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Da guarda compartilhada - os direitos e deveres compartilhados - regra ou exceção?

Iara Cristina D´Andréia

Ao longo das últimas décadas, tanto a sociedade como o instituto da guarda vêem passando por inúmeras transformações. Com a inserção da mulher no mercado de trabalho, o homem deixou de ser o único a deter o poder econômico na sociedade conjugal, fazendo com que os valores e costumes se alterassem e a figura paterna reassumisse gradativamente uma responsabilidade diante o lar e dos filhos.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Atualizado às 07:22


Da guarda compartilhada - os direitos e deveres compartilhados - regra ou exceção?

Iara Cristina D'Andréia*

Ao longo das últimas décadas, tanto a sociedade como o instituto da guarda vêem passando por inúmeras transformações. Com a inserção da mulher no mercado de trabalho, o homem deixou de ser o único a deter o poder econômico na sociedade conjugal, fazendo com que os valores e costumes se alterassem e a figura paterna reassumisse gradativamente uma responsabilidade diante o lar e dos filhos.

Há que se lembrar que a igualdade entre pai e mãe é tema abordado desde a Constituição Federal de 1988 (clique aqui) que disciplinou os direitos fundamentais em seu artigo 5º e estabeleceu que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações", trazendo ainda no parágrafo 5º do artigo 226 a disposição de que "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher".

Mais tarde, em 1.990 o Estatuto da Criança e do Adolescente (clique aqui) abordou a relação parental no sentido de que "o pátrio poder será exercido, em igualdade de condições pelo pai e pela mãe".

Em 2.002, o Novo Código Civil (clique aqui) substitui a nomenclatura "pátrio poder" por "poder familiar", dando o sentido de que os pais exercem conjuntamente, obrigações e direitos, inclusive o dever de criar e educar os filhos, proporcionando-lhes a oportunidade de desenvolver suas atividades intelectuais e morais, bem como garantir-lhes o bem estar físico.

A Lei 11.698, de 13 de junho de 2008 alterou disposições do Código Civil trazendo uma nova modalidade de guarda dos filhos menores de dezoito anos e não emancipados - a guarda compartilhada.

O Capítulo XI do Código Civil trata da proteção da pessoa dos filhos e passa a trazer, em seu artigo 1.583, a seguinte disposição com duas modalidades de guarda de filho menor:

"Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

Parágrafo Primeiro - Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores, ou a alguém que o substitua (art. 1.584, parágrafo 5.) e, por guarda compartilhada, a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres, do pai e da mãe, que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

Parágrafo Segundo - A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores:

I- afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;

II- saúde e segurança;

II- educação;

Parágrafo Terceiro - A guarda unilateral obriga o pai, ou a mãe, que não a detenha, a supervisionar os interesses dos filhos.

Parágrafo Quarto - A guarda unilateral ou compartilhada, poderá ser fixada, por consenso ou por determinação judicial, para prevalecer por determinado período, considerada a faixa etária do filho e outras condições de seu interesse."

Como é sabido, até os tempos atuais em nosso ordenamento jurídico, comumente opta-se pela guarda unilateral, onde um dos pais será o guardião do menor, detentor, portanto, da guarda material, enquanto o outro será considerado o não guardião, exercendo o direito de supervisão e fiscalização, embora ambos possuam a guarda jurídica.

Tal modelo contraria sobremaneira, o princípio de igualdade entre homens e mulheres e, o que se percebe na maioria dos casos de ruptura conjugal é a figura materna permanecendo com a guarda material dos filhos, restando ao pai o dever de pagar alimentos e fazer visitas esporádicas, de forma que este fica sem atuar diretamente na educação e no processo de crescimento de seus filhos. Aquele que não é guardião das crianças passa a ter o poder e o dever de fiscalizar a educação e formação dos filhos, mas deixa, portanto, de ter uma atuação marcante e presente em relação a isso, pois tudo é feito a distancia.

Além disso, é freqüente os filhos afastarem-se dos pais não guardiões, até porque muitos desses pais os utilizam como instrumentos de "chantagem" e pressão em relação ao guardião. Muitos pais ainda indagam se podem impedir as visitas aos filhos daquele que está em débito com a pensão alimentícia e passam a misturar direitos e obrigações.

O novo modelo de guarda - a guarda compartilhada - insere novos valores trazidos pela sociedade ao nosso ordenamento jurídico, sustentando e estimulando um maior vínculo sócio afetivo dentro de um grupo familiar.

I- Conceito de guarda compartilhada

É a possibilidade de que os filhos de pais separados continuem assistidos por ambos após a separação, devendo ser efetiva e equivalente autoridade legal, para tomarem decisões importantes quanto ao bem estar de seus filhos e, freqüentemente ter uma paridade maior no cuidado deles.

II- Conteúdo e finalidade

Na guarda compartilhada os filhos têm e são mantidos em uma residência principal a ser eleita pelos pais mediante mútuo consenso, ou pelo magistrado ao avaliar as condições peculiares de cada situação que lhe for levada, sempre buscando preservar o que melhor consultar aos interesses dos menores.

Busca-se preservar em favor dos filhos a indicação de uma residência que lhes deve servir de referencia principal, possibilitando-lhes a manutenção de uma vida normal e regular com cultivo de atividades cotidianas, bem como com a formação de um circulo de amigos e vizinhos, dentre outros aspectos relevantes à manutenção de uma rotina que se mostre a eles favorável e que venha contribuir para o desenvolvimento de sua personalidade.

Somente os pais que tem como objetivo o desenvolvimento mais saudável dos filhos, onde ambos exerçam o poder familiar sobre a criança, dividindo de maneira mais igualitária possível os direitos e deveres, conscientes de que a participação conjunta na formação de seus filhos é que estarão aptos a compartilhar a guarda de seus filhos.

Note-se que tal modelo torna mais efetiva a participação do não detentor da guarda na vida dos filhos, já que o tira da figura de mero coadjuvante e, por vezes, de simples provedor financeiro.

III - Da postulação pelos pais ou decretação do juiz

A guarda compartilhada poderá ser deferida a partir de requerimento com esse fim deduzido consensualmente pelos genitores ou quando se tenha, de qualquer deles, postulação nesse sentido, deduzidas em ações de separação, divórcio, dissolução de união estável, ou decidida e decretada de ofício pelo juiz, em atenção às necessidades específicas do menor.

O juiz passa a contar também com o auxilio de psicólogos, assistentes sociais e pedagogos para embasar sua decisão e determinar o melhor para a criança. Para isso, será levado em conta o cotidiano dos pais. Apenas quando não for possível consultar tais profissionais, o judiciário consultará o Conselho Tutelar para tomar tal decisão.

Assim, o artigo 1.584 do Código Civil passou a ter a seguinte redação:

"Artigo 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I - requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma, de separação, de divórcio, de dissolução estável ou em medida cautelar;

II - decretada pelo juiz, em atenção às necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição do tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

Parágrafo Primeiro - na audiência de conciliação, o juiz informará o pai e a mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

Parágrafo Segundo - Quando não houver acordo entre a mãe e o pai, quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.

Parágrafo Terceiro - Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.

Parágrafo Quarto - A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas em convivência com o filho.

Parágrafo Quinto - Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revê compatibilidade com a natureza da medida, de preferência, considerados o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade."

IV - Considerações

Desde que a questão da guarda seja discutida e resolvida pelos pais, não influenciados pelos motivos da separação, os deveres e obrigações com relação aos filhos podem e devem ser compartilhados em benefício destes últimos, posto que um bom relacionamento dos pais é pressuposto para a determinação da guarda compartilhada.

Saliente-se que nos dias atuais não é raro os pais constituírem nova família e quando o seu novo cônjuge também é proveniente de um casamento desfeito, normalmente, há o surgimento de conflitos a serem administrados pelos menores, pelos seus pais e pelo novo cônjuge dos pais. Os membros de famílias reconstruídas enfrentam ou administram fatos, como por exemplo os pais que tem que dividir o afeto, o tempo, o dinheiro e atenção dedicada aos filhos do relacionamento atual e os do anterior.

É importante que os filhos sintam que há lugar para eles na vida do pai e da mãe depois da separação ou divórcio e os pais precisam confirmar aos filhos que os vínculos com os dois genitores serão mantidos.

Conclui-se, dessa forma, que essa nova modalidade foi introduzida com a finalidade de ser tratada no dia-a-dia nas varas de família como regra a ser aplicada na solução dos conflitos de guarda dos filhos em casos de ruptura do lar conjugal, na tentativa de aproximar efetivamente as responsabilidades do ex-casal na educação, orientação e manutenção de vínculos socioafetivos com os filhos, onde somente pais não aptos para adoção deste sistema é que aplicar-se-á a guarda única ou unilateral.

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*Advogada do escritório Crivelli Advogados Associados

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