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Reforma Tributária de Tróia

Conta a Ilíada que na chamada Guerra de Tróia, Odisseu, o mais sagaz guerreiro grego e personagem da Odisséia, constrói um grande cavalo de madeira e o deixa à porta da cidade de Tróia. Os troianos interpretaram que se tratava de um presente como sinal de rendição do exército grego. Mas, oco no seu interior, o cavalo abrigava soldados gregos que durante a noite deixaram o artefacto, abriram os portões da cidade e, sem esforço, subjugaram a resistência de Tróia.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Atualizado em 23 de abril de 2008 13:19


Reforma Tributária de Tróia

Eurico Marcos Diniz de Santi*

Conta a Ilíada que na chamada Guerra de Tróia, Odisseu, o mais sagaz guerreiro grego e personagem da Odisséia, constrói um grande cavalo de madeira e o deixa à porta da cidade de Tróia. Os troianos interpretaram que se tratava de um presente como sinal de rendição do exército grego. Mas, oco no seu interior, o cavalo abrigava soldados gregos que durante a noite deixaram o artefacto, abriram os portões da cidade e, sem esforço, subjugaram a resistência de Tróia.

Em guerra fiscal já estamos: troianos somos nós; a muralha é o legislativo que já resistiu à batalha da CPMF; o Governo são os gregos; e a PEC 233/2008, seu presente: uma estrutura abstrata de reforma, fantasiada de "agenda positiva", que direciona e converge seus vazios para legislação ordinária, simbólica, ulterior e incerta. Na proposta do Governo, há quatro problemas e uma virtude: é parcialmente cega, oca, muda e tímida e, justamente por apresentar tantas deficiências, chega a ser comovente e simpática.

É parcialmente cega, pois, propositadamente ignora o foco do problema fiscal, o tamanho do Estado: a carga tributária sobe porque aumenta a despesa pública, mais despesa exige mais receita tributária. É inadmissível discutir tributação e se omitir do debate sobre a reforma administrativa: estabilidade funcional, previdência, reformulação institucional do orçamento, prestação de contas públicas via internet e reorganização funcional dos sistemas de controle, especialmente, os Tribunais de Contas, órgãos politicamente viciados pela interferência do Executivo e do Legislativo que indicam seus altos titulares, sem critérios de mérito senão compromissos de favores, mas que gozam de cargos vitalícios, completamente desvinculados de metas de qualidade e eficiência.

É oca, como o cavalo de tróia, pois a alteração de um sistema tributário pressupõe a proposta completa de outro: a PEC 233/2008 traz apenas o perfil das competências constitucionais. Ficamos no escuro, perplexos, sem saber o desenho de como será este "outro". No caso do IVA federal, por exemplo, seus fatos geradores e alíquotas serão definidos mediante ulterior e incerta lei ordinária, sujeita à aprovação por maioria simples do Congresso Nacional. Conhecemos essa história: todos sonhavam com o PIS/COFINS não-cumulativo, a EC 42 tornou o sonho real e a subseqüente legislação ordinária fez da realidade o pesadelo não esperado: o aumento das alíquotas de 0,65 e 3% para 1,65 e 7,6%. Convenhamos, é "presente de grego".

É muda, pois o governo se omite do dever de apresentar a devida e analítica motivação de cada alteração proposta. Há clara assimetria de informações entre o Governo, que fez a proposta, e a Sociedade de quem se pede apoio político. A PEC veicula, entre novos artigos, incisos, parágrafos e alíneas, cerca de 127 alterações constitucionais, algumas obvias, outras nem tanto: é dever do Governo explicitar e motivar cada alteração. O comunicado E.M nº 16/MF que encaminha a proposta, enviado pelo Ministro da Fazenda ao Presidente da República com sua promessa de "estimular a atividade econômica e a competitividade do País, através da racionalização e simplificação dos tributos, e promover justiça social" é comovente, mas insuficiente para esclarecer os impactos econômicos e justificar os dispositivos legais que pretendem delineá-la. Em seus pronunciamentos, bem intencionados representantes do Planalto desdobram-se em compromissos e promessas que brilham pela ausência dos correspectivos dados econômicos e a legislação ordinária necessária para vislumbrar o derradeiro perfil desta reforma.

Enfim, é tímida, pois pretende colocar o País na onda da economia global, contudo, seus efeitos estão programados para se consolidar em prazos de oito a dez anos: o novo ICMS entra em vigor só oito anos depois do primeiro de janeiro subseqüente à aprovação da PEC; a redução de 20% para 14% da contribuição sobre a folha de salários começará, gradativamente, em 2010 e se consolidará apenas em 2015; a redução do prazo de amortização dos bens de produção, atualmente em 48 meses para recuperar os créditos do ICMS sobre máquinas e equipamentos, iniciará sua redução em 2010 e só desaparecerá em 2016. Medidas positivas, mas uma eternidade para a era Global. Então, por que tanta urgência num ano eleitoral em que a arrecadação, mesmo sem a CPMF, continua batendo recordes?

Resta a simpatia do Projeto da Reforma que vem mobilizando o empresariado no vazio da esperança do que ainda não foi dito. Esperemos: otimismo ainda é a marca da brasilidade; mas tudo indica que é apenas mais um ardil eleitoral, versão hodierna do poema épico de Homero que continua em forma de lenda, mas sem poesia.

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*Professor de Direito Tributário e Financeiro da Direito GV. Professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Advogado do escritório Barros Carvalho Advogados Associados







 









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