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OAB/RJ quer reabertura da investigação de carta-bomba que matou Lyda Monteiro

Passados 30 anos da explosão da bomba na sede da Ordem dos Advogados do OAB em plena ditadura militar, o presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, pediu a reabertura do inquérito para apurar quem ordenou e executou o atentado dirigido ao então presidente da entidade, Eduardo Seabra Fagundes, e que acabou por vitimar sua secretária, Lyda Monteiro, cuja morte foi lembrada hojeno dia 27/8 em ato público na sede da OAB/RJ.

Da Redação

domingo, 29 de agosto de 2010

Atualizado em 27 de agosto de 2010 20:47


Investigação

OAB/RJ quer reabertura da investigação de carta-bomba que matou Lyda Monteiro

Passados 30 anos da explosão da bomba na sede da Ordem dos Advogados do OAB em plena ditadura militar, o presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, pediu a reabertura do inquérito para apurar quem ordenou e executou o atentado dirigido ao então presidente da entidade, Eduardo Seabra Fagundes, e que acabou por vitimar sua secretária, Lyda Monteiro, cuja morte foi lembrada hojeno dia 27/8 em ato público na sede da OAB/RJ. "É nosso dever e a OAB jamais deixou de cumprir com os seus deveres. Espero que o Judiciário cumpra com o seu, apure as responsabilidades e puna os culpados".

Em seu discurso, proferido na presença do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, de advogados, presidentes de Seccionais da OAB, familiares de Lyda e autoridades do Executivo, Damous ressaltou que até hoje os estilhaços da bomba que vitimou Lyda Monteiro atigem e incomodam a sociedade. "Seu estrondo nos sacode a cada dia em que esse crime bárbaro, esse ato de terror praticado por agentes dos órgãos de repressão vinculados ao aparato do DOI-Codi, não for completamente esclarecido", afirmou.

  • Íntegra do discurso do presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, no ato público :

"Às 13:40h de um dia como outro qualquer, uma secretária de uma entidade de classe abre uma carta, expediente destinado ao seu Chefe, o Presidente da entidade. Um expediente comezinho, desses que por suas mãos já deveriam ter passado aos borbotões, talvez centenas ou quiçá milhares, comum à rotina do cargo. E o que de excepcional poderia acontecer na execução de procedimento tão banal? Que destinos poderiam ser afetados, que significados mais elevados poderiam advir do simples gesto de se abrir uma correspondência? Absolutamente nada haveria a ser dito a respeito, desde que aquele ato tão prosaico não tivesse sido praticado por Dona Lyda Monteiro, secretária do Presidente do Conselho Federal da OAB - naquela época sedidado no Rio de Janeiro - Eduardo Seabra Fagundes, às 13:40h do dia 27 de agosto de 1980. Desde que o trivial não tivesse sido levado a efeito aqui nesta Casa, quartel general dos que combatiam ferrenhamente a ditadura mililitar, dos que pugnavam pelo estabelecimento do Estado Democrático de Direito, dos que denunciavam torturas, desparecimentos, dos que queriam a Anistia ampla e irrestrita, dos que jamais sossegariam - e não sessegamos - enquanto a verdade sobre os descalabros ocorridos nos anos de chumbo não fosse plenamente conhecida e divulgada para toda a sociedade.

Naquele tempo, em que não só as secretárias, mas um vasto contingente de profissionais, desde a classe operária e os liberais, passando pelos estudantes, intelectuais e artistas, não tinha liberdade de expressão, de opinião, de livre manifestação, forças da extrema direita, ligadas aos porões do DOI-CODI, se opunham ao processo de democratização levado às ruas pelos movimentos populares e a sociedade organizada. Avesso a debates, esse segmento obscuro tinha no terror das bombas a forma acabada de sua manifestação de descontentamento. "Era moda aquele negócio de bomba em banca de jornal", afirmou recentemente, de forma candida e descarada, um dos generais da ditadura. Não só nas bancas. A moda se estendeu até a OAB, à ABI, ao Riocentro.... onde houvesse manifestação contrária ao regime opressor que durante décadas amordaçara nosso povo, ceifando vidas nas câmaras de torturas, nos combates forjados para dissimular assassínios, exilando patriotas, lá estavam eles, os verdadeiros terroristas, emissários de um regime que agonizava mas que podia contar com o maior dos trunfos de que o transgressor pode se valer: A IMPUNIDADE!

Para nós, advogados, a consequência particular daquele modismo sordidamente mencionado pelo general foi a bomba que vitimou Dona Lyda Monteiro. Eram 13:40h do que poderia ter sido mais um dia normal de trabalho, mas a explosão proporcionada por uma carta bomba encerrou uma vida de inúmeras possibilidades. Artefato sofisticado, elaborado por conhecedores desse tipo de mecanismo, teve o elementar objetivo de frear o processo de redemocratização em curso na sociedade brasileira, cansada àquela altura das décadas de arbítrio e repressão a que fora submetida. Pretendiam eles, os agentes dos porões hoje nominalmente conhecidos, amedrontar, esvaziar os movimentos sociais cada vez mais aguerridos, assegurar o poder aos que dele tiveram profundo manejo durante os anos mais sanguinários da ditadura. Pensavam, certamente, como nos versos do saudoso Mario Lago, inesquecível combatente das causas de nosso povo, que o o homem sonha e faz seu sonho se a bomba quiser. Mas da poesia, conheciam apenas uma estrofe e não imaginavam que o homem vai fazer seu sonho porque a gente quer. E nós, que somos os advogados brasileiros e mais a sociedade toda, quisemos!

Eram 13:40h de uma quarta-feira no longínquo agosto de 1980. Um estrondo foi ouvido no país inteiro. A Ordem dos Advogados do Brasil fora atacada pela bomba do terror para que se calasse, para que deixasse de lado a busca pela verdade, as explicações para os desaparecimentos, a punição aos torturadores, a anistia aos perseguidos, a reparação aos prejudicados. Mas a OAB não se calou. Efeito contrário ao pretendido, as forças da advocacia se redobraram e a cobrança pela imediata apuração foi amplamente exigida. No mesmo passo, intensificou-se a luta para apressar o fim da ditadura e a implantação do Estado Democrático de Direito. Infelizmente, nem tudo foi conseguido. Outras bombas explodiram, sendo a mais notável aquela detonada no colo do sargento Rosário ou agente Wagner, no episódio do Riocentro em maio de 1981. Este mesmo sargente Rosário, hoje sabemos, foi avistado por parentes de Dona Lyda em seu túmulo - expiando culpas? - em dezembro daquele mesmo ano de 1980, constituindo-se em elo fundamental para que tudo, ainda que tardiamente, seja esclarecido.

Infelizmente, como acentuei, nem tudo foi conseguido. Aquela bomba, detonada às 13:40h do dia 27 de agosto de 1980, ainda ecoa até hoje e seus estilhaços nos atigem e incomodam. Seu estrondo nos sacode a cada dia em que esse crime bárbaro, esse ato de terror praticado por agentes dos órgãos de repressão vinculados ao aparato do DOI-Codi, não for completamente esclarecido. Quem ordenou? Quem executou? Onde se encontram esses funcionários de um dos aparatos da administração pública brasileira? Não podemos mais conviver sob o signo dessa conveniente ignorância. Passados 30 anos, nossas instituições democráticas sólidas, conquistadas pela luta do povo e dos democratas, com a conribuição inestimável dos advogados brasileiros liderados por sua OAB, nos permitem conhecer a verdade sobre aqueles anos terríveis, nomeando à autoria os que cometeram crimes de lesa humanidade. Exatamente hoje, uma matéria corajosa do jornal O Globo traz à luz importantíssimas e novas informações sobre o atentado à nossa OAB, delineando a rede de ligações entre os vários agentes da repressão cognominados "Wagner", "Guarani", "Doutor Diogo", todos de nomes e patentes conhecidos, e seus superiores, Coronéis Perdigão e Ary Pereira de Carvalho, figuras carimbadas das listas de notórios torturadores, e sem os quais certamente nada fariam. O que falta, então, para que a verdade prevaleça e as punições aconteçam? Com base nessas novas informações, anuncio que pediremos a reabertura do inquérito. É nosso dever e a Ordem dos Advogados do Brasil jamais deixou de cumprir com os seus deveres. Espero que o Judiciário cumpra com o seu, apure as responsabilidades e puna os culpados.

Às 13:40h de todos os dias, de todos os meses, de todos os anos uma bomba explodirá em nossas conciências democráticas até que o crime que vitimou Lyda Monteiro, o atentado que pretendeu refrear a democratização do país, seja plenamente esclarecido e a sua autoria desvendada. E quando esse dia chegar, as placas, as fotografias na parede em homenagem à Dona Lyda Monteiro deixarão de doer, como a Itabira de Drummond. Serão, isto sim, símbolos de um país que pagou caro o preço da liberdade, mas não se acovardou nem esmoreceu diante do terror, dando ao futuro o exemplo de sua determinação democrática."

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