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A (in)eficácia da lei dos planos de saúde

Marcos Braid

A lei 9656, de 3.6.1998, chamada "lei dos planos de saúde", veio regulamentar o setor de saúde suplementar e disciplinar o contrato entre as operadoras e os usuários, bem como criar mecanismos e requisitos indispensáveis ao funcionamento das empresas, abrangendo desde a sua constituição até a própria relação firmada com os prestadores diretos dos serviços, como hospitais, clínicas e laboratórios.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Atualizado em 23 de julho de 2008 15:12


A (in)eficácia da lei dos planos de saúde

Marcos Braid*

A Lei 9.656, de 3.6.1998, chamada "Lei dos planos de saúde" (clique aqui), veio regulamentar o setor de saúde suplementar e disciplinar o contrato entre as operadoras e os usuários, bem como criar mecanismos e requisitos indispensáveis ao funcionamento das empresas, abrangendo desde a sua constituição até a própria relação firmada com os prestadores diretos dos serviços, como hospitais, clínicas e laboratórios.

A legislação traz exigências mínimas a serem obedecidas pelas prestadoras, rol de procedimentos a serem cobertos pelo contrato, prazos de carência, forma e modo de rescisão contratual, critérios de reajuste, enfim, elenca normas, regras e condições gerais dos contratos de seguro e planos privados de assistência à saúde.

Qualquer contrato a ser comercializado, obrigatoriamente, passa pelo crivo da Agência Nacional de Saúde, órgão regulador e fiscalizador do Estado, para só então atingir os consumidores em geral. A inobservância de qualquer dispositivo de lei gera, por conseguinte, a instauração de processos administrativos no âmbito da ANS e a aplicação de multas elevadíssimas.

A pergunta é seguinte: a lei está sendo aplicada e respeitada? As operadoras e usuários estão conscientes dos seus direitos e obrigações? O Estado vem atuando como aplicador do direito e defensor da segurança jurídica?

Nesses dez primeiros anos da lei de planos de saúde temos muito a comemorar e a refletir.

As operadoras e seguradoras estão conscientes das normas que regulamentam o setor e, cada vez mais, prestam uma assistência médica de qualidade aos seus usuários. A Agência Nacional de Saúde, por sua vez, exerce um papel fiscalizador exemplar no combate às empresas que buscam lesar o consumidor, sendo comum os casos de intervenção e liquidação extrajudicial.

De outro lado, não raras vezes vemos o Poder Estatal intervindo nos contratos, mesmo naqueles que estão de acordo com a lei, e obrigando as empresas a assumir riscos que não estavam previstos no negócio jurídico ou ainda cobrir eventos expressamente excluídos.

Há que se ter em mente que, nos termos do artigo 196 da Constituição Federal  (clique aqui), a saúde é direito de todos e dever do Estado. À iniciativa privada compete complementar essa atividade diante da própria inoperância e ineficiência do setor público, e não substituir por completo a atuação estatal. Atualmente, o que se vê é uma tentativa desenfreada de transferir ao setor privado responsabilidades que nem sempre são garantidas e cobradas do próprio Estado.

A lei existe para ser cumprida. Não é possível que a legislação obrigue as operadoras a cobrir transplante de córnea e rim e o Estado, no exercício da função jurisdicional, revise o contrato e determine a cobertura de transplante de fígado, como ocorreu em um caso concreto. E nem se diga que o Código de Defesa do Consumidor (clique aqui) ampara atos desse jaez. Primeiro porque a sua aplicação é subsidiária em face da especialidade da Lei 9.656/98 e segundo, que a própria lei consumerista prevê expressamente a possibilidade de existência das cláusulas limitativas de direitos.

Não é admissível que em razão das deficiências do sistema público de saúde se pretenda transferir à iniciativa privada a responsabilidade de arcar com todos os tipos e espécies de tratamentos médicos e hospitalares que a população necessite, de forma incondicionada. A obrigação das empresas de planos de saúde é limitada pela lei e pelos contratos, não sendo lícito que, por motivos piedosos, venham a ser obrigadas a arcar com despesas médicas expressamente excluídas pelo contrato e sequer previstas pela lei que regulamenta o setor.

A empresa não pode ser vista como a grande vilã e inimiga do consumidor e do Estado. Ela presta um serviço de relevância pública, substituindo de forma suplementar a atuação estatal, gera milhões de empregos e oportunidades de trabalho, direta e indiretamente, paga impostos e é responsável pela circulação de capital dentro do próprio Estado. O que se busca, e é necessário em um Estado Democrático de Direito, é a segurança jurídica nas relações negociais. Não pode ser tolerado que um contrato perfeito, acabado e de acordo com as clausulas gerais do setor, venha a ser revisado irrestritamente em beneficio de um individuo e em prejuízo a toda uma coletividade de usuários.

Nesses dez anos de vigência da lei é preciso que tenhamos consciência do verdadeiro papel do setor privado na saúde suplementar e, mais do que isso, que as normas ali insertas sejam respeitadas, pois, do contrário, o caos e a insegurança jurídica reinarão e o setor estará fadado ao declínio, restando aos usuários unicamente clamarem por assistência médica junto ao poder público através Sistema Único de Saúde.

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*Advogado, sócio do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados









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