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O direito à soltura imediata

Guilherme Madi Rezende e Flávia Rahal

Corriam já as primeiras horas do dia seguinte àquele em que se havia iniciado o julgamento, estávamos todos ansiosos pela decisão dos jurados. Após um longo dia de debates, o júri se reunia para decidir o destino de Natanael, mais um entre tantos pobres que se sentam, algemados, no banco dos réus.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Atualizado em 21 de outubro de 2008 10:33


O direito à soltura imediata

Guilherme Madi Rezende*

Flávia Rahal**

Corriam já as primeiras horas do dia seguinte àquele em que se havia iniciado o julgamento, estávamos todos ansiosos pela decisão dos jurados. Após um longo dia de debates, o júri se reunia para decidir o destino de Natanael, mais um entre tantos pobres que se sentam, algemados, no banco dos réus.

Natanael estava preso havia mais de 2 anos sob a acusação de homicídio. Sua família, ou o pouco que dela sobrara, já não conseguia conter a agonia quando finalmente saiu o veredicto: Natanael fora absolvido. Era inocente. Agira em legítima defesa e agora, mais de 2 anos depois, os jurados reconheciam sua inocência.

Sob o clima de emoção que tomava o plenário, a juíza Elizabeth leu a sentença absolutória e, ela mesma, descendo o degrau em que se eleva a mesa dos juízes, pediu a chave das algemas ao policial e libertou o réu.

Absolvido pelos jurados, não havia qualquer razão para que permanecesse algemado. Mais do que isso, não havia qualquer razão para voltar ao presídio. Era inocente, estava livre, que fosse embora com a família, que dormisse com sua mulher, que desse um beijo de boa noite em seus filhos - não poderia haver noite mais doce do que aquela.

A cena, no entanto, é incomum - e não nos referimos ao fato da juíza, pessoalmente, abrir as algemas, mas sim à imediata soltura do réu absolvido. Hoje, em São Paulo, mesmo absolvidos, os réus que estavam presos no julgamento continuam presos, reféns da burocracia. Várias são as explicações. Nenhuma se justifica.

Argumenta-se com a necessidade de verificar se o réu não está preso por outro motivo. Ora, essa verificação poderia ser feita antes do julgamento. Não é razoável manter-se preso alguém absolvido por mais um dia. Argumenta-se, ainda, com a necessidade de dar baixa nos arquivos do presídio ou do réu ter que buscar seus objetos pessoais. Nada que não possa ser feito com o réu solto. Nada que justifique uma ou duas noites a mais no cárcere.

Nada justifica a prisão por burocracia. O Estado tem a obrigação de adotar medidas que possibilitem a soltura do réu imediatamente após ser absolvido. É o mínimo de respeito à dignidade do acusado.

Não nos esqueçamos que a dignidade da pessoa é um dos fundamentos da República, assim disposto no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal (clique aqui). E sobrepor trâmites burocráticos à liberdade de um inocente, evidentemente, viola a sua dignidade.

Enfim, a demora na soltura após a absolvição é ilegal e fere, dentre outros, o princípio da dignidade da pessoa humana. Urge abolir essa prática. É necessário que o Estado esteja aparelhado e tome as necessárias providências para dar, incontinenti, efetividade à decisão judicial que absolveu o réu e que o mandou colocar em liberdade.

Que se abram, em plenário, as algemas. Que se devolva ao acusado a dignidade tomada pela prisão.

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*Diretor do IDDD - Instituto de Defesa do Direito de Defesa

**Presidente do IDDD - Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Advogada do escritório Malheiros Filho, Camargo Lima e Rahal - Advogados





 

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