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Auditoria jurídica como paradigma entre os cores values da advocacia

Causou calafrios ao escriba migalheiro, no dia primeiro de abril, já passado, a entrevista do Coordenador do Mestrado de Direito da Fundação Getúlio Vargas, senhor Oscar Vilhena (Migalhas nº 1.869 - "Entrevista" - clique aqui), notícia que se reporta a entrevista veiculada na TV Justiça no dia 28 de março, na qual o referido senhor, verbis "traçou o perfil do jurista do futuro e os desafios impostos à Justiça no século XXI" e comentou sobre o Programa de Mestrado de Direito da GV asseverando, "com o processo de globalização, o Direito passou a lidar com variáveis muito mais complexas.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Atualizado em 25 de abril de 2008 08:57


A auditoria jurídica como paradigma dentre os core values da advocacia

Jayme Vita Roso*

- I -

Introdução

1 - Causou calafrios ao escriba migalheiro, no dia primeiro de abril, já passado, a entrevista do Coordenador do Mestrado de Direito da Fundação Getúlio Vargas, senhor Oscar Vilhena, notícia que se reporta a entrevista veiculada na TV Justiça no dia 28 de março, na qual o referido senhor verbis "traçou o perfil do jurista do futuro e os desafios impostos à Justiça no século XXI" e comentou sobre o Programa de Mestrado de Direito da GV asseverando, "com o processo de globalização, o Direito passou a lidar com variáveis muito mais complexas. E o profissional que atua nesse mercado precisa saber analisar essas variáveis para agregar valor não só ao seu cliente, mas também à sociedade."

Oscar Vilhena também reafirmou, durante a entrevista, o importante papel do estudo no aprimoramento das instituições no desenvolvimento de um país: "Cada vez mais compreende- se que o desenvolvimento está atrelado ao fortalecimento de suas instituições. Especialmente as instituições jurídicas. Um país onde respeitam os contratos, onde as regras para investir são as mais claras certamente atrairá mais recursos que outros países".

Lamentavelmente, o escriba não conseguiu ver a entrevista por inteiro ao vivo, mas está à vontade, animo forte esse, de comentá-la à luz do hercúleo esforço que vem fazendo ao longo deste século para que a auditoria jurídica seja também uma atividade exclusiva do advogado.

2 - Os que se dignaram ler um, alguns ou todos os artigos publicados em Migalhas e coligidos no livro Auditoria Jurídica em Migalhas1, acredito que possam avaliar o conteúdo dessa entrevista cujas pompas, decorrentes da sua enunciação, passam a merecer momentos seguros de necessária reflexão.

3 - O escriba, auditor migalheiro, invoca a sensibilidade da maior artista teatral deste país, Cleyde Yáconis, que ainda nos brinda com seu vigoroso e encantador charme na peça O Caminho para Meca, em cartaz na cidade de São Paulo, no mês de abril deste ano da graça. E disse ela, em entrevista, discorrendo sobre seu pensamento e sua visão do mundo contemporâneo que "Vivi um tempo em que se valorizava o dom da vida"2. Continuando, a atriz, ao se reportar ao conhecimento de um bom texto, diz: "Dar vida a personagens é um dom e eu não posso me omitir de exercitá-lo". Arrematando, "temos um compromisso com o mundo que vivemos, o de ousar defender e divulgar as idéias nas quais acreditamos".

Dentro desse microcosmo é que se confrontam dois ideais: um, o do coordenador do Mestrado de Direito da GV; outro, da atriz consagrada nos palcos e engajada no mundo ideal. Do primeiro, o do homem do mercado, para o qual se aprimoram as instituições de um país, sobretudo as jurídicas, quando se respeitam os contratos e se garantem os investidores.

Pobre mundo é este e com o qual o escriba migalheiro vem se confrontando na ingente tarefa que se auto-aplicou de ser o pai putativo da auditoria jurídica.

4 - O mundo preconizado pela GV, pois seu coordenador de Mestrado falou pela instituição, é um mundo em que impera a secularização. Tirante, mas não de todo, este conceito da órbita religiosa, ele hoje é um fato. É por ele que se está diluindo uma predominância hedonística e está promovendo a mentalidade consumista, com a intenção evidente direcionada à superficialidade e ao egocentrismo que deteriora os sentimentos da vida não voltada ao uso e gozo dos bens materiais. É esse sentimento de secularização que está induzindo o mundo e toda uma geração, para não dizer a humanidade, a abdicar da transcendência, na qual os core values estão ausentes da vida diária em favor de um ganho, pretensamente voltado com exclusividade à subsistência.

- II -

Há necessidade de um novo paradigma?

5 - A auditoria jurídica, ao contrário da ideologia da coordenação do mestrado de Direito da GV, cria um profissional que não está preocupado com o mercado, porque sabe que nele vai atuar quando contratado, com toda confiança, pois está preparado para exercer e desempenhar a tarefa que lhe foi confiada. Ele não está preso a variáveis do mercado para agregar valor ao seu cliente, ou à sociedade. Sua tarefa é muito maior. Ele não precisa de chavões importados para estar ciente, e mais do que consciente, de que lhe cabe "defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas" - artigo 44 I do Estatuto da OAB - (clique aqui). E, mais ainda, ele sabe que é ínsita, ao exercício da advocacia, "conduta compatível com os preceitos desse Código (de ética) do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral individual, social e profissional" (artigo 1º do Código de Ética e Disciplina). Por isso ele é um profissional. O auditor jurídico é um profissional bem treinado. Ele é intelectualmente melhor preparado.

6 - O que o auditor jurídico não faz é oferecer serviços, como vários advogados o fazem, que ultrapassem os cometimentos e as funções que lhes dá a prerrogativa monopolística do exercício da profissão, quando regulamente inscritos na OAB. Esses não são advogados.

Que são eles?

Exercem eles uma profissão ou um negócio? Qual é a diferença?

Quando se vê a ocorrência, até reiterada, de escritórios de advocacia praticarem dentro do mesmo edifício, ou quase dentro da mesma sala, atividades diversas, que se poderiam dizer multidisciplinares, ou quando advogados despudoradamente aceitam trabalhar como sócios de escritórios de auditoria fiscal ou financeira, para encobrir a prestação de serviços de advocacia, já saímos da profissão: entramos na mercantilização3.

7 - E voltando ao tema, será necessário um novo paradigma para o advogado?

A partir do instante em que a advocacia passe a ser vivida como profissão, ainda que dentro do regime associativo (artigos 15/17 do Estatuto), com a instituição da auditoria jurídica, seja através da aprovação do projeto de lei em tramitação ou de seu substitutivo4, ou mesmo com a edição de Provimento pelo Egrégio Conselho Federal da OAB, será criado um novo paradigma porque, pela sua própria definição, esse novo mister amplia as atividades do exercício profissional, gerando um tipo diferenciado com funções, características e próprias. Ele deve ser independente em todo o seu exercício em plenitude, levando em conta, primordialmente, que o profissional tem obrigações e deveres indeclináveis, intransferíveis e inalienáveis, com a administração da Justiça, com o estado democrático de direito, com a cidadania, com a moralidade pública, com a Justiça e com a paz social, pois embora seja um exercício de ministério privado, dela sobressai a função pública em sua prática.

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1 ROSO, Jayme Vita. Auditoria jurídica em Migalhas: os caminhos da institucionalização. Belo Horizonte: Armazém de Idéias, 2007. 148 p.

2 NÉSPOLI, Beth. Entrevista: Vivi um tempo em que se valorizava o dom da vida. O Estado de São Paulo, São Paulo, 4 de abril 2008. Caderno 2, D5.

3 Intransigentemente, a Seccional de São Paulo da Ordem dos Advogadosdo Brasil tem velado pela dignidade da profissão, fazendo cumprir com vigor os preceitos e os deveres do advogado previstos no Código de Ética e no Estatuto, não deixando de levar em conta, sempre quando ocorre, qualquer infração disciplinar e aplicando as sanções mensuradas segundo os parâmetros dos artigos 35/43 do Estatuto.

4 Projeto de Lei nº. 6.854, de 2006. Altera o artigo 10 da Lei nº. 8.906, de 4 de julho de 1994. Autor: Deputado Raul Jungmann. Relator: Deputado Marcelo Ortiz.

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*Advogado







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