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O peso das penas

A criminalização de novas condutas, o aumento da quantidade das penas privativas de liberdade e o maior rigor durante o respectivo cumprimento têm sido, nas últimas décadas, as medidas oferecidas pelos sucessivos governos como paliativos ao clamor da sociedade alarmada com a criminalidade.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Atualizado em 9 de outubro de 2008 11:38


O peso das penas

Luís Augusto Sanzo Brodt

A criminalização de novas condutas, o aumento da quantidade das penas privativas de liberdade e o maior rigor durante o respectivo cumprimento têm sido, nas últimas décadas, as medidas oferecidas pelos sucessivos governos como paliativos ao clamor da sociedade alarmada com a criminalidade.

Alega-se que, no atual momento histórico, a isso somos impelidos como premente e inevitável recurso de defesa social.

Tal discurso, ainda que repetitivo e de mérito questionável continua a fazer adeptos e não dá sinal de diminuir o fôlego.

Assim, parece-nos oportuno instigar uma reflexão. Será que a freqüência com que o legislador brasileiro tem se utilizado da mais grave das formas de sanção contempladas pelo nosso ordenamento jurídico, não terminou por banalizá-la, impedindo-nos de perceber a real gravidade do castigo que representa a limitação, ainda que momentânea, da liberdade humana?

Entre nós, comina-se pena privativa de liberdade tanto a quem ofende a honra alheia, quanto àquele que mata o próprio filho ou estupra uma irmã de caridade. Assim, alimenta-se nossa insensibilidade às terríveis e inevitáveis conseqüências da aplicação da pena privativa de liberdade a ponto de nos passar quase despercebido constituir o instinto à liberdade um dos mais arraigados na alma humana.

A história, aliás, nos oferece outros exemplos de tratamento vil dispensado a seres humanos que embora nos causem na atualidade indignação e vergonha, foram em determinadas épocas considerados adequados. Não nos esqueçamos que não vai muito longe o tempo, onde os povos civilizados forjaram o seu desenvolvimento fazendo da escravatura instituição consagrada pelos poderes temporal e eclesiástico.

A natureza da pena privativa da liberdade, por si mesma, denuncia a sua gravidade e está a exigir, por questão de proporcionalidade, seja reservada tão somente para aquelas situações entendidas como as mais importantes violações dos bens jurídicos tutelados pelas leis penais.

Hoje, em lamentável e gritante contradição com a mais elementar noção de crime, faz-se referência a condutas criminosas de menor potencial ofensivo ou mesmo de "ínfimo potencial ofensivo". Ora, se crime é sempre uma grave perturbação da ordem social, as referidas denominações estão a evidenciar a impropriedade de tratar os mencionados comportamentos no âmago da categoria conceitual do crime.

As referidas penas ainda que fixadas em meses ou anos, são contadas segundo a segundo. Nessa perspectiva, compreende-se, em plenitude o seu real significado. Não há pena privativa de liberdade leve ou de curta duração.

O que se está reclamar, portanto, não é mais uma reforma do nosso vetusto Código Penal (clique aqui) ou das inúmeras leis penais extravagantes.

O que se quer e se impõe é uma ampla reforma penal. Reformulação cuidadosamente planejada, que seja capaz de promover uma completa atualização da parte especial do Código Penal, trazendo para seu texto o tratamento de condutas que atualmente encontram-se em legislação esparsa como a tutela penal do meio ambiente, os crimes de tóxicos, o abuso de autoridade, a tortura.... Mas também, reforma que venha afastar do corpo de nossa codificação penal comportamentos cuja criminalização nitidamente afronta o bom censo, a exemplo do crime de ato obsceno, de lenocínio e rufianismo sem o emprego de violência ou grave ameaça...

Sobretudo, precisamos de uma reforma que, no lastro de legislações européias, crie uma categoria intermediária entre o delito e o mero ilícito administrativo, a que em Portugal se chama contra-ordenações, onde se trate de comportamentos que não despertam a mesma reprovação social do crime, mas que devido a importância do bem jurídico que afetam merecem uma resposta mais grave do que meras sanções administrativas.

Nessa novel categoria poder-se-ia incluir atividades desenvolvidas por pessoas jurídicas, empresas cujas atuações acabam por vezes causando prejuízo ao sistema financeiro, à ordem econômica e mesmo ao meio ambiente. Esse seria o melhor âmbito para reunir sanções como multas, suspensão ou interdição da atividade das empresas e mesmo interdições de direitos.

A intervenção penal, por fim, ficaria reservada, como propugna a concepção garantista e minimalista do Direito Penal, às violações mais graves dos bens jurídicos mais importantes, capazes de justificar a mais grave das sanções do nosso ordenamento jurídico: a privação da liberdade.

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*Professor adjunto do Departamento de Direito e Processo Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e membro do Conselho Penitenciário do Estado de Minas Gerais.





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