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TJ/SP acolhe recurso de pais que não puderam honrar parcelas de financiamento por conta da grave doença do filho

O TJ/SP acolheu os embargos à execução hipotecária em um caso em que os apelantes, por motivo de grave doença de seu filho, não conseguiram cumprir as parcelas mensais devidas ao Banco ABN Amro Real S.A.

Da Redação

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Atualizado em 4 de novembro de 2010 08:23


Direito à vida

TJ/SP acolhe recurso de pais que não puderam honrar parcelas de financiamento por conta da grave doença do filho

A 11a câmara de Direito Privado do TJ/SP acolheu, em parte, embargos à execução hipotecária, dando assim provimento ao pedido dos embargantes que, por motivo de grave doença do filho, não conseguiram cumprir as parcelas mensais de um financiamento tomado numa instituição financeira.

O contrato, firmado em janeiro de 1999 para a aquisição de um imóvel, deixou de ser honrado porque o filho dos embargantes foi acometido de leucemia, vindo infelizmente a sucumbir em outubro de 2004.

Em razão do não-pagamento das mensalidades, desde junho de 2002, o banco moveu uma execução hipotecária de R$ 65.779,14, correspondente às obrigações atrasadas, juros de mora e multa contratual.

Os embargantes não negaram a dívida, mas disseram que foram baldadas as tentativas de renegociação das parcelas em aberto.

Ao fundamentar seu voto, o desembargador relator Moura Ribeiro afirma que o "exame dos autos revela o drama de uma família na tentativa desesperada de salvar a vida de seu filho acometido de grave doença, o que justifica o inadimplemente momentâneo das parcelas e o consequente afastamento da mora durante o período da moléstia".

Não se pode, segundo o relator, perder de vista que a "mora fica descaracterizada diante da ocorrência de fato de que não se pode ser imputado ao devedor, como é o caso, consoante dispõe o art. 396, do CC/02, correspondente ao art. 963 do CC/16".

Além disso, complementa o magistrado, não se pode deixar de mencionar que "o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado", conforme dispõe o art. 393 do CC (clique aqui).

Entre atender as necessidades do filho gravemente doente ou pagar o mútuo hipotecário, os pais "optaram e bem pela primeira hipótese, até porque a Constituição Federal assegura, sem nenhuma restrição ou condição, o direito à vida", pontua o relator.

Ao acompanhar integralmente o voto do relator, o desembargador revisor Gilberto dos Santos destaca que "fosse apenas por conta da letra fria da lei, seria até possível afirmar que o fato pessoal do devedor realmente não poderia ser oposto ao credor. Contudo, as regras quase sempre comportam exceções, mormente no campo do Direito, onde cada caso é único em suas particularidades e assim precisa ser considerado e resolvido".

Para o magistrado, em situações tais, a opção pelo filho "é natural, consequentemente não sendo razoável exigir conduta diversa".

"Por conseguinte, possível afirmar também que nessas hipóteses não há fato ou omissão efetivamente imputável ao devedor. E se não há, o devedor não incorre em mora", considera o revisor ao interpretar o artigo 396 do CC (clique aqui).

Segundo o desembargador, não se vê dificuldade em enquadrar a situação em discussão como "caso fortuito".

"E o caso fortuito ou de força maior serve para afastar a responsabilidade pelos prejuízos resultantes (art. 393, Código Civil), salvo quando o devedor expressamente houver por eles se responsabilizado, o que não foi o caso".

Ademais, como pontua o revisor, "não se trata de transferir ao credor o infortúnio do devedor, mas de se reconhecer a função social do contrato, pois este já não pode ser entendido apenas para realizar as pretensões individuais dos contratantes, porém como instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade".

"Além de tudo, é de se ver que a simples retirada dos juros e multa de mora nem prejudica objetivamente o credor, pois o capital deste continua a sofrer a incidência da correção monetária e dos juros remuneratórios", finaliza, para o bem da humanidade, o desembargador.

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Íntegra do acórdão

APELAÇÃO COM REVISÃO N° 991.06.054960-3

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 991.06.054960-3, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes WAGNER ANTÔNIO LOPES (JUSTIÇA GRATUITA) e ELISABETE SANTOS LOPES sendo apelado BANCO ABN AMRO REAL S/A.

ACORDAM, em 11a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "ACOLHERAM, EM PARTE, OS EMBARGOS À EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DOS DEVEDORES, COM OBSERVAÇÃO; DECLARA VOTO VENCEDOR O 2º JUIZ", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores VIEIRA DE MORAES (Presidente sem voto), GILBERTO DOS SANTOS E GIL COELHO.

São Paulo, 30 de setembro de 2010.

MOURA RIBEIRO

RELATOR

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Voto do desembargador Moura Ribeiro

VOTO N° 17.019

EMENTA: Embargos à execução hipotecária rejeitados liminarmente (art. 739, II, do CPC). Inconformismo dos embargantes firme nas teses de que (1) suportaram cerceamento de, defesa e (2) os gastos com o tratamento médico de seu filho que faleceu em virtude de leucemia ainda na juventude, foi a causa do inadimplemento - Acolhimento - Descaracterização da mora diante de fato que não pode ser imputado aos embargantes - Aplicação do art. 963, do CC/16 - Exclusão da cobrança de juros moratórios e multa contratual no período de junho/02 a outubro/04 - Sucumbência a cargo do embargado - Matéria preliminar rejeitada - Recurso parcialmente provido, com observação.

A grave doença de um filho acometido por leucemia e que em virtude dela faleceu é fato que desconcerta a vida financeira de qualquer família e serve para caracterizar o caso fortuito, permitindo o afastamento da mora dos devedores no período da moléstia.

Da sentença que rejeitou liminarmente os embargos à execução hipotecária opostos pelos devedores contra o banco credor (art. 739, II do CPC), sobreveio apelação daqueles, firme nas teses de que (1) suportaram cerceamento de defesa e (2) os gastos com o tratamento médico de seu filho que faleceu em virtude de leucemia ainda na juventude, foi a causa do inadimplemento.

Recurso isento de preparo, recebido, processado e respondido.

É o relatório.

O recurso merece provimento parcial, respeitada a convicção do d. prolator da r. sentença.

Inicialmente, fica afastada a alegação dos embargantes de que houve cerceamento de defesa porque não lhes foi dada oportunidade para se manifestarem acerca da petição de fls. 56/57 que, na verdade, apenas trouxe a justificativa do credor-embargado em não aceitar a proposta de acordo que eles formularam.

Os embargantes celebraram com o banco embargado "Instrumento Particular de Venda e Compra com Financiamento, Pacto. Adjeto de Hipoteca e Outras Avenças" aos 20/01/99 para aquisição do imóvel situado na Rua Avelino Barreiro, n° 225 e 229, no bairro de São João Clímaco, na cidade de São Paulo (fls. 19/32 da execução em apenso).

Em setembro de 2004, diante do não pagamento das parcelas mensais, o banco embargado moveu contra os devedores uma execução hipotecária dizendo-se credor da quantia de R$ 65.779,14, correspondente às obrigações em atraso, incluídos juros de mora e multa contratual, de conformidade com as planilhas de cálculos acostadas às fls. 4 e 38/46 do apenso.

Os embargantes não negaram a dívida. Todavia, sustentaram que o inadimplemento ocorreu em razão dos altos gastos que suportaram (com tratamento médico de seu filho com a leucemia nele diagnosticada e que em virtude dela veio a falecer aos 29/10/2004 com 23 anos de idade (fls. 15/37 e 47).

Alegam, ainda, que solicitaram em vão ao banco embargado a renegociação das parcelas em aberto desde junho/2002 (fl. 12).

O exame dos autos revela o drama de uma família na tentativa desesperada de salvar a vida de seu filho acometido de grave doença, o que justifica o inadimplemento momentâneo das parcelas e o conseqüente afastamento da mora durante o período da moléstia.

Não se pode perder de vista que a mora fica descaracterizada diante da ocorrência de fato de que não pode ser imputado ao devedor, como é o caso dos autos, consoante dispõe o art. 396, do CC/02, correspondente ao art. 963 do CC/161.

Segundo os ensinamentos de SÍLVIO DE SALVO VENOSA, "o simples retardamento no cumprimento da obrigação, portanto, não implicará reconhecimento de mora. Nosso direito é expresso no requisito culpa. Não há dúvida quanto a isso."

Nesse sentido, já se manifestou o Col. STJ, conforme abaixo transcrito:

"Não há mora do devedor quando inexistente culpa sua, elemento exigido pelo art. 963 do CC para sua caracterização. Inexistindo mora, descabe condenar em juros moratórios e em multa" (STJ. REsp 82560-SP, Rei. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, j. 11/03/1996).

Além disso, não se pode deixar de mencionar que "o devedor não responde pelos prejuízos resultantes do caso fortuito ou força maior, se expressamente não' se houver por eles responsabilizado", conforme dispõe o art. 393, do CC/02, que corresponde ao art. 1.058, do CC/16.

Como no caso dos autos ficou caracterizada a ocorrência de caso fortuito e a ausência de culpa dos devedores para o atraso no pagamento das parcelas avençadas, não há que se lhes impor os encargos decorrentes do inadimplemento temporário (durante o período da moléstia do seu filho).

Não custa acrescentar que os contratos devem ser interpretados consoante a sua função social, como ensina RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, ao ressaltar que "o contrato tem de ser entendido não apenas como as pretensões individuais dos contratantes, mas como verdadeiro instrumento de convívio social é de preservação dos interesses da coletividade (...) Essa é apenas uma das conseqüências da nova socialidade do contrato. Além de útil, o contrato tem de ser também justo".

Resumindo juridicamente as posições aqui adotadas, vale a pena lembrar as lições de J.M. CARVALHO SANTOS para quem, apoiado na obra de Amoldo de Medeiros, o caso fortuito, ainda que comparável à força maior, para exonerar o devedor deve se referir à origem externa do obstáculo para a qual o devedor não concorreu.

E é por isso mesmo que o autor destacado, ao interpretar o art. 963, do CC/1'6 advertiu que "a culpa é essencial à constituição em mora, pois, em seu verdadeiro conceito, esta é um retardamento imputável ao devedor".

E o mesmo autor, logo em seguida sobre a mesma regra revela que em três hipóteses pôde ser que õ fato ou a omissão deixe dê ser imputável ao devedor, dentre as quais destacou a que "por ser conseqüência de caso fortuito ou de força maior, isto é, sempre que haja uma impossibilidade absoluta e objetiva da prestação para a exoneração do devedor."

Tudo está a redundar e a ter domicílio na função social do contrato que se assenta em duas bases sólidas: uma realista porque se apoia em fatos empiricamente observados na vida social; socialista, porque busca preservar a coerência dos elementos sociais.

Daí porque é possível se dizer que "toda regra jurídica imposta aos homens não se baseia no respeito e na proteção do direito individual, que não existem, e de uma manifestação de vontade individual, que 'por si mesma não produz efeito social algum, mas na solidariedade da estrutura social", como observam ARAKEN DE ASSIS, RONALDO ALVES DE ANDRADE e FRANCISCO GLAUBER PESSOA ALVES.

Por derradeiro, não se pode afirmar a mora dos devedores porque diante do elemento externo imprevisível ou acudiam as necessidades do filho doente, ou pagavam o mútuo hipotecário. Optaram e bem pela primeira hipótese, até porque a Constituição Federal assegura, sem nenhuma restrição ou condição, o " direito à vida (art. 5o, caput).

Assim, de rigor o provimento do presente recurso a fim de que sejam acolhidos os embargos à execução para afastar a mora dos embargantes no período de junho/2002 até outubro/2004 (data do óbito) de forma que sejam excluídos/dos cálculos elaborados pelo banco embargado os valores correspondentes aos juros de mora, e multa contratual.

Finalmente, diante do provimento do recurso, deverá o banco embargado arcar com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% sobre os valores excluídos e atualizados (juros de mora e multa contratual).

Nestas condições, pelo meu voto, ACOLHO os embargos à execução hipotecária e DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso dos devedores, com observação.

Moura Ribeiro

Relator

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Voto do desembargador Gilberto dos Santos

VOTO N.° 16.087 (vencedor)

Trata-se de embargos do devedor em execução por quantia certa de saldo devedor de contrato de financiamento imobiliário pela quantia de R$ 65.779,14, que foram rejeitados pela r. sentença de fls. 59/62, cujo relatório fica adotado, com a condenação dos embargantes ao pagamento das custas e honorários de advogado arbitrados em 10% do valor do débito.

Apelam os embargantes (fls. 70/78) com pedido de reforma do julgado, insistindo em que o atraso no pagamento das parcelas se deu por razões alheias e insuperáveis. O filho dos apelantes foi acometido de câncer, o que acarretou excessivos gastos e consumiu os recursos de que dispunham. Por outro lado, o apelado nunca se dispôs a qualquer composição.

Recurso regularmente processado e respondido (fls. 80/83), sustentando o apelado basicamente que "o infortúnio do devedor não pode ser transferido ao credor".

É o relatório.

Respeitado o convencimento do ilustre Juiz de primeiro grau, estou acompanhando o entendimento do Desembargador Relator e também acolho os embargos para o fim de afastar os efeitos da mora dos devedores no período da grave doença que acometeu e levou ao óbito o filho deles.

Fosse apenas por conta da letra fria da lei, seria até possível afirmar que o fato pessoal do devedor realmente não poderia ser oposto ao credor. Contudo, as regras quase sempre comportam exceção, mormente no campo do Direito, onde cada caso é único em suas particularidades e assim precisa ser considerado e resolvido.

RECASÉNS SICHES inclusive bem leciona que "uma norma jurídica é um pedaço de vida humana objetivada", razão pela qual, para compreendê-la cabalmente, "devemos analisá-la desde o ponto de vista da índole e da estrutura de vida humana" (Filosofia Del Derecho. México: Ed. Porrua, 1961, p. 108).

Pois bem, do ponto de vista da índole e da estrutura da vida humana, é fácil ver que jamais se poderá esperar que os pais prefiram dirigir seus recursos financeiros para pagar as prestações de um financiamento imobiliário, preterindo o tratamento do filho acometido de câncer.

Em situações tais, a opção pelo filho é natural, conseqüentemente não sendo razoável exigir conduta diversa. Por conseguinte, possível afirmar também que nessas hipóteses não há fato ou omissão efetivamente imputável ao devedor. E se não há, o devedor não incorre em mora.

Isso, aliás, é o que dispõe o art. 396 do Código Civil, cujo teor é o seguinte:

"Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora."

Logo, se não se trata de inadimplemento motivado por uma causa imputável ao devedor, mas decorrente de uma impossibilidade de sua parte em realizar a prestação, por um motivo estranho à sua vontade, o caso melhor se enquadra como de simples "retardamento casual". Nesse sentido leciona INOCÊNCIO GALVÃO TELES: "O retardamento casual tem, pois, como pressuposto um caso fortuito ou de força maior e a impossibilidade temporária de cumprir como sua conseqüência" (Direito das Obrigações. 7a ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1997, p. 324).

Por sua vez, não se vê dificuldade em enquadrar a situação em discussão como caso fortuito. "O fortuito deriva de fora, e mais diretamente de fortuna, entendida, porém, esta, no sentido de desgraça ou de triste acontecimento, já que o casus fortuitus juridicamente não se reputa mais um acontecimento bom e feliz, atento a que dele decorre um dano, razão pela qual o casus fortuitus é chamado no direito romano de periculu (Lei Ia, Lib. XVIII, Tít. VI)" (MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES. Curso de Direito Civil. Vol. II, 6a ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995, p. 373).

O câncer é doença das mais graves, que produz grandes sofrimentos e no mais das vezes a morte. É inegavelmente um triste acontecimento, uma desgraça, da qual apenas se pode dizer como o poeta:

"Viva, portanto, amigo. Viva, viva

de qualquer jeito, na esperança viva

de que o câncer há de morrer de câncer.

(CARLOS DRUMOND DE ANDRADE. "Versos Negros (mas nem tanto)". In Versiprosa)

A doença grave e prolongada que atingiu o filho do devedor pode perfeitamente ser havida como fato fortuito (vide CUNHA GONÇALVES, Tratado de Direito Civil, vol. IV, tomo II, p. 752). E o caso fortuito ou de força maior serve para afastar a responsabilidade pelos prejuízos resultantes (art. 393, Código Civil), salvo quando o devedor expressamente houver por eles se responsabilizado, o que não foi o caso.

De tal maneira, correta a solução dada pelo ilustre Desembargador Relator de afastar os efeitos da mora no período da doença do filho dos apelantes. Nesse sentido, aliás, é a doutrina:

"Se a causa da demora no cumprimento fosse devida a culpa do devedor, este responderia pelos danos que a mora trouxe ao credor. Não lhe sendo imputável, não responderá por tais danos; mas não ficará exonerado da obrigação, visto ser temporário ou transitório o obstáculo ao cumprimento. O efeito da impossibilidade temporária será, portanto, o de exonerar o devedor dos danos moratórios mas só enquanto a impossibilidade perdurar. (JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA. Das Obrigações em Geral. Vol. II. 7a ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 80)

Por outro lado, não se trata de transferir ao credor o infortúnio do devedor, mas de se reconhecer a função social do contrato, pois este já não pode ser entendido apenas para realizar as pretensões individuais dos contratantes, porém como instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade.

Conforme ensina MOSSET ITURRASPE: "A pessoa tem o dever social de cooperar para a consecução do bem comum, do qual, obviamente participa. A vivência dos valores da solidariedade e da cooperação, geralmente esquecida ou preterida pelos juristas, deve presidir sua atividade e marcar seu cotidiano. Isso obriga a pessoa a colaborar na realização das outras pessoas, para o qual deve também abster-se de toda ação contrária a esse propósito" (Interpretación Econômica de los Contratos. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 1994, p. 31).

Nessa esteira, como diz ANTÔNIO JEOVÁ SANTOS: "A função social do contrato obriga a todos do mundo jurídico a harmonizar o direito com a vontade de lucrar muito e mais como é próprio do sistema capitalista. Além de enxergar o contrato como instrumento jurídico, terá de observar que ele tem forte conteúdo de justiça e de utilidade" (Função Social Lesão e Onerosidade Excessiva nos Contratos. São Paulo: Método, 2002, p. 126).

Demais, diz a lei que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé (art. 422, Código Civil). Isso implica, obviamente, presente "a idéia de que entre o credor e o devedor é necessária a colaboração, um ajudando o outro na execução do contrato" (ORLANDO GOMES. Contratos. 26a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 43).

A solução pretendida pelo apelado e que busca tirar da infeliz situação todo o proveito possível por certo não condiz com esse dever de colaboração, pois ao invés de ajudar agrava ainda mais a posição dos devedores.

Além de tudo, é de se ver que a simples retirada dos juros e multa de mora nem prejudica objetivamente o credor, pois o capital deste continua a sofrer a incidência da correção monetária e dos juros remuneratórios.

Verifica-se assim que a retirada dos referidos encargos moratórios abre oportunidade para a realização da prestação, com a conseqüente preservação da relação jurídica entre as partes. Se o contrato nasce para realizar um fim, é importante tudo fazer para que esse fim seja atingido, pois como já se disse o contrato é hoje um instrumento de cooperação que deve atender aos interesses tanto das partes quanto da sociedade.

Enfim, como diz ARNOLD WALD: "(...) num mundo cada vez mais complexo, é preciso conciliar os interesses de curto, de médio e de longo prazos, que muitas vezes são contraditórios, mas que necessitam ser atendidos mediante sacrifícios proporcionais e justos, no que for possível" ("O interesse social no direito privado". In O Direito & O Tempo. Embates jurídicos e utopias contemporâneas. GUSTAVO TEPEDINO e LUIZ EDSON FACHIN (Coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 80).

Ante o exposto e pelo mais que dos autos consta, sopesadas as circunstâncias do caso em exame, acompanho integralmente o voto do Desembargador Relator.

GILBERTO DOS SANTOS

Desembargador Revisor

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