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Voto secreto: a negação da democracia

Pedro Abramovay

No último dia 30 de junho, o Senado Federal rejeitou a indicação de dois membros do Ministério Público para o Conselho Nacional do Ministério Público- CNMP. Os senhores Nicolao Dino e Diaulas Costa Ribeiro, dois professores conceituados, detentores de uma reputação irretorquível e que, sem dúvida, contribuiriam enormemente para aquele Conselho, não obtiveram a votação necessária para a aprovação.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Atualizado em 2 de julho de 2009 15:18


Voto secreto: a negação da democracia

Pedro Abramovay*

No último dia 30 de junho, o Senado Federal rejeitou a indicação de dois membros do Ministério Público para o Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP. Os senhores Nicolao Dino e Diaulas Costa Ribeiro, dois professores conceituados, detentores de uma reputação irretorquível e que, sem dúvida, contribuiriam enormemente para aquele Conselho, não obtiveram a votação necessária para a aprovação.

O que aconteceu? O que pode ter feito o Senado rejeitar dois brasileiros brilhantes para uma função pública tão distinta? Ninguém sabe. Isso porque paira ainda sobre a nossa república o odioso manto do segredo. A votação para a escolha de autoridades é feita por voto secreto.

Os corredores do Congresso e os jornais do dia seguinte trouxeram as possíveis explicações, todas contraditórias e excludentes entre si (para ficar apenas com as que dizem respeito a um dos candidatos): Nicolao Dino é maranhense e seu irmão, Flávio, um expressivo deputado de oposição à família Sarney; o deputado Flávio Dino trabalhou com Nelson Jobim - seria uma retaliação dos senadores que tiveram seus indicados demitidos da Infraero; a oposição, na intenção de agravar a crise do Senado, teria encaminhado a votação contrária; os senadores teriam resolvido responder às diligentes investigações do Ministério Público com a rejeição dos indicados.

O fato é que nenhum Senador se manifestou durante o processo de votação contra os indicados, e nenhum dos argumentos que levaram os Senadores a rejeitar as indicações são, portanto, públicos. Em situações como essa, todas as explicações podem aparecer e, por mais injustas que possam ser, não podem ser desmentidas.

O voto secreto, portanto, não protege os senadores como se costuma alardear. Ao contrário, ele apenas espalha sobre todo o Senado uma nuvem de suspeição que só afasta ainda mais os representantes do povo.

O voto secreto é o maior inimigo da democracia, Por dois motivos. O mais evidente é a impossibilidade do eleitor controlar o eleito. O próprio conceito de mandato não pode conviver com a idéia de segredo. Uma delegação de poderes só faz sentido se o representado tiver conhecimento dos atos do representante. O voto secreto, ao negar ao cidadão acesso à decisão do parlamentar, na prática, revoga a relação de representação e privatiza o processo de deliberação, transformando o congressista em representante de si próprio.

Entretanto, o mais grave atentado à democracia originado da existência do voto secreto é a possibilidade da tomada de decisão sem debate público. Não pode ser democrática uma decisão tomada por uma instituição republicana que não provenha de argumentos públicos. Só existe democracia se um espaço de debate público é criado de modo a possibilitar a vitória do melhor argumento.

Como Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça - e, portanto, responsável pela discussão de projetos de Lei com o parlamento - cabe a mim afirmar que, ao contrário do que está presente no imaginário popular, o Congresso Nacional é um importante espaço de debates baseados em argumentos racionais. E, a partir destes debates, grandes diplomas legais têm sido aprovados a cada ano, beneficiando todos os cidadãos.

A existência de um instituto como o voto secreto, contudo, vai na contra-mão da valorização do parlamento como a grande instância democrática da República. E apenas reforça a descrença popular na classe política como um todo.

O sociólogo Pierre Bourdieu, em artigo publicado há mais de 20 anos, já notava a contradição existente no mundo político contemporâneo: ao mesmo tempo em que ele se fecha cada vez mais em si mesmo, ele se torna cada vez mais acessível ao olhar do cidadão. Este conflito certamente deve servir como motor para que o véu do segredo, que ainda recobre várias de nossas instituições, dê lugar a uma verdadeira democracia capaz de transformar positivamente o nosso país.
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*Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça






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