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Desconstruindo idéias e juízos sobre a auditoria jurídica

Parecem-me resultar de uma fantástica escassez de imaginação algumas idéias, que estão sendo espalhadas no seio da nobre Classe, sobre o conceito de auditoria jurídica, sua finalidade, as razões de não ser necessária a sua regulamentação e, até, se o direito que ampara a due diligence, na prática, trata-se da própria auditoria jurídica.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Atualizado em 14 de outubro de 2020 10:26

 


Desconstruindo idéias e juízos sobre a auditoria jurídica

 

Jayme Vita Roso*

- I -

Para entender e discutir as idéias do escriba sobre auditoria jurídica1

 

 

1 - Parecem-me resultar de uma fantástica escassez de imaginação algumas idéias, que estão sendo espalhadas no seio da nobre Classe, sobre o conceito de auditoria jurídica, sua finalidade, as razões de não ser necessária a sua regulamentação e, até, se o direito que ampara a due diligence, na prática, trata-se da própria auditoria jurídica.

 

2 - Descabe, no presente texto, fazer uma análise extensiva dos argumentos utilizados pelos oponentes da auditoria jurídica, tal e qual foi proposta e é defendida, pelo escriba, desde 2001.

 

3 - Dúvida inexiste de que os comentários adversos à auditoria jurídica, provavelmente, advêm da visão míope da autêntica advocacia ética. Percebe-se que a ideologia desses arautos não compreende a transitoriedade de suas objeções mal costuradas e o espaço de verificação factual da sua proposta, quando se coloca a situação na prática. Está parecendo ao escriba que os contestantes (em lugar de objetores) querem impressionar, com suas críticas e atitudes adversas, apenas os adeptos da ilusão criativa de uma advocacia que já está superada.

 

E, quando pessoas ditas pragmáticas, mas bem sucedidas nas suas contas bancárias, passam a forçar seus diálogos, apelando para a ideologia mercantilista, paira ignorância científica sobre o assunto. Nada têm de demonstrações científicas, como no dizer de Simonsen, (Brasil 2001) que, criticando, lembra ser a decantada idéia da originalidade brasileira, em parte, truísmo e, em parte, sandice.

 

As críticas à auditoria jurídica, até esta data, resumem-se a posicionar-se pela manutenção do estado da arte de que a profissão deve continuar se concentrando em poucos luminares (assim autodenominados) e não ser um braço forte do regime democrático participativo como, também, ser estendida a sua prática digna a todos os que se comprometerem, profissional e eticamente, com a atividade.

 

Esta introdução tornou-se necessária, porque há uma repetição, em certos escalões da advocacia, ressoando em alguns órgãos da Classe, as mesmas críticas infundadas.

 

- II -

 

A distinção entre a auditoria jurídica e a due diligence

 

4 - Sobre a due diligence, é possível encontrar copiosa literatura, originária dos países anglo-saxônicos, na sua maior parte.

 

4.1 - Dom Quixote instruía seu escudeiro Sancho Panza como deveria ele agir e propunha-lhe que "La diligencia es madre de la buena ventura". Assim se começa a dedução conceitual.

 

4.2 - Mas, ser diligente significa ter entendido o significado da palavra diligência? Por que refletir sobre seu(s) significado(s)? Qual a probabilidade de, caracterizado o emprego da palavra na locução due diligence pelo mundo jurídico, ter sido alçada à condição de regra ou cânone editado pelo Estado?

 

Dúvidas há, quando se questiona, quando se pára e reflete, quando há interesse em saber o que se faz, para o desempenho ser a contento de quem, com probidade, tenta dar a outrem o melhor das suas luzes e do que acumulou ao longo da vida. Estamos diante de um fato: a doação irrestrita. Ela faz do doador um ser distinto dos demais seres humanos, tendo seu efeito nesta época em que se precifica até o sentimento mais puro que é o amor.

 

4.3 - Novamente, como no trabalho anterior em que se focalizou a palavra precaução, neste, por questão metodológica, se adotará o mesmo método investigativo da palavra que, desta vez, é diligência. Doravante, os abnegados leitores encontrarão um quase levantamento tópico da palavra diligência, mostrando-se importante conhecer como surgiu, em passado milenar, e como se torna de valia compará-la com o seu emprego em outras línguas, conotando-se a tendência irreversível de ser empregada com o mesmo sentido e com poucas alternâncias entre eles.

 

Das onze obras consultadas e adiante focalizadas, ressalta bem a inflexão que dá à palavra diligência a língua italiana. Sobre esta inflexão, haverá destaque após a reprodução dos textos, como seguem:

 

DILIGÊNCIA = Do latim diligentia, amor, zelo, atenção pressurosa. Houve uma carruagem que tinha este nome; a princípio dizia-se carruagem de diligência, isto é, rápida, encurtando-se depois a locução.

NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1955. p. 159.

 

DILIGÊNCIA = substantivo feminino. 1. interesse ou cuidado aplicado na execução de uma tarefa; zelo. Ex.: mostra grande d. em tudo que faz. 2. urgência ou presteza em fazer alguma coisa. Ex.: acudiu com d. ao pedido de socorro. 3. medida necessária para alcançar um fim; providência. Ex.: mandou tomar as d. que a situação exigia. 4. busca minuciosa; pesquisa, averiguação, investigação. Ex.: d. policial. 5. Rubrica: termo jurídico, fato judicial que os funcionários da justiça executam fora dos respectivos cartórios ou auditórios. 6. Rubrica: termo militar, serviço urgente e extraordinário executado fora do quartel. 7. Rubrica: termo militar, corpo de tropa encarregado desse serviço.

Sinônimos/Variantes: ver sinonímia de ação, exame, providência e tentativa e antonímia de desleixo e indiferença.

Antônimos: apatia, ronçaria; ver tb. antonímia de ação e sinonímia de desleixo e indiferença.

Etimologia: lat. diligentìa, ae 'cuidado, empenho, zelo, exatidão', der. de dilìgens, éntis; ver leg-; f.hist. sXIII diligença, 1344 deligencia, sXIV diligençia, sXV delligencia, 1572 diligencia.

Datação: A. G. Cunha. Índice do Vocabulário do Português Medieval. Fundação Casa de Rui Barbosa. Vol. 1 [A] Rio de Janeiro, 1986. - Vol. 2 [B-C] 1988. - Vol. 3 [D] 1994 -- suplemento [A-C] (in Confluência Revista do Instituto de Língua Portuguesa e do Liceu Literário Português, nº. 3, separata, Rio de Janeiro, 1992) [No fichário (FichIVPM), arquivado na Fundação Casa de Rui Barbosa, estão incluídas cerca de 170.000 fichas datilografadas com a transcrição das passagens que documentam os vocábulos medievais, incluídos naturalmente os que se iniciam pelas letras E, F, G ... V, X, Z]

HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 1.0. São Paulo: Objetiva, 2001. 1 CD

 

DILIGÊNCIA = s.f. A aplicação, cuidado que se põe em conseguir alguma coisa. § Pressa. Sagramor, 1.c.41 "por diligência".

SILVA, Antônio Moraes. Dicionário de língua portuguesa: fac-símile da segunda edição (1813). v.1. Edição comemorativa. Rio de Janeiro: Litho-typographia Fluminense, 1922. p. 618.

 

 

DILIGÊNCIA = s.f. interesse ou cuidado ativo, urgência em fazer alguma coisa, zelo: Requereu sua fazenda, e não falta quem afirme que todavia lhe valeu a diligência para não ficar perdendo tudo (Fr. L. de Sousa). Acudia com diligência a toda a parte (R. da Silva) || Fazer diligência, trabalhar, esforçar-se, empregar os meios, procurar: Diligência fizemos por alcançar os nomes das pessoas de mais conta que nesse feito se achavam (Fr. L. de Sousa). Mandou fazer com o tempo grandes diligências para que descesse do Entre Douro e Minho e da Beira tudo o que se achasse de centeio e milho (Idem.). || Buscas, pesquisas, averiguações, atos tendentes a esclarecer qualquer assunto: Têm sido acertadas as diligências da autoridade para o descobrimento dos criminosos. || (Jur.) Ato judicial que aos empregados de justiça incumbe praticar fora dos respectivos tribunais ou cartórios: As diligências de penhora, de citação, de vistoria. || Oficial de diligências, empregado menor dos tribunais judiciais ou administrativos, a quem incumbe a execução das diligências ordinárias, como citações, conduções de presos, etc. (...) || F. lat. diligentìa.

AULETE, Caldas. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. v.2. 2ª ed. bras. Rio de Janeiro: Delta, 1964. p. 1234.

 

DILIGENCIA = s/f 1. Cualidad de diligente. 2. Acto realizado con el fin de resolver determinado asunto o negocio: Fuimos a hacer unas diligencias para la compra del piso. 3. DER Actuación del secretario judicial en un procedimiento civil o criminal. 4. Toda nota que se pone en un documento oficial para hacer constar en él determinado trámite. (...).

SIN 1. Esmero, celeridad, prontitud, cuidado. 2. Trámite, paso. 3. Actuación. (...).

ANT 1. Negligencia, descuido, inactividad, retardo.

SÁNCHEZ PÉREZ, Aquilino (dir.). Gran diccionario de la lengua española. 5ª ed. Madrid: Sociedad General Española de Librería, 1992. p. 676.

 

1 DILIGENCE = n.f. e s. ; empr. au lat. diligentia < soin attention >, de diligens, diligentis à diligent >

1. Vx Soin attentif, appliqué. « ces grappes de raisin qu'on trouve encore après la vendange et qui ont échappé à la diligence du vendangeur » (Massillon, Petit Carême, < Le petit nombre dês élus >). <1804, Code civil> Dr. À la diligence d'un tel: sur la demande, sur l'initiative, à la requête d'un tel.

2. Vx ou littér. Activité empressée, dans l'exécution d'une chose. à célérité, empressement, zele. Faire preuve, faire montre d'une grande diligence. «En effet, quelle diligence! en neuf heures l'ouvrage est accompli [...]» (Bossuet, Oraison funèbre de Henriette Anne d'Angleterre). - e s.B. des Périers> LOC. FAIRE DILIGENCE: se hâter. «Adraste avait fait une incroyable diligence pour faire le tour d'une montagne presque inacessible» Fénelon, Télémaque). - Vx En diligence: vite. - (...).

CONTR. Distraction, fainéantisme, négligence. Lenteur.

REY, Alain (dir.). Dictionnaire culturel en langue française. t. 2. Paris: Le Robert, 2005. p. 73.

 

DILIGENCE = 1. A continual effort to accomplish something. 2. Care; caution; the attention and care required from a person in a given situation. The Roman-law equivalent is diligentia. See DILIGENTIA.

GARNER, Bryan A. (ed.). Black's law dictionary. 7th ed. - St. Paul, Minn.: West Group, 1999. p. 468.

DILIGENCE = n s- [MF, care, persevering application, haste, fr. L diligentia care, persevering application, fr. diligent-, diligens + -ia -i] 1. a obs : caution or care b: persevering application: devoted and painstaking application to accomplish an undertaking: ASSIDUITY c obs: an act of labor or exertion d obs: speed or haste e obs: persistent effort to please. 2. a Scot law (1): a process or warrant of the court to attach the person or property of a defendant to secure a judgment (2): a process or warrant to enforce the appearance in court of a party or witness or to compel the production of a document (3): the process of execution to enforce a judgment already entered b: the attention and care required of a person (as of a party to a contract) <~ that may be required of a bailee> - opposed to negligence.

WEBSTER, Noah. Webster's third new international dictionary of the English language unabridged: and with seven language dictionary. v. 1. Chicago: Encyclopædia Britannica, 1966. p. 633.

 

DILIGENCE = n. [L diligentia, carefulness, diligence, from diligo, to love earnestly--di for dis, intens., and lego, to choose.] Steady application in business of any kind; constant effort to accomplish what is undertaken; due attention; industry; assiduity; care; heed; heedfulness; Scots law, a kind of warrant, and also a process by which persons or effects are attached. --diligent, a. [L. diligens, diligentis] Steady in application to business; constant in effort to accomplish what is undertaken; assiduous; attentive; industrious; not idle or negligent: of persons or things. --diligently, adv. In a diligent manner.

THATCHER, Virginia S. (ed.); MCQUEEN, Alexander (advs. ed.). The new Webster encyclopedic dictionary of the English language. v. 1. New York: Grolier, 1968. p. 242.

 

DILÌGERE = v. tr. 'avere particolarmente caro, prediligere' (fine séc. XIV, S. Agostino volgar.). dilétto2 agg. 'che è caro, amato' (deletto: av. 1294, Guittone; diletto: 1304-08, Dante), dilezióne, s.f. 'afetto per una persona' (dilectione: séc. XI, Formula di confessione umbra: Cast. Ant. t. 91; dilezione: 1268, Andréa da Grosseto, in volgarizzamenti del Due e Trecento, a cura di C. Segre, UTET, Torino, 1953, p. 322), diligente, agg. 'che agisce od opera con cura assídua e scrupolosa' (av. 1292, B. Giamboni), 'che è fatto con scrupolosa attenzione e accuratezza' (av. 1292, B. Giamboni), farsi parte diligente 'tutelare un próprio diritto' (1927, Panz. Diz., s.v. diligente), diligenza1, s.f. 'qualità de diligente' (av. 1292, B. Giamboni).

Vc. dotte, lat. diligere (comp. di dis-1 e legere 'scegliere', in opposizione a glegere), col part. pass. dilectu(m) e il der. tardo di questo dilectione(m) (vc. del lat. crist.: Zürcher 117), il part. pr. diligente(m) e il der. di questo diligentia(m).

CORTELAZZO, Mario; ZOLLI, Paolo. Il nuovo etimologico: Deli, dizionario etimologico della lingua italiana. 2a ed. - Bologna: Zanichelli, 1999. p. 465.

 

DILIGENZA = nel diritto civile, complesso delle cure e delle cautele che il debitore deve impiegare per soddisfare la propria obbligazione. Si tratta di un concetto elastico, destinato a garantire l'adeguato impiego delle energie e dei mezzi utili alla realizzazione di un determinato fine, che nel codice civile ha rilievo nell'art. 1176, in base al quale nell'adempiere l'obbligazione il debitore deve usare la diligenza del à buon padre di famiglia. (...) È infine da segnalare che nella tipizzazione giurisprudenziale del concetto di normale diligenza in relazione ai diversi rapporti ha perso importanza la tradizione distinzione in gradi (corrispondente alla graduazione della colpa in lievissima, lieve, media, grave e gravissima) e si è andato invece profilando un criterio di <> maggiormente articolato a seconda del diverso tipo di prestazione.

Alla diligenza « normale » o « ordinaria » fanno riferimento, con significato identico a quello dell'art. 1176, altre norme del codice civile, da quella che pone a carico del danneggiato l'onere di limitare le conseguenze dannose del comportamento illecito altrui (art. 1227 c. II cod. civ.), a quella che prescrive ai contraenti di adoperare una ragionevole attenzione per riconoscere l'errore nel contratto (art. 1341 cod. civ.), e ancora tutta una serie di disposizioni dettate in riferimento a signoli contratti o a determinati soggeti (l'art. 382 con riguardo al tutore; l'art. 703 con riguardo all'esecutore testamentario ; gli art. 2392 e 2407 rispetto agli amministratori e sindaci delle società per azioni).

Enciclopedia Garzanti del diritto. Ristampa - Milano: Garzanti, 1999. p. 443-444.

 

4.4 - Estamos cuidando da palavra diligência. Como o âmbito deste trabalho é técnico, deve obedecer os cânones usuais da linguagem jurídica que, pela própria essência da sua historicidade, se apresenta no mundo das idéias com particularidades bem próprias.

 

Escolheu-se, dentre as várias obras que existem à disposição dos estudiosos, uma que o escriba entende ser, a seu único juízo, a que tem melhores propriedades didáticas, embora escrita há quase sete décadas. Seu autor é o renomado jurista argentino Rafael Bielsa2, mais conhecido dos antigos advogados por sua clássica obra sobre Direito Administrativo.

 

O saudoso jurista platino ensinou :

 

a) sendo a língua espanhola (como o é a portuguesa) de origem romana e, como os romanos estabeleceram seu idioma como língua oficial dos povos que dominaram, na prática, estenderam-na aos povos dominados como algo necessário;

b) "o povo romano sentia-se orgulhoso de seu idioma e chegou a confundir esse orgulho com o da soberania, grandeza e força da Nação";

c) "o idioma, como exteriorização de idéias e de sentimentos, deve ter decoro";

d) "se bem que o linguajar jurídico possa considerar-se como vulgar (técnico e literário) o certo é que o povo necessariamente deve conhecê-lo, uma vez que expressa a norma jurídica, pois aplica um princípio geral que obriga: ninguém pode ignorar a lei";

e) enquanto "o direito é ciência social", forçoso admitir-se que "a linguagem jurídica é mais clássica que romântica, posto que sujeita às regras de sua natureza";

f) o mesmo Bielsa, também cerca de sete décadas atrás, referindo-se a outro trabalho que publicara, com largo descortino, já preconizava o pluridisciplinamento a quem é dirigido, ou seja, o livro destinava-se a estudantes de direito, de economia e de ciências políticas, porém, alertava que seu escrito não tinha pretensão de ser um compêndio gramatical sequer filológico, mas tendia a aguçar os estudiosos a "questionar o significado ou a acepção própria de uma palavra em seu sentido jurídico, seja em razão de sua etimologia, seja de sua acepção convencional, porém, devendo ser necessariamente lógica" e

g) quase que prevendo a multiplicação de leis, Bielsa anotou que "a ambigüidade ou obscuridade dos textos jurídicos é a causa de errôneas interpretações e por isso se dando também soluções injustas ou arbitrárias".

 

Pena que, passados tantos anos, as faculdades não recorram a textos tão lúcidos quanto este em comento de autoria de Rafael Bielsa. É dele mesmo este pensamento imortal, antevendo a crise no ensino jurídico: "ainda que parecesse insólito, o advogado e o funcionário que só lêem os textos legais e não vêem mais que as tarefas diárias terminam por aceitar como de uso correto, aquilo que é incorreto".

 

4.5 - Tendo em conta, mais ainda, tendo em boa conta quão sábia foi a idéia de inserir em Migalhas a seção cognominada Gramatigalhas, para suprir lacunas e afastar dúvidas do que é correto dizer-se ou escrever-se na linguagem jurídica, a certeza de que o advogado deve estar preparado para expressar-se, comunicar-se, por escrito ou verbalmente de forma correta, sem rebuscados desnecessários e, como não poderia deixar de ser, revolvendo o pensamento de Bielsa em que advertia: "o advogado deve respeitar o idioma; e, se jurista, deve estimar o castiço no idioma. Outra coisa é o estilo pois esse é questão de mentalidade, temperamento, formação, sentido estético".

 

5 - A origem da expressão due diligence encontra-se em estudos históricos como derivada do contexto das operações de natureza mercantil, como prevista no Securities Act de 1933, no seu parágrafo 11 (b)(3).

 

5.1 - A previsão da necessidade da due diligence, como provisionada naquele texto do Securities Act, é derivada da necessidade de razoável investigação antes de ser confeccionado o prospecto. A respeito do prospecto, confiram-se os artigos 83 e 84 da Lei Brasileira nº 6404, de 15/12/1976.

 

5.2 - No sentido restrito, os negócios mercantis não são feitos sem o percurso de estágios preliminares (negociações); particularizando, são os que envolvem, também, ou podem envolver quaisquer negócios com empresas localizadas em outra jurisdição. E qualquer aquisição de ativos ou de controle, no contexto mercantil, exige análise dos riscos financeiros e a confecção de questionamentos específicos pré-contratuais, cuja necessidade é indiscutível antes de qualquer comprometimento definitivo.

 

6 - Quais os negócios nos quais a due diligence é utilizada por consenso dos interessados? Embora se possa tentar o esboço de uma lista de possíveis negócios não realizáveis sem o procedimento prévio da due diligence, esta nunca será exaustiva, mormente porque a velocidade com que se criam atividades, sobretudo no campo tecnológico e, mais, biotecnológico, é muito mais com o surgimento da nanociência e em a nanotecnologia a expansão está em permanente ascendência.

 

6.1 - A due diligence está sendo aplicada a negócios relacionados à compra e venda em geral de empresas (porta fechada) ou de ativos, assim como de negócios financeiros sofisticados.

 

São significativos os negócios que envolvam bloco de ações de companhias listadas em bolsa; compra de empresas por empregados normalmente de nível gerencial ou de alta administração; aquisições de empresas privadas; compra de operações ou negócios em andamento regular ou que foram cessados transitoriamente; joint ventures; investimentos em capital de risco; em sofisticados empréstimos bancários de valores relevantes, os quais, para serem concebidos, aos tomadores não lhes bastam diligências habituais no interior das instituições financeiras através dos seus comitês de análise de risco; privatizações; empréstimos a grupos de empresas que participam ou pretendem participar em negócios que exijam atividade comum e que, para que sejam concluídos, normalmente, são negócios que têm interesse social.

 

7 - Como analisado em artigo anterior, as operações conhecidas como subprimes deixaram de lado as cautelas habituais como negligenciaram as recomendações do Basiléia II. Utilizam, por isso, os administradores, a due diligence focalizada no risco dos negócios em trâmite, que procuram evitá-lo ou, no máximo, minimizá-lo. É claro o intuito de terem os administradores melhor ferramenta de conhecimento para avaliarem os limites do risco que pretendem assumir, como conhecer em todos os pormenores a empresa com a qual negociam.

 

Tentando ou procurando ou buscando saber e conhecer o negócio em todos os detalhes e testando quão válidas são as estratégias, bem como a posição financeira comercial e técnica do ramo de atividades da empresa negociada, os pretendentes só conseguirão essas informações quando os que promoveram a due diligence lhes apresentar o relatório que liste, detalhe, pormenorize e circunscreva todos os possíveis dados que poderão levar, ou não, o negócio a ser concluído. Sobretudo o relatório final deverá focalizar os objetivos e os riscos que possam sugerir, aos interessados, que fechem o negócio ou solicitem mais informações ou se desinteressem por ele.

 

8 - Em contraposição à estática e à finalística da due diligence, mostra-se a auditoria jurídica dinâmica, porque ela rege a mecânica que propicia aos administradores a oportunidade de ter em mãos as informações circunscritas dos limites do negócio que desempenham.

 

A auditoria jurídica pode invadir todas as atividades da empresa sem criar embaraços ou constrangimentos ou conflitos, desde que se crie um ambiente para ela atuar com harmonia. Se tomarmos, por exemplo, o organograma de uma empresa que tenha 800 empregados, a contratação da auditoria jurídica poderá ter em conta as relações trabalhistas; tanto o departamento fiscal quanto o tributário; o mercadológico; o da propriedade industrial; o da produção; o de compras e suprimentos; o contábil; o jurídico para revisão e sugestão de normas e procedimentos adotados por advogados internos ou terceirizados, levando em conta os trabalhos em curso, inclusive os processos administrativos ou judiciais; o ambiental; o de relações públicas e/ou humanas e tantos mais quantos fizerem parte das necessidades que a empresa contratante do auditor jurídico julgar conveniente.

 

Este trabalho poderá ser momentâneo, mas a sua abordagem será holística, dependendo, porém, das atividades da empresa e dela se interessar pela auditoria jurídica com a mesma ênfase que o faz com a auditoria externa (fiscal ou contábil).

 

Tanto uma, quanto outra, não necessitarão do auditor desempenho em tempo integral, mas, após estabelecidos os padrões de controle e tabulados os limites de cada departamento através de procedimentos de verificação, esses trabalhos podem oscilar, sendo semanais, quinzenais ou mensais. Tudo depende da vontade e da decisão dos administradores e que leve em conta a atividade principal da empresa. Melhor esclarecendo, se se tomar em conta uma fábrica de produtos químicos, que ponha ou possa por em risco o meio ambiente, seria insensato abdicar de controles rígidos sugeridos pelo auditor jurídico, que os estabeleceu após reuniões conjuntas com os empregados incumbidos das atividades ditas perigosas ou insalubres. Desse trabalho conjunto sairiam as normas e as regras de controle, para conferir os graus de risco e as medidas cautelares que permanentemente devem ser tomadas.

 

-III-

 

Opinião jurídica ou parecer jurídico

 

9 - Neste tópico, será abordado o tema que envolve o parecer jurídico e seus pontos de contatos com a auditoria jurídica, no que concerne ao parecer do auditor. Logo no preâmbulo, é preciso advertir que há um certo paralelismo entre a opinião jurídica e o parecer do auditor jurídico. Ambos são proferidos no encerramento de cada trabalho; ambos devem ser precedidos de contratação escrita, prevendo o objeto do trabalho a ser desenvolvido pelo advogado; ambas incumbências, próprias e exclusivas de advogados, podem ser, também, completadas ou apoiadas por profissionais de áreas diferentes da jurídica, mostrando a possibilidade da intervenção multidisciplinar para que o advogado redija e submeta o parecer ao cliente.

 

10 - A questão dos pareceres jurídicos foi, durante muitos anos, debatida pela American Bar Association (ABA). A importância desse trabalho nunca foi negligenciada pela entidade da nobre Classe dos advogados norte-americanos. A preocupação perdurou, por longo tempo, em face das diversas opiniões que foram sendo coligidas, até que houvesse uma espécie de consenso para a formulação de princípios. Esses princípios foram consolidados, levando em conta a section 152 do Restatement (third) of The Law Governing Lawyers.

 

10.1 - Os restatements são um dos diversos tratados que descrevem o direito aplicável numa determinada área e direcionam seu desenvolvimento. Normalmente, são publicados pelo American Law Institute (ALI) ali dentre os diversos que foram levados a conhecimento dos interessados, existindo um que sinaliza a atividade dos profissionais conhecido como Law Governing Lawyers3.

 

10.2 - A partir de 1991, foram adotados diversos princípios referentes à opinião de uma terceira parte, envolvendo assuntos legais, inclusive.

 

11 - Como muitos desses princípios não teriam o menor interesse para os advogados brasileiros e, sobretudo, para os migalheiros e, mais ainda, para os jovens advogados, a seguir serão enunciados os que são mais próprios, além de serem, possivelmente, os mais utilizáveis.

 

A) A questão jurídica.

 

Não serão cuidados aspectos envolvendo a questão crucial dos Estados Unidos da jurisdição ou das jurisdições, que a opinião jurídica possa abranger, em virtude de inexistir no Brasil o sistema americano de que os Estados são autônomos e cada um cria seu próprio direito.

 

 

 

 

B) Os princípios gerais.

 

Dentre os seis que foram concordados pelo ALI4, segundo a ABA, serão destacados apenas cinco, que são:

 

a) Ao final de muitos negócios financeiros, o advogado de uma das partes entregará parecer(es) legal(is) para uma ou mais partes. Esses pareceres, costumeiramente referidos como pareceres para terceiros, são o assunto dos Princípios das Opiniões Jurídicas;

b) As matérias comumente utilizadas em pareceres, o significado da linguagem normalmente usada e o escopo e natureza do trabalho do advogado esperados para atuar são baseados (quer sejam ou não tão declarados) na prática costumeira que os advogados regularmente utilizam e aconselham clientes considerando opiniões do tipo envolvidas. Estes Princípios das Opiniões Jurídicas são solicitados para prover uma pronta referência para aspectos selecionados de prática costumeira;

c) As opiniões contidas em um parecer expressam o julgamento profissional com respeito a matérias legais solicitadas e não garantia que qualquer Tribunal julgará com o resultado esperado;

d) Aceitando um parecer, o cliente não é obrigado a seguir as opiniões que ele contém;

e) O(s) advogado(s) que prepara(m) um parecer ou o cliente e seu conselheiro legal estão preparados cada um para assumir que os outros estejam agindo de boa fé com respeito ao parecer (ao texto que foi proposto).

 

 

C) No que se refere aos fatos que devem ser examinados pelo advogado para a emissão do parecer, destacam-se:

 

a) os advogados responsáveis em preparar um parecer não possuem conhecimento de todas as informações factuais necessárias para apoiar as opiniões que o parecer contém. Deste modo, esses advogados necessariamente confiam amplamente em informações factuais obtidas de terceiros, particularmente administradores de empresa. A prática costumeira permite tal confiança ao menos que tal informação factual na qual os advogados preparam o parecer seja evidentemente irregular ou que tenha sido produzida através de uma fonte inapropriada;

 

b) uma opinião jurídica não deveria ser baseada em uma representação factual, que é equivalente à conclusão legal expressada. Uma opinião jurídica ordinariamente deve ser baseada, no entanto, em conclusões legais contidas em um certificado de um órgão oficial.

 

D) Finalmente, a data em que foi redigida a opinião jurídica é essencial. Assim sugere a ABA.

 

12 - Há um grande empenho da ABA para que essas indicações e sugestões sejam devidamente levadas em conta, pelos advogados, na execução de seus trabalhos5.

 

 

13 - Como está sendo repetido há muito tempo, a confusão que tem sido feita entre auditoria jurídica e due diligence leva também a errôneas conclusões sobre as finalidades e as propostas dessas duas relevantes incumbências, próprias do advogado, embora elas tenham pontos de contato ou pontos comuns ou, praticamente, as mesmas finalidades e a essência da distinção entre as duas atividades reside no fato de que a due diligence é estática e a auditoria jurídica é dinâmica.

 

14 - Em determinadas circunstâncias, bem próprias em cada caso específico, pode haver divergência entre a opinião do advogado, que fez a due diligence, com a opinião dos seus clientes ou dos próprios advogados de quem a recebe (o cliente). Isso ocorre com freqüência, como também ocorre que os recipientes dessas opiniões jurídicas decidam não segui-las, em alguns aspectos particulares, ou até mesmo não as adota por completo.

 

15 - Outro ponto comum entre a auditoria jurídica e a opinião ou o parecer jurídico reside no substrato ético do trabalho. O substrato ético do trabalho é amplo, para não dizer amplíssimo.

 

São tantas as hipóteses de questões éticas, que podem ocorrer ou se originar desse trabalho, que basta sejam verificados, por exemplo, os julgamentos do Tribunal de Deontologia da OAB/SP, para ver como são variadas e multifárias as questões éticas que são derivadas do exercício profissional e, mais ainda, quando originárias de trabalhos sofisticados como os que estão sendo cuidados neste artigo (clique aqui).

 

 

16 - A respeito desse assunto, o escriba gostaria de deixar levantadas algumas questões, que são suscitadas para reflexão dos colegas que já operam na área ou que pretendem fazê-lo. Ei-las:

a) Concluído o trabalho, poderá ele ser utilizado somente pelo seu recipiente ou contratante ou poderá sê-lo por outrem, direta ou indiretamente, ligado ao cliente?

b) Como se avaliam as informações contidas no relatório? Podem elas ser divulgadas? Em caso afirmativo, com que cautelas e precauções?

c) Como interpretar questões de fatos que pareçam inconsistentes ou que as investigações não puderam ser aprofundadas em razão do custo delas ou, ainda, porque apoiadas em conclusões de terceiros?

d) Como se conduzirá o advogado ao perceber que seu cliente está tendo uma conduta criminosa ou fraudulenta?

e) Qual o procedimento do advogado que recebe documento que apresente presunção de falsidade material ou foi subtraído de um terceiro?

f) De que forma será a conduta do advogado que envolva desonestidade, fraude ou engano do cliente?

g) Qual será o seu procedimento: representá-lo ou não?

h) Pode o advogado alegar desconhecimento de uma situação de fato que lhe tenha sido transmitida verbalmente?

i) Ao receber informações e documentos de seu cliente, foi o advogado diligente, recebendo-os da pessoa que corretamente representa a empresa?

j) A quem deve o advogado relatar que teve conhecimento de fatos de origem criminosa?

 

17 - A possível convergência, entre as finalidades dos trabalhos do auditor jurídico com o consultor jurídico ou com os advogados ou com o advogado que se incumbe da due diligence, não deixa dúvidas quanto às finalidades de cada uma dessas atividades. As possíveis intersecções dos trabalhos não levam à conclusão de que a auditoria jurídica seja ancila da due diligence ou seja parte integrante da due diligence ou seja a própria due diligence com outro nome. Dentro da mesma linha de pensamento, não há confusão entre o parecer jurídico com uma consulta jurídica e, também, com uma opinião jurídica, sempre dados por advogados.

 

18 - Ainda mais para, pretendendo-se deixar definitivamente assentado, o parecer inserido numa due diligence difere, pela natureza, com o parecer do auditor jurídico quando a atividade deste último for auditoria jurídica. Não se faz due diligence em processos judiciais ou administrativos, mas pode ser feita auditoria jurídica restrita não ao procedimento do advogado, mas aos fatos que podem ser encontrados no processo. E, por fim, há um campo enorme na esfera do Direito Administrativo, que aborda o parecer jurídico emitido em série dentro de cada processo administrativo. Cada fase do processo administrativo, quando bem conduzido pela Administração, terá o parecer jurídico adequado para a circunstância à qual foi emitido ou para o fato a que ele foi proposto.

 

Em nome da probidade do exercício profissional pleno da advocacia, com ética, está a se exigir que se faça a distinção entre as atividades próprias do advogado sem que isso confunda os objetivos do trabalho para o qual foi contratado.

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1 O escriba migalheiro buscou em dois livros escritos pelo saudoso economista Mário Henrique Simonsen algumas expressões sabidamente irônicas que ele utilizava para debater idéias, com a costumeira elegância. São eles: Brasil 2001, APEC, 4ª edição, Rio de Janeiro, 1969 e Brasil 2002, APEC-BLOCH, 1ª edição, Rio de Janeiro, 1972. As expressões propositadamente escolhidas procuram dar colorido ao texto.

2 BIELSA, Rafael. Los conceptos jurídicos y su terminologia, 2ª edição, Depalma Editor, Buenos Aires, 1954, p. 1/23.

3 "One several influential treatises, published by the American Law Institute, describing the law in a given area and guiding its development". GARNER. Bryan A, Black's Law Dictionary, Deluxe, Seventh Edition, St. Paul, 1999, p. 1314 e 1315

4 The Business Lawyer, vol. 53, Maio 1998, p. 832.

5 Vários trabalhos foram publicados na The Business Lawyer, ao longo dos últimos anos. Os principais são os seguintes: a) The Party "Closing" Opinions, vol.53, Fevereiro de 1998, p. 592/676; b) Guidelines for the Preparation of Closing Opinions, vol. 57, Fevereiro de 2002, p. 875/884; c) Law Office Opinion Practices, vol. 60, Novembro de 2004, p. 327/339; d) Escrito por TriBar Opinion Committee, Third-Party Closing Opinions, vol. 61, Fevereiro de 2006, p. 679/696; e) MCCALLUM. Charles E., YOUNG. Bruce C, Ethics Issues in Opinion Practice, vol. 62, Fevereiro de 2007, p. 417/426; f) AMBRO, Thomas L, FIELD, Arthur Norman, The Legal Opinion Risk Seminar Papers, vol. 62, Fevereiro de 2007, p. 397 e 398; g) GLAZER, Donald W, FIELD, Arthur Norman, Not-Litigation Opinions Can Be Risky Business, vol. 14, Número 6, Julho/Agosto de 2005.

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*Advogado

 

 

 

 






 

 

 

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