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Lições do STF, do direito de defesa e do tempo

Nelson de Morais

Ao dirimir a controvérsia sobre a legalidade de se barrar candidatos que respondem a processo, denominados pela mídia de "ficha suja", o STF fez o que dele se esperava, pela sua competência constitucional e em respeito aos princípios do Estado Democrático de Direito. Vetar uma candidatura a um cargo público de alguém pelo fato de haver um processo em curso e a pretexto de "purificar" o quadro político, seria simplificar e comprometer o direito amplo de defesa e, por conseqüência, fragilizar o Estado Democrático de Direito.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Atualizado em 19 de setembro de 2008 13:04


Lições do STF, do direito de defesa e do tempo

Nelson Missias de Morais*

Ao dirimir a controvérsia sobre a legalidade de se barrar candidatos que respondem a processo, denominados pela mídia de "ficha suja", o STF fez o que dele se esperava, pela sua competência constitucional e em respeito aos princípios do Estado Democrático de Direito. Vetar uma candidatura a um cargo público de alguém pelo fato de haver um processo em curso e a pretexto de "purificar" o quadro político, seria simplificar e comprometer o direito amplo de defesa e, por conseqüência, fragilizar o Estado Democrático de Direito.

O fim não justifica os meios, e o Judiciário não pode agir abusivamente, já que pertence ao indivíduo o direito de recorrer.

O Judiciário não legisla, mas é obrigado a aplicar a Constituição Federal e, por função precípua, deve defendê-la. Incorporamos em nosso direito constitucional o chamado princípio da não culpabilidade, pelo qual até que haja uma sentença com trânsito em julgado, ninguém pode ser considerado culpado. A presunção da não culpabilidade configura conquista histórica dos cidadãos na luta contra a opressão do poder e tem prevalecido nas sociedades civilizadas como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana. Trata-se de um importante cânone constitucional, comum a todos os estados de direito democrático.

Se o legislador quer coibir a candidatura daqueles que têm processo, deveria recorrer a um mecanismo adequado. Apenas o fato de existir uma ação em trâmite não pode ser suficiente para o indeferimento de uma candidatura. Afinal, sabemos que há muita vendida por aí, muitas pessoas que usam o Poder Judiciário para resolver brigas pessoais, especialmente em momentos de disputa eleitoral. É claro que muitos cometem abusos, têm processos que os comprometem, mas não a ponto de negar-lhes o direito à plena defesa.

Há, em nosso ordenamento processual, um dispositivo pelo qual os recursos especiais e extraordinários não são dotados de efeito suspensivo. Então, assim, como no processo penal, pode-se expedir mandado de prisão antes do transito em julgado, quando não houver mais recursos com efeito suspensivo, esse mecanismo poderia ser igualmente aplicado ao direito eleitoral, no caso das candidaturas. Se já foi condenado em segunda instância e se o recurso especial não for dotado de efeito suspensivo, aí, sim, uma candidatura poderia ser suspensa. Acredito que esta poderia ser uma alternativa legal, com amparo doutrinário pelo exercício da "tensão entre princípios", embora possa, por outras correntes, ser considerada violadora de preceitos constitucionais.

Ainda que isso contrarie uma manifestação momentânea da opinião pública, um cânone de valor permanente e constitucional precisa ser defendido e preservado. Por função precípua, o Judiciário existe para dar segurança jurídica à sociedade. Se agisse de acordo com a opinião pública, perderia o sentido maior de uma justiça independente, isenta e serena. A opinião pública, como sabemos, é volátil, embora respeitável, mas nesse aspecto, não. A segurança jurídica se faz sem a interferência externa.

É por isso que se protege o juiz, erigindo à condição de preceitos constitucionais, no núcleo duro da carta magna, os predicamentos da magistratura, quais sejam, inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade dos vencimentos, que são, antes de tudo, garantias cidadãs e da segurança jurídica. Se pudesse ser removível, com ou sem pressões políticas, ele não julgaria com a isenção que deve ter toda decisão judicial. Um juiz "de encomenda" ou "de ocasião" não seria bom para ninguém, muito menos para a opinião pública, que, a cada momento, alterna sentimentos, às vezes, influenciada pelo tempo da mídia em situações mais badaladas do que esclarecidas. Ou como diria Padre Vieira: "Deus nos livre dos Juízes inclinados. A cada inclinação, lá vai sentença!"

A prudência impõe respeito ao tempo do direito de defesa. Nós conhecemos casos exemplares, como aquele do ex-ministro da Saúde Alceni Guerra, que, num ato de responsabilidade ante a ameaça de uma epidemia, comprou bicicletas para agentes de saúde, de maneira rápida, porém, legal. Em razão disso, foi defenestrado da vida pública brasileira, mas depois, inocentado, voltou.

Outro caso de visibilidade tal qual o anterior foi o do ex-presidente da Câmara dos Deputados Ibsen Pinheiro. À época, a opinião pública cobrou sua punição, embora ele fosse inocente, como hoje ficou comprovado.

Não podemos permitir que isso se repita, pautando-nos pelos valores permanentes, antes de tudo, constitucionais. A adoção do critério de preservar as candidaturas de políticos que respondem a processos obedeceu o princípio constitucional da presunção da não culpabilidade. Ao contrário do Judiciário, os eleitores são os únicos juízes da escolha, e, cabe a eles, pelo soberano e legítimo poder do voto, rejeitar ou não tais candidaturas.

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*Presidente da Associação dos Magistrados Mineiros





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