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No limiar de novos tempos?

O ano de 2006 marcou definitivamente o início de uma nova postura da nossa Justiça Eleitoral. Muitas previsões legislativas que dormitavam ou não eram plenamente aplicadas receberam vida e eficácia.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Atualizado em 31 de março de 2008 16:15


No limiar de novos tempos?

Rodrigo Lins e Silva Candido de Oliveira*

O ano de 2006 marcou definitivamente o início de uma nova postura da nossa Justiça Eleitoral. Muitas previsões legislativas que dormitavam ou não eram plenamente aplicadas receberam vida e eficácia.

Uma das relevantes modificações havidas diz respeito aos candidatos que tiveram suas contas desaprovadas. A jurisprudência do TSE era tranqüila no sentido de que bastava ao candidato ajuizar uma demanda qualquer para que seus problemas com os Tribunais de Contas fossem desconsiderados, relevados. A matéria era de tal forma cristalizada que constava da Súmula nº. 1 do próprio Tribunal Superior Eleitoral.

Pois esse entendimento foi radicalmente alterado: pela nova interpretação do TSE, agora não basta ao candidato ajuizar uma ação qualquer, com ou sem bons fundamentos, na justiça comum, para "limpar" a questão das suas contas. Não. Para que tal circunstância seja afastada, abrindo-se-lhe os caminhos para nova candidatura, impõe-se agora ao candidato ajuizar uma demanda de tal forma séria e robusta que seja apta a lhe garantir uma liminar, ou antecipação de tutela, suspendendo os efeitos da rejeição das contas. Apenas assim - com a suspensão, pelo judiciário, dos efeitos da decisão do Tribunal de Contas - é que esse fato pode (e deve, em cumprimento à liminar obtida) surtir efeitos na esfera eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral, assim, em postura inovadora, revogou a sua própria Súmula nº 1, modificando radicalmente o tratamento da matéria. Um grande avanço.

Mas as coisas não pararam por aí. A exigência de se proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerando-se a vida pregressa do candidato, como exigido no art. 14, parágrafo 9º, da Constituição Federal (clique aqui), disposição que não era aplicada, acordou depois de um longo sono.

Nesse aspecto o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro foi mais uma vez pioneiro, aplicando esse princípio constitucional e recusando o registro de inúmeros candidatos para as eleições gerais de 2006. Atuou o Ministério Público Eleitoral e o TRE/RJ, à vista da Constituição, não hesitou em dar vida àquele dispositivo. Negados os registros, os candidatos recorreram - exercendo seu legítimo direito - ao TSE.

A questão, no Tribunal Superior Eleitoral, tomou contornos interessantíssimos, e o leading case foi o do candidato Eurico Miranda. O julgamento, que se iniciou com votos contrários ao entendimento do TRE/RJ, chegou a ficar empatado em 3 x 3, com um pedido de vista para o voto que definiria a matéria. Veio o último voto, e a tese antiga prevaleceu pela mínima diferença de um voto: por 4 a 3 o TSE resolveu modificar a decisão do Rio de Janeiro e deferir as candidaturas antes aqui negadas.

Essa maioria, apertadíssima, já prenunciava novos tempos, visto que integram o TSE Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Dois Ministros do STF votaram pela admissão das candidaturas, mas ficou vencido o terceiro Ministro da Suprema Corte naquela composição do TSE: o Ministro Carlos Ayres Britto. Em longo e bem fundamentado voto, o Ministro Ayres Britto sustentou a tese tal como decidida aqui no TRE/RJ. Dividiu-se a Corte Superior, como se disse por apenas um voto, e há bons argumentos em todos os votos proferidos, evidentemente, pois o Direito não é uma ciência exata.

O fato é que a diferença de um voto apenas mostra que o TRE/RJ trilhou caminho juridicamente defensável. Moralmente nem se discute. Mas o voto de três Ministros do TSE mantendo a inelegibilidade daqueles candidatos com "ficha suja" começou a mostrar a divergência de opiniões. Foi plantada a semente da mudança.

Como é sabido as alterações na jurisprudência dos Tribunais Superiores são lentas, demandam vários julgamentos, exigem a ponderação de muitos princípios e dispositivos. É com a chegada a Brasília de várias hipóteses semelhantes, em momentos diferentes, que se torna possível a revisão de posições antes tranqüilas e definitivas. Pois ao que tudo indica brevemente chegarão muitos e muitos recursos acerca dessa matéria ao TSE: reunido em Natal (RN), no último dia 28 de março, o Colégio de Presidentes dos TRE's de todo o País abraçou a tese do indeferimento das candidaturas em razão dos princípios constitucionais que embasaram o leading case Eurico Miranda. Em vista disso, certamente haverá muitas candidaturas indeferidas, agora não mais apenas no Rio de Janeiro, mas em todo o País. Eis aí a semente já frutificando, no âmbito dos Tribunais Regionais dos Estados.

Essa nova posição dos TRE's, em todo o Brasil, certamente poderá contribuir decisivamente para outra modificação radical no entendimento do TSE. Sim, pois neste ano a composição daquela Corte será completamente alterada. Muito recentemente já saíram dois ministros e dois novos entrarão nos seus lugares. No mês de maio próximo assumirá a Presidência do TSE o Ministro Ayres Britto, no lugar hoje ocupado pelo Ministro Marco Aurélio.

Será um "novo" TSE, dado que o Tribunal é composto por apenas sete integrantes. E, frise-se, será presidido pelo Ministro Ayres Britto, favorável à tese da exigência da moralidade e da vida pregressa limpa. Como votarão, em casos semelhantes, os novos integrantes do TSE, sob a nova Presidência da Corte ?

Podemos estar no limiar de novos tempos na Justiça Eleitoral. Aguardemos.

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*Advogado do escritório Coelho, Ancelmo & Dourado Advogados










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