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ICMS sobre demanda de potência de energia elétrica: vitória de Pirro dos contribuintes

Michelle Pinterich

A 1ª Seção do STJ concluiu ontem, 11 de março, o julgamento do Recurso Especial nº 960.476, escolhido como "leading case" da discussão quanto à legitimidade da cobrança de ICMS sobre o valor pago a título de "demanda contratada" de energia elétrica.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Atualizado em 12 de março de 2009 12:58


ICMS sobre demanda de potência de energia elétrica: vitória de Pirro dos contribuintes

Michelle Pinterich*

A 1ª Seção do STJ concluiu na quarta-feira, 11 de março, o julgamento do Recurso Especial nº 960.476 (clique aqui), escolhido como "leading case" da discussão quanto à legitimidade da cobrança de ICMS sobre o valor pago a título de "demanda contratada" de energia elétrica.

Ao dar provimento parcial ao recurso do contribuinte, a 1ª Seção reconheceu que o ICMS não deve incidir sobre a demanda contratada de energia elétrica, admitindo, porém, a sua cobrança sobre a demanda utilizada ou medida, sempre em kW.

Tal entendimento reformou a jurisprudência antes consolidada no próprio STJ e nos Tribunais de Justiça Estaduais e impôs aos contribuintes uma verdadeira "vitória de Pirro", sem resultados práticos minimamente relevantes.

Isto porque os contratos de demanda de potência de energia elétrica costumam ser bastante justos às necessidades do usuário, sem excedentes. Tais contratos são mantidos pelos usuários de alta tensão, que pagam as chamadas "tarifas binômias" (desdobradas em consumo e demanda), de modo a que as distribuidoras de energia elétrica possam dimensionar sua rede e garantir o fornecimento adequado, sem cortes ou interrupções.

Assim, se um determinado usuário de alta tensão contrata uma demanda de potência de 2.000 kW, é bastante provável que sua capacidade instalada (a potência dos equipamentos, máquinas etc.) seja muito próxima disso, por exemplo, de 1.800 kW, de modo que a demanda máxima medida no mês (em kW) também o será. Para o usuário de alta tensão, não é economicamente vantajoso manter um contrato de demanda de potência superior à capacidade instalada, porque sua tarifa será calculada, no mínimo, sobre a demanda contratada, independentemente da utilização ou medição. Em determinados períodos, poderá haver uma diferença mínima entre a demanda contratada e a medida; em outros, a demanda medida poderá até ser superior à contratada, ensejando a cobrança de tarifa mais cara pelo excedente.

Como conseqüência, ao considerar legítima a incidência do ICMS sobre a demanda de potência medida, o STJ acabou por aniquilar o direito do contribuinte à eventual repetição do indébito, pois a diferença de imposto em seu favor, se houver, será insignificante.

Mais que isso, o STJ incorreu em contradição quanto às premissas invocadas por ele próprio, de que a energia elétrica recebe o tratamento tributário de mercadoria e, como tal, só pode sofrer a incidência do ICMS quando efetivamente circulada.

É que, ao contrário do que foi decidido, a demanda de potência, em kW, mesmo quanto medida, não se traduz como circulação de energia elétrica, no sentido de transferência da sua titularidade ao usuário.

A potência, registrada em kW em medidor próprio, com intervalos de 15 minutos, representa o fluxo de energia que, quando efetivamente consumida e transferida ao usuário, se transforma em consumo, este sim, medido em kWh e tributável pelo ICMS. Em outras palavras, a potência medida é um elemento integrante da medição do consumo, e admitir que o ICMS incida sobre a potência medida e depois, sobre o consumo, significa que, em algum ponto, o imposto será cobrado duas vezes sobre a mesma base.

A decisão proferida pela 1ª Seção é um exemplo típico de situação em que a dificuldade na compreensão de conceitos técnicos, não jurídicos, influencia, de forma negativa, na solução jurídica dada à questão, com inegável prejuízo aos contribuintes.

Mas tal dificuldade não é exclusiva do STJ: antes dele, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já havia se debruçado sobre os conceitos de demanda contratada e demanda medida, chegando a idêntica conclusão, consolidada na Súmula nº 21, de 20071.

Aos contribuintes resta a esperança, ainda que remota, de que o próprio STJ reconheça o erro na aplicação desses conceitos técnicos e reconsidere sua decisão, a qual, caso contrário, passará a pautar as decisões das instâncias inferiores e obstar a subida de recursos. Ou então que o Supremo Tribunal Federal, dirimindo a questão a partir da regra-matriz constitucional do ICMS, seja mais feliz na sua interpretação.

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1 SÚMULA 21 - Incide ICMS tão-somente sobre os valores referentes à energia elétrica consumida (kWh) e à demanda de potência efetivamente utilizada (kW), aferidas nos respectivos medidores, independentemente do quantitativo contratado.

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*Sócia coordenadora do Departamento Tributário do escritório PN&BA - Peregrino Neto & Beltrami Advogados

 

 

 

 

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