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A Torre de Babel no Licenciamento Ambiental

Roberta Noroschny

Por mais absurdo que possa parecer, atualmente as empresas vêm enfrentando uma situação de insegurança nos procedimentos de licenciamento ambiental, muitas vezes posterior à concessão da licença propriamente dita, que merece uma análise criteriosa para que alguns direitos e garantias individuais possam ser exercidos na sua amplitude.

quinta-feira, 11 de novembro de 2004

Atualizado em 10 de novembro de 2004 11:46

A Torre de Babel no Licenciamento Ambiental


Roberta
Noroschny*

Por mais absurdo que possa parecer, atualmente as empresas vêm enfrentando uma situação de insegurança nos procedimentos de licenciamento ambiental, muitas vezes posterior à concessão da licença propriamente dita, que merece uma análise criteriosa para que alguns direitos e garantias individuais possam ser exercidos na sua amplitude. Um exemplo bem ilustrativo desta realidade a zona nebulosa em que se encontra a questão dos limites de competência dos órgãos ambiental estadual e federal, nas suas respectivas atribuições de poder de polícia, notadamente, na atividade fiscalizatória.

Deflagrou-se uma situação em que não raro o órgão ambiental estadual concede a licença ambiental e o IBAMA autua a empresa, invocando uma competência supletiva, fundamentada numa possível atuação equivocada do órgão estadual, sem que ao particular seja dada a oportunidade de exercer, na forma que lhe garante a Constituição, seu direito de defesa. E na grande maioria das vezes, nem mesmo restam evidenciados e especificados os danos ambientais que poderiam advir do empreendimento.

O que se vê na prática é a lavratura de autos de infração, consignando multas embasadas na margem de discrionariedade conferida ao agente fiscalizador, que podem chegar a patamares elevadíssimos, sem a prévia notificação para a retificação ou complementação de documentos. Ressalte-se que quando a empresa requer a licença, o órgão estadual não adverte da possibilidade do IBAMA "chamar para si" a competência para o licenciamento e simplesmente considerar nula a pretendida licença.

E nem seria de exigir que o fizesse, eis que a atuação do ente federal, muitas vezes ocorre ao arrepio da lei, desrespeitando-se as normas criadas pelo Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), do qual o próprio IBAMA é integrante. Cria-se, portanto, uma situação em que o empreendedor de boa fé, que busca o licenciamento para sua atividade junto à autoridade ambiental estadual, acaba por ser prejudicado pela dissonância de entendimentos entre IBAMA e órgão estadual. É inadmissível essa linha de conduta, eis que o particular não pode sofrer danos advindos da confusão do administrador público.

Aliás, em recente decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que apreciou o pedido de suspensão de efeito de liminar concedida pelo juízo de primeiro grau, determinando o desembargo de uma obra, o raciocínio desenvolvido pelo desembargador relator corrobora o entendimento acima mencionado, quando diz: "São premissas da boa-fé do empreendedor, que não se lançou em uma aventura empresarial iniciando a obra ao arrepio das disposições legais. Procurou ele obter alvará de licenciamento das autoridades que se houveram por competentes, não podendo ser prejudicado no desenvolvimento do seu projeto em face de desencontros entre órgãos estatais de defesa do meio ambiente os quais não convergem acerca da extensão das suas competências de policiamento administrativo."

O despacho não desmerece a necessidade da preservação do meio-ambiente, mas garante o amplo direito à defesa exigindo do órgão ambiental, ao menos que especifique os danos a que está exposta a área em virtude do empreendimento, aduzindo que "embora seja convicto defensor da necessidade de prévia avaliação do impacto ambiental decorrente da intervenção do homem na natureza, pois a fragilidade do meio ambiente e a sua necessária defesa ensejam a adoção de medidas preventivas, vejo que no caso concreto há manifestação do MPF isentando o empreendimento de repercussões desabonatórias e prejudiciais ao sistema do seu entorno, bem assim o IBAMA, tanto na Informação Técnica respectiva como nas razões do presente recurso, não refere expressamente quais os riscos e prejuízos vinculados à obra embargada".

Ou seja, a adequada proteção da natureza e da vida é lançada na sombra de uma fogueira de vaidades sem precedentes, já que a fonte normativa é auto-regulamentadora. Ou seja, o próprio sistema criado favorece a imposição de normas por um órgão em flagrante conflito com as normas estabelecidas por outro. A ambigüidade na delimitação das esferas de competência acarreta um engessamento dos processos e um distanciamento no diálogo entre empresa e órgão ambiental.

O receio do órgão estadual ambiental em conceder uma licença ambiental de operação, que poderá vir a ser questionada pelo IBAMA, e provocar a atuação do Ministério Público Federal, com a instauração de Ação Civil Pública e Criminal, afasta os investimentos e aumenta o chamado risco Brasil. Ao particular não resta outra saída senão buscar a tutela jurisdicional. E esse controle judicial deverá não só resguardar a adequada proteção do meio ambiente, mas também rever procedimentos atentatórios às garantias individuais, que infelizmente vem se repetindo na atuação do órgão ambiental federal.

A questão não está na órbita da teorização. As considerações acima refletem a atual conjectura do Sistema Nacional do Meio Ambiente, que embora já disponha de norma definindo a competência federal, estadual e municipal, na prática, tem se quedado inerte ante a burocracia e conflito em que se enlearam os órgãos ambientais. É certo que o meio-ambiente protegido é imprescindível para o desenvolvimento saudável dos seres humanos. Por outro lado, o avanço tecnológico garante que esses seres humanos, então saudáveis, possam dimensionar sua sobrevivência. Não se alcança justiça social soterrando os princípios que coíbem o abuso de poder e a ilegalidade.
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* Advogada do escritório Martinelli Advocacia Empresarial









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