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Suficiência da resposta judicial - verdade e mito

Um dos grandes problemas enfrentados pelo cidadão que vai a Juízo em defesa de uma pretensão é a insuficiência da prestação jurisdicional, a ausência de resposta suficiente do Poder Judiciário às questões apresentadas e que constituem as premissas e os fundamentos do pedido que formula.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Atualizado em 21 de julho de 2009 11:02


Suficiência da resposta judicial - verdade e mito

Daniella Zagari*

Um dos grandes problemas enfrentados pelo cidadão que vai a Juízo em defesa de uma pretensão é a insuficiência da prestação jurisdicional, a ausência de resposta suficiente do Poder Judiciário às questões apresentadas e que constituem as premissas e os fundamentos do pedido que formula.

Em termos técnico-processuais chamamos essas premissas e fundamentos de causa de pedir. O autor da ação apresenta os fatos e os fundamentos jurídicos que justificam o pedido para que auxiliem na formação do convencimento do juiz, que dará a solução ao caso concreto.

Mas nem sempre o juiz aprecia cada um dos fundamentos apresentados pela parte, elegendo algum e desprezando os demais, ou mesmo encontrando algum outro não alegado pelas partes para justificar a solução adotada.

Inconformada, a parte que viu seus fundamentos não apreciados costuma se valer de um específico mecanismo processual, o denominado recurso de embargos de declaração, cujo objetivo legal é obter a integração da decisão anterior, em caso de omissão, contradição ou obscuridade.

Aqueles que militam no foro estão bem familiarizados (mas não conformados) com uma resposta-chavão a esse recurso: "o juiz não está obrigado a responder a todas as indagações e questões formuladas pela parte, quando já tiver encontrado razão suficiente para fundamentar sua decisão".

Essa fórmula, quando aplicada indistintamente, constitui um dos maiores exemplos de deturpação de normas processuais elementares e de violação às garantias inerentes ao devido processo legal.

É verdade que vigora em nosso sistema jurídico o chamado princípio da persuasão racional, segundo o qual o juiz é livre para formar o seu convencimento a partir dos fatos e provas dos autos, que pode valorar como entender conveniente, podendo se valer também de fundamentos jurídicos não alegados pelas partes. Já se foi o tempo dos chamados Juízos de Deus, quando a prova da inocência passava, por exemplo, pela capacidade que o acusado tivesse de sair ileso de uma fogueira ou de salvar-se do afogamento, a demonstrar que Deus o julgava inocente. Nosso direito contemporâneo também repudia o sistema da prova tarifada, pelo qual as provas têm valor predeterminado e ao julgador cumpre considerá-las objetivamente, como um autômato. O depoimento da mulher não vale menos que o do homem ou vice-versa; mas não valerá o depoimento de quem, para o magistrado, estiver mentindo.

O princípio da persuasão racional é, pois, uma garantia fundamental do cidadão, que deve contar com a plena liberdade do magistrado para decidir. Mas deve ser aplicado em sua plenitude, que delimita a liberdade do órgão jurisdicional: se é livre para julgar de acordo com sua consciência jurídica a partir dos fatos que lhe são apresentados, o juiz está obrigado a motivar a sua decisão, isto é, a explicar ás partes as razões pelas quais preferiu uma solução e não outra, porquê deu mais valor a uma prova do que a outra e assim por diante. Aliás, não por outro motivo esse princípio, positivado no artigo 131 do CPC (clique aqui), é também conhecido como princípio do livre convencimento motivado.

Compreendido o raciocínio lógico desenvolvido pelo juiz, as partes poderão se conformar com a solução ou, inconformadas, poderão impugná-la de maneira específica por meio dos recursos cabíveis. Também a própria sociedade, que é a destinatária indireta e última dos atos estatais, poderá fiscalizar as opções ideológicas, políticas, éticas e jurídicas utilizadas pelo julgador para editar o provimento.

E o caminho lógico que o juiz deve percorrer para explicar a solução que deu ao caso concreto deve passar também e necessariamente pelo exame das causas de pedir apresentadas pelas partes. Não eleger uma causa de pedir como fundamento da decisão não autoriza o seu sumário desprezo, ou sua rejeição implícita. O juiz só está dispensado de apreciar todas as causas de pedir do autor em uma única situação: se já tiver encontrado fundamento suficiente para julgar a demanda procedente. Jamais em caso de improcedência. Uma causa de pedir não apreciada equivale a uma ação não julgada. Não se confundem argumentos com causa de pedir. O juiz não está mesmo obrigado a responder a todos os argumentos da parte, desde que digam respeito a uma mesma causa de pedir, já apreciada. Tecnicamente, os argumentos são os fatos não-essenciais, acessórios á causa de pedir.

A adequada motivação é fator de legitimação da decisão jurisdicional como ato do Estado e exerce papel fundamental na missão pacificadora atribuída ao Poder Judiciário.

Portanto, é hora de separar a verdade do mito. A contrapartida da liberdade de julgar é a adequada motivação, que não é definida discricionariamente pelo Juiz, mas decorre da CF/88 (clique aqui) e das leis processuais às quais, aqui sim, está ele inteiramente vinculado.

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*Advogada, sócia do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados









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