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Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza profere interessante palestra em Belo Horizonte/MG sobre Direito Diamantino

Em palestra proferida no Rotary Club Belo Horizonte, em Minas Gerais, pelo prof. Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza, editor Adjunto da Editora Del Rey, o professor discursou sobre o "Direito Diamantino" que : "teve moeda própria, justiça (?) própria, governo "sui generis", tributos especiais, uma como que constituição própria a lhe reger os destinos, e fronteiras bem vivas que o isolavam dentro do país das Gerais".

Da Redação

domingo, 21 de março de 2010

Atualizado em 19 de março de 2010 08:50


Direito Diamantino

Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza profere interessante palestra em Belo Horizonte/MG sobre o Direito Diamantino

Em palestra proferida no Rotary Club Belo Horizonte, em Minas Gerais, o prof. Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza, editor Adjunto da Editora Del Rey, discursou sobre o "Direito Diamantino".

  • Confira abaixo o discurso.

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O DIREITO DIAMANTINO

Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza1

Honrado pelo convite para falar nesta noite rotariana, trago aqui, bem condensado, um ensaio que escrevi para a Universidade do Minho, em Portugal.

1. O Distrito Diamantino

Venho falar das Terras Diamantinas, de suas riquezas e, natural e consequentemente, de seus tributos.

Fora da jurisdição da Junta Real da Fazenda de Minas Gerais ficava o Distrito Diamantino, como um feudo legal e administrativamente separado, governado pelos titulares dos contratos de diamante. As terras dos diamantes, que abrangiam o Arraial do Tejuco (hoje Diamantina), a Vila do Príncipe (hoje Serro) e toda a extensa área da antiga Comarca do Serro Frio, formavam uma "ilha" dentro da Capitania de Minas. A "Intendência dos Diamantes, com território autônomo e sede no Tejuco, estava diretamente subordinada à Diretoria dos Diamantes, repartição do Erário Régio por sua vez dependente da Secretaria do Reino".

2. A Descoberta dos Diamantes

Naturalmente, o arraial do Tejuco e as povoações vizinhas surgiram em função da busca do ouro. Isto no fim do século XVII e bem no início dos anos setecentos. As riquezas das minas auríferas da região atraíram grande número de pessoas, que ali se estabeleceram com suas famílias, obtendo do Guarda-Mor da Vila do Príncipe (Serro) licenças para a sua exploração, mediante o pagamento dos tributos vigentes. Vigia, então, o Quinto, cobrado nas Casas de Fundição, constituindo forma de imposto direto, pois os quintos seriam deduzidos do ouro produzido. Por essa época é que surgiram os primeiros diamantes. Menciona-se a data de 1729 como a do descobrimento das preciosas pedras porque, nesse ano, foi baixada uma portaria de D. Lourenço de Almeida, Governador da Capitania, mandando suspender todas as minerações de ouro nas terras diamantinas.

Quando a notícia do descoberto diamantino na Comarca do Serro Frio chegou ao reino, o fato foi comemorado com inusitada alegria.

3. A Faiscação Livre

Usando da competência que lhe foi atribuída, D. Lourenço abriu as terras diamantinas à faiscagem, estabelecendo imediatamente o imposto da capitação de 5$000 por cada cabeça de escravo que fosse empregado nesta modalidade de mineração. Em 1730, baixava-se, assim, o primeiro Regimento Diamantino, já eivado do despotismo e da tirania que pesariam sobre a gente desse distrito, formada de portugueses e brasileiros.

Tais medidas e tal processo de tributação, por serem fáceis de se burlar, não desencorajavam os mineradores que, afeitos ao caráter aleatório da faiscação, resolveram se arriscar na sorte do "jogo". Turbas de aventureiros, com seus escravos, vieram do norte e do sul do país. E, mesmo do reino, onde a possibilidade de riqueza era o comentário geral, vieram famílias inteiras.

Ora, tal tributação prévia e exorbitante aliada ao provimento que determinava a expulsão de todos os negros, mulatos e mulatas forros da Comarca do Serro, impediam (e este era o intuito) qualquer atividade mineradora. Aos pobres era impossível a mineração por lhes faltarem recursos para a arrematação e aos ricos idem, já que nem de braços para o trabalho poderiam dispor.

Na Corte, planejava-se a extração dos diamantes por conta da Coroa. Planos e planos se sucederam e aqui os diamantes brotavam da terra, iniciando a era de prosperidade e de luxo que caracterizaria a lendária Diamantina.

4. A Intendência e a Demarcação

Os regimentos e os decretos vigentes já não eram suficientes para regular os negócios relativos aos diamantes. Além disso, a riqueza atrai o luxo, e este, quase sempre, leva aos desregramentos. Ao redor do Tejuco começaram a surgir povoações movimentadas. A população regional aumentava sem que a autoridade pudesse controlar. Tumultos, abusos, contrabandos, lesões ao fisco. O Ouvidor-Geral da Vila do Príncipe era a única autoridade que tomava conhecimento direto desses crimes, contravenções e desmandos e o extenso território da Comarca do Serro Frio não lhe permitia a presença e a ação em todas as áreas que as reclamavam. De Vila Rica, o Conde de Galveias procurava com bandos enérgicos controlar a situação. Um deles, datado de 1733, merece transcrito por seu estilo e por bem caracterizar os costumes da época nas terras dos diamantes. É o seguinte:

"Devendo-se atender mais, que a nenhuma outra cousa, a evitar pelos meios possíveis as ofensas de Deus e com especialidade os pecados públicos, que com tanta soltura correm desenfreadamente no Arraial do Tejuco, pelo grande número de mulheres desonestas, que habitam no mesmo arraial com vida tão dissoluta e escandalosa, que não se contentando de andarem com cadeiras e serpentinas acompanhadas de escravos, se atrevem irreverentes a entrar na casa de Deus com vestidos ricos e pomposos, e totalmente alheios e impróprios de sua condição; - e não se podendo dissimular por todas as leis divinas e humanas, sem um grave escrúpulo de consciência dos que governam, o castigo de gente tão abominável, que se deve reputar como contágio dos povos, e estrago dos bons costumes; - mando que toda a mulher de qualquer estado e condição que seja, que viver escandalosamente, seja notificada, para que em oito dias saia para fora de toda a Comarca do Serro do Frio; e quando o não execute no dito termo, será presa e confiscada em tudo quando se lhe achar;..."

Apesar de todos os bandos, os abusos grassavam por todas as bandas do arraial. Falsificavam-se bilhetes de matrículas de escravos, fundia-se clandestinamente o ouro, a vigilância dos Dragões era burlada e o descaminho de pedras aumentava. Urgia uma administração local e especial, que deveria se sediar no Tejuco. E assim foi criada, no fim de 1734, a Intendência dos Diamantes. Para primeiro intendente foi nomeado o Desembargador Rafael Pires Pardinho. Pardinho tratou logo do primeiro passo para o estabelecimento de sua autoridade especial e absoluta: a demarcação do distrito diamantino. Criava-se uma "ilha administrativa" dentro da Capitania de Minas. Um autêntico enclave.

Daí para a frente, o próprio Governador da Capitania viria ao Tejuco somente em visitas protocolares, como um governante visita um seu colega. As decisões da Corte com relação aos diamantes passariam a vir diretamente de Lisboa para a autoridade diamantinense. Por sua vez, as súplicas dos aflitos moradores do distrito também eram endereçadas diretamente ao Rei.

Concluída a demarcação, veio a proibição da mineração em todo o território. Era uma pausa para se estudar que processo se deveria adotar para maior lucro da Real Fazenda. A proibição era severa e ai de quem fosse encontrado com um só "olho-de-mosquito" (pedra pequenina) em seu poder.

Abriu-se uma devassa geral, os cartórios abarrotaram-se de processos (o problema é antigo, pois) e a abjeta arte de denunciar proliferou. Explica-se: é que os "dedos-duros" de então participavam das multas e dos confiscos cobrados pela Fazenda Real. E os escravos que denunciassem o seu senhor seriam libertados em nome de Sua Majestade, além da parte que lhes competisse no confisco. Delação premiada...

Em 1735, o então Governador Freire de Andrade veio ao Tejuco, por ordem do Rei, para conferenciar com o Intendente sobre o melhor método de se tributar a atividade diamantífera, ou se seria mais conveniente para a Fazenda Real que a extração se fizesse por contrato com alguma companhia.

5. Os Contratos

Decidiu-se pelos contratos de arrematação.

Ali, no Tejuco, o processo foi seguido com peculiaridades singularíssimas, como veremos adiante.

Surgiu lá a figura feudal do CONTRATADOR DE DIAMANTES que, ao lado do INTENDENTE, formaria a dupla de autoridades do Distrito.

Sucederam-se os contratos: o terceiro foi o do infeliz Felisberto Caldeira Brant, que, após o fausto, caiu em desgraça com a Fazenda Real, visto que, contente com a imensa riqueza que lhe vinha dos diamantes, descuidou-se dos garimpeiros (que exerciam a mineração furtiva) e dos contrabandistas, sendo ele próprio acusado desses descaminhos. Para culminar a sua má sorte, o cofre da Intendência foi assaltado em circunstâncias misteriosas. Felisberto acabou preso e, acorrentado, foi enviado ao Rio de Janeiro e daí mandado para Lisboa. (Seu neto e homônimo viria a ser o célebre Marquês de Barbacena, ministro de D. Pedro I, tão importante na história luso-brasileira).

Enquanto aqui nas Minas Gerais o infortúnio atingia Caldeira Brant, em Lisboa a sorte do reino mudava. D. João V morrera em 1750 e ao trono português subira seu filho, o inexperiente D. José I, de 36 anos de idade. Com ele e maior que ele, surgia a figura de Sebastião José de Carvalho e Mello, o futuro e polêmico Marquês de Pombal. Mal preparava seus planos de reforma que visavam o soerguimento do reino combalido pelos gastos excessivos do rei devasso, Carvalho e Mello viu Lisboa se desmoronar pela força do incrível terremoto, que a fez tremer de 1755 a 1760. Pombal dirige seus olhos percucientes para o Brasil, onde brilhava o ouro e cintilava o diamante, riquezas capazes de equilibrar os pratos da balança lusitana. Tratou logo de reestruturar o sistema tributário português, instalando em Lisboa, no ano de 1761, a nova Real Fazenda.

Na prorrogação do quinto contrato, de João Fernandes de Oliveira, foi incluído João Fernandes de Oliveira (filho), que se tornaria célebre, mais tarde, com a sua "Chica-que-manda".

E é ele próprio, o Desembargador João Fernandes de Oliveira (filho) que vai arrematar o sexto contrato de diamantes. O mais longo e o último dos contratos. Foi a época de esplendor do Tejuco, de Chica da Silva, de seu castelo, do lago com o navio, vida de luxo e prestígio. João Fernandes, bem sucedido no empreendimento, tornou-se rico como um nababo oriental e poderoso como um príncipe medieval. A influência e o poder de decisão que o Contratador chegou a ter começaram a preocupar a Coroa. Os seus excessos, principalmente com os caprichos da amante, que até uma igreja lhe pediu (a Igreja do Carmo), eram alvo de críticas (e de inveja) em Lisboa. Pombal sabia de tudo e não aprovava, mas não quis entrar em choque direto com o poderoso Desembargador, humilhando-o em seu feudo, como fora feito com o pobre Felisberto Caldeira Brant. O habilidoso Carvalho e Mello, ao invés de tomar qualquer medida violenta para com João Fernandes nos seus próprios domínios, diplomaticamente convocou-o a Lisboa. E lá na Corte, Pombal participou ao Desembargador o seu fim como Contratador e o fim da própria era dos contratos. A título de multa por infrações cometidas contra cláusulas do contrato, impôs-lhe o tributo de onze milhões de cruzados! Apesar de tão grande, a importância não chegou a abalar a imensa fortuna de João Fernandes, que morreu em Lisboa em 1799, deixando estabelecido o rico Morgado do Grijó, cujo primeiro administrador foi seu filho João Fernandes de Oliveira (neto), filho também de Chica da Silva...

6. A Real Extração e o "Livro da Capa Verde"

Findo o último contrato em dezembro de 1771, começou a extração dos diamantes a ser feita por conta direta da Fazenda Real. A este novo sistema foi dado o nome de Real Extração. O arraial transformou-se no que hoje chamaríamos de cidade-empresa e o seu instrumento de governo, verdadeira constituição, passou a ser o Regimento Diamantino, elaborado em 2 de agosto de 1771, sob flagrante influência pombalina, e publicado no Tejuco em janeiro de 1772. O único exemplar do dito regimento chegou à Intendência Diamantina impresso in folio e encadernado em capa de couro verde. Daí ter ficado conhecido na história como o Livro da Capa Verde, de terrível memória. Em seus 54 artigos estava compilado o que havia de mais severo nos regimentos, decretos e bandos anteriores. Só destacarei, nesta palestra, os dispositivos mais curiosos do terrível documento.

Pelo art. X, ficou estabelecido que todas as pessoas residentes no Serro Frio e Terras Diamantinas deveriam ter "bilhetes de permanência", caso esta permanência fosse aprovada pelas novas autoridades. Do contrário, deveriam se retirar das referidas terras em quinze dias, sob pena de prisão no Rio de Janeiro. É de se ver as relações diretas do Distrito com o Rio de Janeiro, sem passar por Vila Rica.

No art. XI, vê-se que vendedores, comboieiros e cobradores de fora só teriam 24 horas de permanência no território.

O art. XIII dispõe que os "despejos" de indesejados se fizessem "pelo menos para fora da Comarca", porque a experiência havia mostrado que os que ficavam nas vizinhanças, continuavam perturbando a ordem do Arraial do Tejuco.

O art. XV dá competência, em única instância, à Junta Diamantina para julgar os casos de despejos, excluindo-se qualquer outra jurisdição, sem apelação, agravo ou recurso algum, que não fosse diretamente para a Real Pessoa do Monarca.

O art. XXX permite a busca em casas e pessoas, sem mandado, pelos soldados dos Destacamentos de Dragões ou de Pedestres. A cavalaria e a infantaria tornavam-se, assim, oficiais de justiça. Casas e pessoas brasileiras e portuguesas!

O art. XXXI introduz o terror das denúncias anônimas. Bastava que o delator escrevesse, numa folha de papel, a descrição do fato e das circunstâncias, sem ser necessário assiná-lo. Este papel era entregue pessoalmente ao Intendente ou aos Caixas, que o datavam e assinavam, legalizando o documento. O denunciado era confiscado e o denunciante recebia sua parte do confisco e, se escravo, delatando o amo, podia ser até libertado em nome de El-Rei.

O art. LIII reforça o art. XV, estabelecendo que o Intendente-Geral seria Juiz Conservador da administração e de todos que achassem empregados nela; e, como Juiz Privativo de todas as suas causas, poderia avocá-las ao seu juízo, não obstante quaisquer exceções declinatórias ou privilégios, que em contrário pudessem alegar as partes interessadas. Este artigo, já por si significativo na organização diamantina, ainda foi ampliado por um alvará de 23 de maio de 1772, que evidencia de sobejo a singularidade do "direito diamantino".

Se chamamos o "Livro de Capa Verde" de constituição diamantina, este alvará foi sua primeira emenda. Diz ele textualmente: "Sou servido ampliar o art. 53 do Regimento de 2 de agosto de 1771 a todos os habitantes das terras diamantinas, para que as questões, que entre eles houver, sejam sentenciadas pelo Intendente sumária, verbalmente e de plano, pela verdade sabida e sem figura alguma de juízo, sendo ouvido o Fiscal nas causas de valor de 100$000 ou daí para cima, para cujos efeitos derrogo e hei por derrogadas todas as Ordenações, leis e disposições de direito em contrário, como de todas e de cada uma fizesse especial menção".

Os procedimentos judiciais estavam suspensos e por essa razão, proibiu-se no Distrito o exercício da advocacia! Melhor aqui transcrever, sem comentários, o trecho do citado alvará sobre tal proibição:

"Sou servido proibir que dentro do distrito das terras diamantinas possa residir bacharel algum formado, debaixo das penas de ser remetido à sua custa ao Rio de Janeiro e de seis meses de cadeia debaixo de chave nas prisões daquela Relação. Excluo porém os que forem naturais das referidas terras, contanto que nelas não exercitem a advocacia, porque exercitando-a incorrerão nas sobreditas penas". O Decreto-Real é de D. José I, o Absolutista...

Só em 1821, com a adoção da Monarquia Constitucional pelo Reino Português, o Livro da Capa Verde seria definitiva e totalmente revogado, sendo queimado em praça pública, entre festejos populares.

7. Os Bilhetes de Extração

Resta ainda falar rapidamente em um instituto característico da época diamantina. É ele o bilhete de extração.

A Real Extração tinha, para fazer face às suas despesas, a quantia anual de 500.000 cruzados, que lhe enviava a Junta da Fazenda. Quando faltavam os fundos necessários à compra de mantimentos, ao aluguel de escravos e ao ordenado de empregados, eram emitidos os Bilhetes da Extração. Eles vinham impressos em talões, diretamente de Lisboa. Tais bilhetes passaram a constituir moeda circulante no Distrito Diamantino, com aceitação geral. Com o declínio do filão diamantino e a obstinação dos contrabandistas, sucedeu não serem pagos os bilhetes na época prevista para sua apresentação e mesmo depois dela. Surgiram então os cambistas, que compravam bilhetes vencidos com grandes descontos, para, em seguida, resgatá-los, através de favores, pelo valor real. (Qualquer semelhança com precatórios não é mera coincidência...).

À medida que o Século XVIII chegava a seu fim e, com ele, também o fim do absolutismo no mundo influenciado pela revolução anglo-franco-americana, acontece aqui nas Minas o declínio do ouro e dos diamantes. A volumosa legislação pombalina relativa às minas de ouro e diamantes do Brasil e a sua reorganização das finanças da Coroa no órgão centralizado do Real Erário não produziram os resultados esperados. A Real Extração, abandonada pelo Governo, que lhe não mandava os fundos necessários, foi "definhando à míngua". Travava-se a luta entre a Administração e o Tesouro: "este pedindo diamantes e aquela dinheiro para extraí-los".

8. O Mundo Diamantino (Conclusão)

Assim foi o Distrito Diamantino: teve moeda própria, justiça (?) própria, governo "sui generis", tributos especiais, uma como que constituição própria a lhe reger os destinos, e fronteiras bem vivas que o isolavam dentro do País das Gerais.

O mundo diamantino teve sua história que, embora mineira, se destaca na história da Capitania, de resto, toda ela variada e rica. É que ali, onde hoje está Diamantina, com suas serestas e vesperatas, criou-se uma gente diferente. Gente amante do luxo e das festas e impregnada do sentido lúdico da vida, já que no caráter aleatório da extração vale mais o acaso do que o trabalho pertinaz e rotineiro. Gente, ao mesmo tempo, rebelde de uma rebeldia também peculiar: os diamantinenses promoviam, através do contrabando obstinado, a revogação das leis que lhes eram pesadas e vexatórias. Bailes, sedas, brindes cantados, pompas religiosas, reclamações, gemidos de presos, brilho de pedras, brilho nos olhos, fogo no coração, fogo nos acampamentos furtivos, lamento de escravos, risadas de "Chicas-que-mandavam", delações premiadas, moeda própria, representações violentas dirigidas diretamente ao Monarca, frieza nos festejos oficiais e espontaneidade nas comemorações improvisadas a cada derrota sofrida pelo absolutismo reinol.

O povo do Tejuco só exerceria o seu primeiro ato oficial de soberania um século depois, no ano de 1821, em suas primeiras eleições paroquiais. No mesmo ano, como já relatado, D. João VI jurava a Constituição Portuguesa e no Tejuco queimava-se o "Livro da Capa Verde". Nova era começava no "Distrito dos Diamantes". Pouco tempo depois, em 1822, o "Grito do Ipiranga", menos pelo grito do que por suas consequências, "devolvia" o Tejuco a Minas Gerais, e o batizava com nome de mulher, Diamantina. E hoje, Fernando Brant, o poeta diamantinense, com seus versos excelentes, retrata bem o que ia e o que vai na alma dos tejucanos:

"E o povo põe de lado a sua dor
Pelas ruas capistranas de toda cor
Esquece a sua paixão
Para viver a do Senhor."

Rotary Club BH

Belo Horizonte, 17 de março de 2010

[1] Professor de Teoria do Estado, Membro da Academia Mineira de Letras, da Academia Mineira de Letras Jurídicas, da Academia Mineira de Direito Militar e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Oficial da Ordem do Infante Dom Henrique, de Portugal. Membro honorário do Rotary Club Belo Horizonte.

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