquirem confiança. É o crescimento e o sucesso. Como diz um amigo médico: "São vinte anos correndo atrás dos clientes, e depois mais vinte correndo deles".

E daí surge a necessidade de escolher. Crescer em qualidade ou em quantidade? Ou os dois? Tem colegas que selecionam clientes. Outros vão aumentando o escritório. Passam tarefas corriqueiras para profissionais diversos. Administradores, contadores, executivos, bibliotecários, jornalistas, etc.

E tem que delegar os serviços jurídicos também. As petições, recursos, reuniões, atendimentos, despachos com magistrados, tudo tem de ser reavaliado e transmitido para os profissionais da banca, logicamente bem treinados e motivados, e em um ambiente de trabalho saudável, em que reine a organização e, principalmente, o coleguismo e a humildade, e, se possível, um pouco de informalidade.

Bom, chegamos ao ponto. Como delegar? Acho que esta é uma das tarefas das mais difíceis para nós, advogados. Esta é uma profissão de vaidosos. Começa pela vestimenta, passa pela forma de falar, de escrever, alcançando ao final a importância toda que se quer ter. De vez em quando pego aqui um ou outro, que acabou de receber a inscrição da ordem, andando com aquele papel, já que a carteira demora sei lá quantos meses para ficar pronta (tecnologia muito difícil, de última geração, vinda talvez de outra Galáxia), já cruzando as pernas sob a mesa e dizendo ao telefone: "aqui quem está falando é o doutor fulano de tal". É só desligar que já pergunto onde fez o doutorado, e depois, calmamente e rindo, explico que logicamente lhe é permitida a vaidade e o orgulho da conquista, mas que tenha a humildade de esperar ser chamado de doutor, ao invés de se auto-intitular. Humildade; eis o primeiro mandamento do sucesso!

Então, no começo, a cena é a seguinte: O advogado sócio sentado, lendo as petições ou as atas de audiências do (a) jovem causídico (a). Não consegue achar nada exatamente errado, mas as coisas o incomodam; ele se remexe na cadeira, passa a mão pelo rosto, chama o rapaz ou moça, pergunta o que quis dizer com isso ou aquilo, explica um tanto de coisas. Tem vontade de fazer a petição ele mesmo. É um martírio.

Demora, mas tem de haver um meio dele entender o seguinte: A maior parte do incômodo é uma questão de estilo. Ninguém escreve igual ou faz as coisas de forma idêntica. E às vezes o diferente é até melhor que o seu. Os resultados, com o tempo, vão mostrando isso. O importante, é que o profissional entenda que sua posição mudou. Ele não é mais o advogado que escreve melhor ou que faz a melhor audiência. Isso não vai mais lhe ser possível, no caminho novo que escolheu. Ele agora tem de ser o melhor coordenador de equipe. Deve agora entender as especialidades de cada um da sua turma de comandados, e ajudá-los a cumprir os objetivos da banca. Deve corrigi-los, cobrar metas, estabelecer prioridades. Deve cumprir o seu novo papel. O tempo passa, e as funções mudam. Caso isso não seja entendido, o negócio é reduzir de novo a banca, selecionar os clientes, e ficar escrevendo de novo aquela petição "melhor do mundo", do "seu mundo". Logicamente que ele vai poder continuar sendo advogado também, vai escolher questões mais delicadas para tratar, processos complexos para analisar e encaminhar, mas o seu tempo para tais tarefas agora é menor.

Na especialização da GV em Administração de Escritórios de Advocacia, coordenada pela dinâmica e competente Simone Salomão, tive a oportunidade de rever um caso histórico de uma equipe de escaladores que tentaram chegar ao topo do Everest. O caso transformou-se em uma tragédia. Em parte porque um dos instrutores (ou coordenadores), era na verdade um ótimo escalador, não realmente disposto a abandonar esta função para efetivamente coordenar uma equipe, ou talvez, inapto para gerenciar uma equipe.

Certa vez, há vários anos atrás, havia conseguido captar uma boa causa, com honorários incomuns. Nosso Escritório atual, que começara somente comigo, já tinha à época uns dez profissionais trabalhando. Saí para caminhar com minha esposa, que é Diretora Financeira de uma Multinacional e disse para ela: "Puxa, olha só, se hoje eu trabalhasse sozinho, daria para terminar o ano de folga, ou pegar esse dinheiro e sair correndo de sunga pela rua" (não precisa se assustar que era só uma brincadeira). Mas ela disse: "Pois é, mas daí se aparecer uma outra dessa amanhã, você não pode pegar mais, pois já tem uma que requer toda sua capacidade de trabalho, e se ficar doente, perde até a que já pegou, e se sair correndo de sunga, perde também a esposa".

Pois é, a vida é de escolhas. Ganha quem planeja bem o seu futuro e entende o seu papel no tempo e no espaço. E compensa fazer sempre o exercício da humildade; e deixar um pouco da vaidade profissional de lado, mas só a que eventualmente estiver em excesso.

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*Advogado do escritório Cerdeira e Associados











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