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O diálogo entre a corda e o pescoço

Ao salgar por inteiro a terra por onde germinou, floresceu e deu frutos a lei 5.250/67, o STF mandou para o limbo princípios e regras de garantia da liberdade de informação, dos direitos da personalidade e dos regimes penal e civil mais benignos para a atividade jornalística.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Atualizado em 13 de maio de 2009 14:14


O diálogo entre a corda e o pescoço

René Ariel Dotti*

Ao salgar por inteiro a terra por onde germinou, floresceu e deu frutos a lei 5.250/67 (clique aqui), o STF mandou para o limbo princípios e regras de garantia da liberdade de informação, dos direitos da personalidade e dos regimes penal e civil mais benignos para a atividade jornalística. O ministro Marco Aurélio perguntou a si mesmo em que país estava vivendo quando a maioria da Corte leu no §1º do art. 220 da Constituição (clique aqui) ("nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística (...)"), a proibição para legislar nesse domínio, embora ampliando o arco de proteção das liberdades de informação e de comunicação social.

O ministro Gilmar Mendes apelou, sem êxito, pela manutenção de regras mínimas para o exercício do direito de resposta cuja ausência provocará geralmente, o "desequilíbrio de armas" entre o veículo ofensor e a pessoa ofendida. Embora ainda insuficientes, elas têm sido observadas no cotidiano judicial e extrajudicial há quase meio século. O art. 5º, V, da Constituição Federal, que assegura o direito de resposta proporcional ao agravo, não é autoexecutável, como foi decidido. Na ausência de regras próprias e indispensáveis a vítima do abuso ficará à mercê dos sicários da honra e sujeita a um esquisito diálogo entre a corda e o pescoço, na liturgia do enforcamento moral. É um truísmo afirmar que a lei 5.250/67 continha dispositivos que não foram recepcionados pela Carta Política de 1988. Justamente por isso, nunca foram aplicados pelos juízes e tribunais, como a censura de espetáculos e diversões e a apreensão de impressos por ordem do Ministro da Justiça. Mas, ao repudiar de cambulhada disposições mais favoráveis que as previstas pelos códigos penal, processual penal e civil, a Suprema Corte instaurou o hiato de legalidade e o regime de insegurança jurídica.

O confronto entre o diploma especial descartado e a legislação criminal comum, revela prejuízos para a plena liberdade de informação em geral e para os jornalistas em especial. Basta verificar, entre muitas hipóteses, as causas de exclusão de ilicitude penal e civil e os prazos de prescrição. Aquelas, mais amplas; estes, mais curtos. A vassourada no "lixo autoritário" varreu garantias de imunidade profissional que atendem situações peculiares a uma profissão cuja natureza e prática exigem tratamento jurídico próprio. A proclamação de que não existe abuso no exercício da crítica "inspirada no interesse público" (lei 5.250/67, art. 27, IV), constitui uma das muitas hipóteses de exclusão de ilicitude que não tem correspondente no Código Penal (clique aqui). Para o efeito de competência jurisdicional, o lugar do delito é o do local onde foi produzida a matéria (impressão, gravação e administração da agência noticiosa) e não onde foram produzidos os efeitos. Esse dispositivo jogado fora (art. 40) impedia a distribuição pelo país de milhares de processos onde as supostas vítimas teriam sofrido a repercussão do dano. É elementar que nas ações de indenização com a aplicação das regras gerais do processo civil, serão permitidas as "fogueiras de inquisição" em inúmeras comarcas, assim como ocorreu com a Folha versus a Igreja Universal do Reino de Deus.

No campo da responsabilidade civil o desastre será incomensurável. O art. 49 da lei de imprensa, fiel ao Código de 1916  (clique aqui), mantinha a regra clássica de exigir a culpa ou o dolo para a obrigação de reparar o dano. Mas já existe precedente, com base no art. 927 do novo Código Civil, estabelecendo o dever de indenizar independentemente de culpa, "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos do outro". Esta é a decisão unânime do TJ/RS, de 28.11.2007, que, valendo-se desse dispositivo, aplicou a teoria da responsabilidade objetiva e condenou a empresa jornalística pela divulgação de fotografia de residência, vinculando-a, equivocadamente, a local de prostituição e de uso de drogas (RT 870, p. 368).

Surge a tendência de fazer do jornalismo uma atividade de risco para autorizar indenizações de grande valor financeiro. Isso é péssimo para a liberdade e a democracia.

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*Foi relator do anteprojeto de lei de imprensa elaborado por comissão da OAB (1991). Advogado do Escritório Professor René Dotti









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