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Obrigatoriedade de pagamento das faturas de consumo mesmo diante do seu não recebimento

É crescente o número de demandas em que os consumidores, valendo-se da inversão do ônus da prova, tentam esquivar-se do pagamento das faturas de serviço, alegando, para tanto, seu não recebimento. E o pior é que, não raramente, vêm obtendo julgamentos favoráveis, fundados no frágil entendimento de que o fornecedor não teria comprovado a efetiva entrega das faturas questionadas.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Atualizado em 4 de setembro de 2009 10:36


Obrigatoriedade de pagamento das faturas de consumo mesmo diante do seu não recebimento

Eduardo Macedo Leitão *

É crescente o número de demandas em que os consumidores, valendo-se da inversão do ônus da prova, tentam esquivar-se do pagamento das faturas de serviço, alegando, para tanto, seu não recebimento. E o pior é que, não raramente, vêm obtendo julgamentos favoráveis, fundados no frágil entendimento de que o fornecedor não teria comprovado a efetiva entrega das faturas questionadas.

O primeiro aspecto a ser observado é que, para enviarem faturas aos consumidores, a esmagadora maioria dos fornecedores utiliza-se dos serviços da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, cuja eficiência é pública e notória, logo independe de prova, nos termos do artigo 334, I do CPC (clique aqui), o que afasta a verossimilhança da alegação de não recebimento.

Outro aspecto a ser levado em consideração é que o modelo de correspondência em que são enviadas as faturas não contém aviso de recebimento, não só por razões práticas, como econômicas, pois a exigência do Aviso de Recebimento oneraria o sistema de faturamento, o que recairia sobre o próprio valor final do serviço e, por via de consequência, sobre os consumidores.

Não se pode olvidar que, mesmo contando com a eficiência dos Correios, as empresas disponibilizam outras formas de emissão imediata da segunda via das faturas, tais como a entrega em postos de atendimento, em lojas próprias e conveniadas, pela Internet, por fax e até mesmo a informação do código de barras para pagamento bancário. Logo, não há que se falar em vulnerabilidade ou hipossuficiência dos consumidores nesse tocante.

No plano do direito material, cumpre esclarecer que o pagamento é a principal contraprestação do consumidor e decorre do próprio fornecimento em si - e não da emissão das faturas. Nesse ponto, merece transcrição a lição de Sílvio de Salvo Venosa, ao discorrer sobre as obrigações das partes em tal modalidade contratual: "Ao fornecido cabe inicialmente pagar o preço e receber as coisas na quantidade e qualidade contratadas".1

Consciente da data de vencimento de suas faturas, não pode o consumidor esquivar-se do pagamento pelo fato de não as ter recebido, se efetivamente houve fornecimento. A boa-fé objetiva impõe-lhe procurar uma das sobreditas formas de obtenção da segunda via do título. Se assim não procede, dando causa a eventuais interrupções do serviço e/ou apontamento de seus nomes em cadastros restritivos ao crédito, os danos daí decorrentes devem ser imputados à própria vítima, na medida em que sua conduta negligente configura a causa adequada do resultado danoso.

Esse vem sendo o entendimento mais sensato dos Tribunais, conforme se observa nos acórdãos cujas ementas seguem abaixo:

"Ação pelo rito sumário. Telefonia fixa. Alegação de não recebimento de faturas para pagamento. Posterior remessa para pagamento em data única. Apelante que sabia da obrigação de pagamento e permaneceu inerte, mesmo diante da ausência de solução administrativa do problema. Possibilidade de obtenção de segunda via por outros meios em cumprimento ao princípio da boa-fé objetiva. Ausência de ato ilícito praticado pela apelada. Inexistência de litigância de má-fé. Recurso parcialmente provido".2

"RESPONSABILIDADE CIVIL. CARTÃO DE CRÉDITO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. Alegação de inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. Elementos de prova constantes dos autos que apontam se encontrar o autor em mora em relação a débito de cartão de crédito. A alegação de não recebimento da fatura de cartão de crédito pelo consumidor não o exime da responsabilidade de efetuar o pagamento do débito no vencimento, sendo possível fazê-lo, ordinariamente, através de pagamento avulso. Ato ilícito não configurado. Pedidos improcedentes. Sentença reformada, em parte e tão-somente para determinar que a execução da verba honorária fique suspensa nos termos do artigo 12 da lei 1.060/50 (clique aqui). Provimento parcial do recurso".3

"Indenização - Danos morais - Apontamento do débito no SPC - Ausência de abusividade - Adimplemento não comprovado - Não recebimento da fatura que não exonera do pagamento o usuário do cartão de crédito - Previsão contratual - Alegada falta de comunicação prévia da inscrição que não pode ser atribuída ao credor - Improcedência mantida - Recurso não provido."4

"PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA - O consumidor não tem direito à indenização se deixa de pagar as contas mensais por quase um ano, aguardando o recebimento das faturas - Na pior das hipóteses, poderia extrair as segundas vias eletronicamente - Corte no fornecimento de energia elétrica - Apelo improvido".5

"ENERGIA ELÉTRICA - CONTAS DE CONSUMO - ALEGAÇÃO DE NÃO RECEBIMENTO DAS FATURAS - DANO MORAL - NÃO RECONHECIMENTO - RECURSO PROVIDO. Não é aceitável que os consumidores deixem de pagar as contas mensais mediante a singela alegação de que não receberam as respectivas faturas. Tal raciocínio não se admite, sob pena de se colocar em risco a sobrevivência da concessionária". "Só caracteriza dano moral, passível de ressarcimento, a prática de ato que acarrete sofrimento intenso e profundo. Simples aborrecimento decorrente de fatos normais na vida diária, como os conflitos rotineiros, não comportam reparação."6

"INDENIZATÓRIA. PARCELAMENTO DO DÉBITO JUNTO A EMPRESA DE TELEFONIA. PAGAMENTO DA PARCELA COM ATRASO. INADIMPLEMENTO DO PARCELAMENTO. SUSPENSÃO DO SERVIÇO PRESTADO. ALEGAÇÃO DE RECEBIMENTO DA FATURA EM ATRASO, DECORRENTE DA GREVE DOS CORREIOS. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. 1. A greve dos correios não justifica o pagamento feito em atraso, diante das diversas formas de pagamento na atualidade. Inclusive, a própria autora, posteriormente, o fez mediante solicitação de boleto avulso. 2. A suspensão do serviço está suficientemente justificada em face da ausência de pagamento do débito no vencimento. 3. Não se vislumbra, diante dos elementos constantes nos autos, situação que tenha gerado abalo moral à autora. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. RECURSO NÃO PROVIDO".7

"RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ENERGIA ELÉTRICA. SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO. ALEGAÇÃO DE NÃO RECEBIMENTO DA FATURA, EM DECORRÊNCIA DA GREVE DOS CORREIOS. LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO DA EMPRESA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. O consumidor que alega expressamente não ter recebido a fatura referente ao consumo de energia elétrica e que não procurou a empresa demandada para o adimplemento da dívida, não pode levantar a responsabilidade objetiva da ré por supostos danos pelo corte no fornecimento de energia elétrica, ao qual ele mesmo deu causa. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO".8

"Ação de indenização. Dano moral. Contrato de prestação de serviços. Empresa de telefonia celular. Aalegação de que os bloquetos para pagamento somente teriam sido recebidos após a data de vencimento, por equívoco da ré. Bloqueio do telefone celular que decorreu da situação de inadimplência. Ausência de dano moral passível de indenização. Autora que jamais demonstrou qualquer erro na postagem das correspondências que evidenciasse o propalado recebimento dos bloquetos para pagamento após a data de vencimento. Diante do não recebimento da fatura na data do vencimento, certamente a autora poderia ter entrado em contato com a ré e solicitado outro doc. para realizar o pagamento, inclusive via internet. Certo apenas a existência do não-pagamento e do bloqueio da linha subseqüente. o bloqueio do telefone celular, por si só, não é capaz de gerar presunção de dano moral passível de indenização. Hipótese dos autos em que, visivelmente, a parte autora tenta potencializar os fatos. Ação improcedente. Precedentes da corte. Apelo desprovido".9

"APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AUSÊNCIA DE ENVIO DE FATURA TELEFÔNICA. MERO DISSABOR QUE PODERIA TER SIDO EVITADO COM A MÍNIMA DILIGÊNCIA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. APELO IMPROVIDO. 1. A autora, consumidora, tem interesse em receber sua conta telefônica, a fim de cotejar as ligações efetuadas com débito que está lhe sendo cobrado. Ademais, tal interesse poderia ensejar, ainda, a propositura de uma ação de exibição de documentos, razão pela qual, em princípio, de falta de interesse não padece o feito, pelo menos não a ponto de ensejar sua extinção por esse motivo. Assim, afastado o motivo que levou a extinção do feito, entendo possível adentrar no mérito da demanda, aplicando-se o disposto no art. 515, § 3º, do CPC, com a nova redação que lhe deu a lei 10.352, de 26/12/2001 (clique aqui), pois se trata de questão predominantemente de direito, desnecessária a produção de outras provas. 2. Entretanto, o não recebimento da fatura telefônica, no máximo, acarreta um aborrecimento, enquadrável tão-somente como mero dissabor, que não é suficiente para a configuração de dano moral e a consequente concessão de reparação sob este título. APELO PROVIDO PARCIALMENTE. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE".10

Conclui-se, portanto, que não se pode responsabilizar o fornecedor que interrompe o serviço e/ou insere o nome do consumidor nos cadastros restritivos ao crédito pelo não pagamento de fatura pretensamente não recebida, não só por ter o primeiro agido em exercício regular de direito, amparado pelo artigo 188, I do Código Civil (clique aqui), como por ter havido culpa exclusiva do segundo, nos termos do artigo 14, § 3º, II do CDC (clique aqui).

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1 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie, 3.ª ed. - São Paulo: Atlas, 2003, p. 506.

2 TJ/RJ - 15.ª Câmara Cível - Apelação Cível 09/22552, rel. Des. Helda Lima Meireles, j. 19/5/09.

3 TJ/RJ - 17.ª Câmara Cível - Apelação Cível 08/36562, rel. Des. Maria Inês da Penha Gaspar, j. 17/7/08.

4 TJ/SP - 15.ª Câmara de Direito Privado - Apelação 7305050300, rel. Des. Edgard Jorge Lauand, j. 17/3/09.

5 TJ/SP - 35.ª Câmara de Direito Privado - Apelação 1030269002, rel. Des. José Malerbi, j. 23/3/09.

6 TJ/SP - 26.ª Câmara de Direito Privado - Apelação 980063000, rel. Des. Renato Sartorelli, j. 3/3/09

7 TR/RS - 1.ª Turma Recursal Cível - Recurso Cível 71001826593, rel. Luís Francisco Franco, j. 2/7/09.

8 TJ/RS - 1.ª Turma Recursal Cível - Recurso Cível 71001967132, rel. Vivian Cristina Angonese Spengler, j. 25/6/09.

9 TJ/RS - 6.ª Câmara Cível - Apelação Cível 70019354224, rel. Des. José Aquino Flores de Camargo, j. 10/7/08.

10 TJ/RS - 10.ª Câmara Cível - Apelação Cível 70021398136, rel. Des. Luiz Ary Vessini de Lima, j. 26/6/08.

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*Advogado do setor de Juizados Especiais Cíveis e Relação de Consumo do escritório Siqueira Castro Advogados










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