MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O nepotismo no Poder Executivo

O nepotismo no Poder Executivo

Antônio Araldo Dal Pozzo

O Ministério Público tem solicitado ao Poder Executivo Municipal, dentre outros órgãos públicos, a relação das pessoas que ocupam cargos de confiança ou funções gratificadas, para verificar se ocorre o fenômeno chamado "nepotismo".

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Atualizado em 14 de abril de 2008 12:05


O nepotismo no Poder Executivo

Antônio Araldo Dal Pozzo*

O Ministério Público tem solicitado ao Poder Executivo Municipal, dentre outros órgãos públicos, a relação das pessoas que ocupam cargos de confiança ou funções gratificadas, para verificar se ocorre o fenômeno chamado "nepotismo".

A primeira medida de caráter normativo a respeito dessa matéria foi a Resolução nº. 7, de 18 de outubro de 2005, do Conselho Nacional de Justiça. Menos de um mês depois, em 7 de novembro de 2005, o Conselho Nacional do Ministério Público baixou a Resolução nº. 1, sobre o mesmo tema.

Todavia, se compararmos o disposto no art. 2º, 1 da Resolução 7/05 (CNJ) com a norma do art. 1º da Resolução 1/05 (CNMP), já notamos uma sensível diferença entre os conceitos de nepotismo, pois enquanto a primeira estabelece que o âmbito de verificação é determinado Tribunal ou Juízo, a segunda o estende a todo o ramo do Ministério Público.

Mesmo quanto às exceções, divergem as Resoluções, pois se ambas consideram não haver nepotismo quando o nomeado foi admitido por concurso, a da Magistratura exige compatibilidade entre o a qualificação do nomeado e o cargo a exercer; mas a do Ministério Público não.

O que se busca demonstrar é que, mesmo em se considerando duas Instituições - Magistratura e Ministério Público - que apresentam entre si um enorme grau de afinidade e de similitude organizacional na própria Constituição Federal (clique aqui), a mesma Resolução não se revelou adequada para ambas, havendo necessidade de adaptações.

Ora - e esta conclusão nos parece óbvia - se as peculiaridades de cada uma dessas Instituições estão a exigir atos normativos diversos, não se pode, de maneira alguma, pretender aplicar quaisquer delas ao Poder Executivo, que tem características especialíssimas se comparado com a Magistratura e o Ministério Público.

Bastaria, para fundamentar essa conclusão, recordarmos dois aspectos:

(i) enquanto a primeira investidura na Magistratura (salvo o quinto constitucional) e no Ministério Público depende de concurso e, pois, somente do candidato, a investidura no mandato de Prefeito (e de Vereador) depende de voto e o voto depende, necessariamente, de estreitas vinculações políticas e, pois, pessoais;

(ii) o Magistrado e o membro do Ministério Público são vitalícios e, portanto, os que são nomeados por eles tendem a ficar no cargo a vida toda, ao passo que o Executivo se renova periodicamente, bem assim os que por ele são nomeados.

Essas duas circunstâncias bastam, talvez, para explicar o rigor das Resoluções dos Conselhos Nacionais da Magistratura e do Ministério Público - mas aplicar esses mesmos critérios quanto ao Poder Executivo é agir com dois pesos e duas medidas.

A análise mais profunda dessa questão, vista no seu contexto maior das especificidades das estruturas do Poder Nacional está a indicar, claramente, três conclusões:

(i) nenhuma daquelas Resoluções pode ser aplicada ao Poder Executivo (e Legislativo);

(ii) o nepotismo no Poder Executivo (e Legislativo) está a exigir uma lei que defina os casos em que ele se verifica;

(iii) enquanto não houver essa lei, as questões que digam respeito ao nepotismo no Poder Executivo (e Legislativo) deverão ser resolvidas em face dos princípios gerais que norteiam a Administração Pública, insertos no art. 37, caput da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

No que tange à impessoalidade, há que se considerar que o princípio deve ter seu conceito adaptado ao caso especial de nomeação para cargo em comissão.

Realmente:

(a) se o art. 37, II da Constituição Federal prevê a possibilidade de nomeações diretas "para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração" e

(b) se a nomeação é livre por definição constitucional, não cabe falar aqui em impessoalidade quanto ao critério de nomeação, o que seria evidente paradoxo: como agente político poderia nomear livremente e ao mesmo tempo realizar uma nomeação impessoal?

A única nomeação verdadeiramente impessoal é a que decorre do concurso público.

A propósito, há que se trazer à colação outra questão jurídica que aqui se torna relevante: o nosso ordenamento jurídico, de uma forma geral, trata o amigo íntimo e o parente de maneira muito semelhante, seja quanto ao impedimento e a suspeição do juiz (CPC - clique aqui - art. 134, IV e V e art. 135, I, respectivamente); seja quanto às testemunhas, pois quanto a elas também ocorre impedimento (CPC, art. 405, § 2º, I) e suspeição (idem, § 3º. III), ficando ambas isentas de prestar compromisso de dizer a verdade (ibidem, § 4º)1.

Ora, porque, então, o ordenamento jurídico iria tratar de maneira tão diferente o parente e o amigo íntimo, quando se trata de (livre) nomeação para cargo em comissão (isto é, permitindo a nomeação do amigo íntimo e impedindo a do parente)? Ainda mais quando se considera que no âmbito do Poder Executivo a questão da amizade, do sectarismo, do partidarismo tem influência decisiva?

Contudo, haverá violação ao princípio da impessoalidade se, por exemplo, o parente nomeado não preencher os requisitos técnicos exigidos para o ocupante do cargo: torna-se evidente que a nomeação ocorreu apenas e tão-somente pela relação de parentesco. Aqui ocorre o nepotismo.

Também o princípio da moralidade não estará atendido, se houver v.g. abuso no número de nomeações ou se o nomeado se torna "funcionário fantasma", com a ciência do nomeante. A manutenção do "fantasma" deve-se, sem dúvida, à relação de parentesco e também aqui o nepotismo estará configurado.

Deixar permanecer no cargo em comissão o parente que não presta bons serviços caracteriza violação ao princípio da eficiência.

Portanto, adequando os conceitos jurídicos à realidade e às particularidades do Poder Executivo, é perfeitamente possível coibir o nepotismo, sempre que houver violação aos princípios que devem nortear a Administração, extirpando-se assim, da máquina administrativa, um mal que vem assolando as Instituições deste País, mas que deve ser combatido correta e justamente2.

Estas breves considerações estão a indicar, em suma, que o nepotismo em relação ao Poder Executivo (e Legislativo) deve ser examinado com outras lentes que não aquelas que constam das Resoluções mencionadas e que se aplicam apenas às Instituições às quais se referem: se não ficar caracterizada violação àqueles princípios, o simples fato objetivo do parentesco não configura o nepotismo, pois não há lei que proíba expressamente tal contratação e nem ela está vedada pelos princípios gerais de direito.

Seria de todo conveniente que o Ministério Público refletisse sobre essas questões com a seriedade que elas merecem, evitando perigosas generalizações e injustiças, o que certamente ocorrerá com a aplicação direta daquelas Resoluções ao Poder Executivo (e Legislativo), pois foram concebidas para entidades que apresentam contornos muito diversos desse Poder.

___________________

1Os motivos de impedimento e de suspeição se aplicam, dentro de certas circunstâncias, ao órgão do Ministério Público e, ainda, a peritos, serventuários de justiça e ao intérprete (art. 138 do CPC).

2Também tem havido casos equivocados de rotulação de "nepotismo" quando o nomeado torna-se parente posteriormente, especialmente pelo casamento. Nesses casos erige-se, ilegalmente, o exercício de cargo em comissão em impedimento matrimonial...

________________

*Advogado do escritório Dal Pozzo





_______________

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca