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Operações "Built to Suit" e desimobilização do mercado imobiliário brasileiro

A utilização crescente de operações "built to suit" (na qual o investidor constrói um prédio de acordo com as especificações do usuário que utilizará o bem por longo prazo, pagando ao investidor uma remuneração determinada) e de "desimobilização" (através da qual um proprietário vende o imóvel para um investidor, alugando de volta para utilização por longo prazo) integram o fenômeno que podemos denominar como "financialização" (ou "re-financialização") do mercado imobiliário brasileiro, através do qual o setor, após radical segregação imposta por duas décadas de hiperinflação e juros estratosféricos, volta a ter sua lógica de ordenação e de desenvolvimento fundada em premissas ditadas pelo mercado financeiro.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Atualizado em 22 de abril de 2008 14:25


Operações "Built to Suit" e desimobilização do mercado imobiliário brasileiro

Ivan Tauil*

A utilização crescente de operações "built to suit" (na qual o investidor constrói um prédio de acordo com as especificações do usuário que utilizará o bem por longo prazo, pagando ao investidor uma remuneração determinada) e de "desimobilização" (através da qual um proprietário vende o imóvel para um investidor, alugando de volta para utilização por longo prazo) integram o fenômeno que podemos denominar como "financialização" (ou "re-financialização") do mercado imobiliário brasileiro, através do qual o setor, após radical segregação imposta por duas décadas de hiperinflação e juros estratosféricos, volta a ter sua lógica de ordenação e de desenvolvimento fundada em premissas ditadas pelo mercado financeiro. Tais transações são orientadas por motivações de natureza financeira, econômico-comercial e tributária resumidas a seguir:

As razões financeiras estão associadas à atratividade do investimento, já que a rentabilidade das locações comerciais já pode igualar e, no futuro, potencialmente superará com facilidade a taxa real de juros que se projeta para os anos seguistes a 2010, estimada pelos economistas em 3,5% a.a.

As razões econômico-comerciais, dizem respeito às diferentes expectativas de retorno que possuem os investidores em renda fixa e os empreendedores comerciais e industriais. Vale dizer, enquanto o capital aplicado em imóveis espera-se render entre 7% a 9,5% (segundo prazos e riscos associados), os empreendedores esperam que seus negócios industriais os remunere com taxas que variam de 15% até 25%. Desta forma, resta evidente que os recursos do empreendedor (se escassos ou limitados) devam ser prioritariamente aplicados na atividade fim ou no giro do negócio, pois proporciona retornos superiores do que aqueles comumente associados à propriedade imobiliária.

As razões tributárias, por sua vez, são relacionadas ao tratamento distinto que recebem as despesas operacionais (de locação) e os custos de depreciação e amortização (atinentes à propriedade) incorridos pelas pessoas jurídicas tributadas pelo Regime do Lucro Real para fins de IRPJ e CSL. Enquanto as locações são integralmente dedutíveis, a propriedade predial admite apenas dedução das quotas de depreciação das edificações (4,5% ao ano sobre o valor da construção), sendo irrecuperáveis, para fins tributários, os valores investidos na aquisição do respectivo terreno. Para os não iniciados nas "ciências ocultas" da Contabilidade ou nas "letras apagadas" do Direito Tributário, o afirmado acima significa, em outras palavras, que o pagamento de locação de um prédio (composto de terreno e edificação) tem um efeito redutor do valor do IRPJ e CSL a pagar maior do que a simples depreciação permitida pela legislação fiscal exclusivamente para as edificações e em prazo superior àquele do contrato comumente firmado em operações tipo "built to suit" ou desimobilização (através de "leasing back").

Vejamos os números.

Se considerado o exemplo de uma empresa que necessita ocupar um prédio por dez anos, e cujo terreno e construção demandam recursos de capital de R$ 30.000.000,00, se for utilizado um financiamento a taxa de longo prazo na faixa de 8% ao ano, pagando em 120 prestações mensais (prazo médio de 05 anos), a empresa despenderia, ao final de 10 anos, o principal tomado R$ 30.000.000,00 mais o custo do financiamento (0,08 X 05 anos X Capital = 42.000.000) menos a depreciação (4,5% anual) e correspondente dedução admitida pelo Imposto de Renda e CSL para a edificação e para a despesa financeira relativa ao juros do capital mutuado (o qual poderíamos supor como 80% do valor tomado emprestado e aplicado apenas na construção). Nesse caso em que teríamos o seguinte investimento líquido e custo de capital ao final de 10 anos: 30.000.000,00 + 12.000.0000 - (0,045 x 0,8 x 30.000.000,00 x 10 x 0,34) - (0,34 x 12.000.000) = 42.000.000,00 - 3.720,00 - 4.080.000,00 = 34.200.000,00.

Se considerado o mesmo valor predial (com terreno) locado após ser construída (ou adquirido) segundo especificação ou encomenda do usuário, calculada a rentabilidade do proprietário locador em 12% anuais, teríamos então despesas líquidas, acumuladas ao final de 10 anos, equivalentes à soma dos aluguéis pagos, menos o valor da dedução integral da despesa admitida pela legislação tributária, ou seja: 30.000.000,00 X 12% X 10 = 36.000.000 - (36.000.000,00 x 0,34 = 12.240.000,00) = 23.760.000,00. A parcela resultante da diferença de recursos não alocados para obter o uso do imóvel (34.200.000,00 - 23.760.000,00 = 10.440.000,00) fica então liberada para ser aplicada no próprio negócio da empresa.

Se admitida uma taxa de retorno interno para o negócio na ordem de 15% anuais contra a mesma taxa de financiamento de 8% anuais teríamos retornos líquidos oriundos da parcela economizada na ordem de 7% líquidos, os quais poderiam ser re-investidos no próprio negócio, sucessivamente, pelo mesmo período de 10 anos, obtendo-se com isso um retorno marginal equivalente a (10.440.000,00 X (1,07 elevada a décima potência - 1) = 10.440.000,00 x 0,967151 = 10.097.060,00.

Em outras palavras, as utilizações "built to suit", ou oriundas de desimobilização de ativos, liberam capitais para re-investimento no próprio negócio que, em sua forma sucessiva (composta) ao longo do tempo gera possibilidades incríveis de crescimento. Veja que neste exemplo, os ganhos do negócio foram supostamente reduzidos, pois se admitiu que a parcela de diferença foi igualmente tomada no mercado à taxa de 8% anuais. Se, de modo distinto, a diferença (10.440.000,00) estivessem no caixa da empresa para utilização no giro, os ganhos oriundos do re-investimento em 10 anos seriam de 28.857.000,00, e, portanto, idêntico ou superior ao que seria o valor do prédio industrial após 10 anos de utilização, caso não houvesse abrupta valorização imobiliária no local. Aliás, o potencial de valorização dos ativos imobiliários de empresas comerciais ou industriais é (para maioria delas) um fator absolutamente irrelevante. Percebem nas suas instalações apenas o valor de sua utilização como geradora dos resultados operacionais positivos, proporcionados por sua atividade fim ou ramo de negócio específico.

Para concluir, vale lembrar de Sam Walton, o fundador da Wal-Mart (grande usuária de imóveis "built-to-suit" e a ela locados por terceiros), que disse: "Estou no negócio de vendas a varejo, não no negócio de imóveis. Se tiver que construir uma loja ( ...), eu o farei. Mas, em seguida, a venderei".

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*Sócio do escritório Tauil, Chequer & Mello Advogados associada a Thompson & Knight


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