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O Tribunal: 400 anos

Nas proximidades dos festejos dos 400 anos da instalação do primeiro Tribunal do Brasil, na Bahia, vale relembrar alguns fatos relacionados com o Poder Judiciário daqueles tempos.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Atualizado em 26 de novembro de 2008 10:52


O Tribunal: 400 anos

Antonio Pessoa Cardoso*

Nas proximidades dos festejos dos 400 anos da instalação do primeiro Tribunal do Brasil, na Bahia, vale relembrar alguns fatos relacionados com o Poder Judiciário daqueles tempos.

As terras conquistadas pelos portugueses vinculavam-se à propagação da fé católica; os monarcas dedicavam-se à evangelização o mesmo entusiasmo dispensado para a colonização e a Igreja exerceu substancial influência nesse processo. Os jesuítas desenvolveram trabalho missionário junto aos índios e, na área educacional, fundaram vários colégios. As Ordens Religiosas monopolizaram o ensino na colônia até o século XVIII. A aproximação entre o poder e a Igreja era muito grande e aos monarcas competia prover os bispados e demais cargos eclesiásticos; em contrapartida, ficavam obrigados a financiar as atividades religiosas.

Os tribunais eclesiásticos exerciam forte influência em todos os segmentos da colônia e assim prosseguiu até o advento da República; o casamento, em número bastante pequeno, tinha caráter eminentemente religioso, porque regido pelas leis canônicas; ao Estado competia apenas reconhecer seus efeitos jurídicos; os registros paroquiais substituíam as anotações civis então inexistentes.

Em Portugal, 1481/1495, D. João II criou a Mesa de Consciência e Ordens, "que tratava do provimento de benefícios, administração de comendas, e negócios relativos a interditos, cativos, ausentes e defuntos".

Não se registrou atividade da Santa Inquisição, no Brasil, até o século XVI; este fato provocou a transferência de muitos cristãos-novos e judeus de Portugal para a nova colônia, porque se temia punições e perseguições do Santo Ofício na metrópole; além disto, o Tribunal da Fé contribuía com o povoamento da colônia, através do banimento de tantos quantos violassem as normas de natureza religiosa e moral em Portugal.

Os Tribunais do Santo Ofício foram extintos em 1821, através dos Constituintes portugueses; sua equiparação aos tribunais civis proporcionou condições para retirada de muitos poderes que possuíam; todavia, enquanto exerceu jurisdição era a justiça mais temida. Na verdade, uma mesma infração, como a bigamia, por exemplo, poderia ser submetida ao juízo secular e ao eclesiástico. Comuns eram os desentendimentos do Santo Ofício com membros do Poder Judiciário.

O sexo sem consentimento da Igreja, a luxúria, a magia constituíam-se em atividades heréticas, portanto, passíveis de penas.

O foro eclesiástico, desempenhado pelo Tribunal da Inquisição do Santo Ofício, era subordinado ao rei; esse Tribunal apreciava crimes de heresia, bigamia, curandeirismo e outros. No Brasil não se instalou o Santo Ofício, mas aconteceram algumas visitas, sendo a primeira entre 1591/1595. O Padre Heitor Furtado chegou à Bahia em julho de 1591 e recebeu muitas denúncias sobre suspeitas de heresia, bigamia, escravização dos indígenas, etc; a missão do inquisidor, representando o Santo Ofício, situava-se na averiguação da conduta religiosa dos cristãos-novos e dos judeus; foram apresentadas denúncias de depravação sexual, magia e outras práticas condenadas pela Igreja; a missão prosseguiu, em 1594, com a visitação do inquisidor a Pernambuco.

A chegada dos inquisidores provocava a publicação de editais da fé nas portas das igrejas, nos quais se convocavam os homens a confessarem suas faltas e a delatarem as infrações de outras pessoas.

A colônia obedecia à justiça de Lisboa; os "familiares", órgão integrado por pessoas laicas, incumbidas de auxiliar o Tribunal, exerciam controle policial da moralidade pública, punindo as condutas heréticas em nome do Santo Ofício. Dados o poder e os privilégios que possuíam os integrantes dos "familiares", grande era a disputa e, para escolha de seus membros, fazia-se verdadeira "inquisição" na vida dos pretendentes.

O Santo Tribunal controlava e impunha comportamento religioso aos moradores da colônia. Exercia vigilância diuturna sobre as práticas sexuais, doutrinando para a abstinência. As índias e os escravos acalentavam a libertinagem dos moradores.

A Igreja sentia-se incomodada com práticas sexuais livres dos que chegavam ao Brasil, pois até mesmo o homossexualismo era comum na colônia. O sexo exacerbado de portugueses com muitas índias, de maneira pública, preocupava a Igreja. E a prática tornava-se do conhecimento de todos na medida em que não existia local próprio para o sexo proibido; acontecia com regularidade no mato. Manoel da Nóbrega, um dos primeiros jesuítas, em missão pela colônia, em 1550, pediu ao rei para mandar mulheres brancas para que os homens casassem, pois os abusos sexuais cometidos reclamavam urgentes providências; ademais os funcionários da Coroa portuguesa aqui chegavam desacompanhados, vez que, não recebiam permissão para fazer-se acompanhar de suas famílias.

Gregório de Matos Guerra, conhecido por "boca do Inferno" foi Desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia e Tesoureiro-mor da Sé, em 1682. Foi expulso, porque se recusou a usar a batina; passou, então, a dedicar à advocacia e à poesia.

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*Desembargador do TJ/BA





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