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STF - Negado seguimento a reclamação ajuizada por familiares do ex-presidente João Goulart

A RCL 10408, ajuizada por familiares do ex-presidente da República João Goulart, não obteve êxito no STF. A decisão de negar seguimento ao pedido foi da ministra Ellen Gracie, que entendeu que o tipo de ação proposta era inadequado, pois pretendia recorrer de decisões anteriores, o que não pode ser feito por meio de reclamação.

Da Redação

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Atualizado às 14:38

Decisão

STF - Negado seguimento a reclamação ajuizada por familiares do ex-presidente João Goulart

A RCL 10408, ajuizada por familiares do ex-presidente da República João Goulart, não obteve êxito no STF. A decisão de negar seguimento ao pedido foi da ministra Ellen Gracie, que entendeu que o tipo de ação proposta era inadequado, pois pretendia recorrer de decisões anteriores, o que não pode ser feito por meio de reclamação.

O caso

Os familiares ajuizaram ação de indenização por danos morais, patrimoniais e à imagem contra os Estados Unidos da América. Segundo alegam, aquele país teria contribuído decisivamente para a ocorrência do golpe militar de 1964, fornecendo suporte financeiro, logístico e bélico. O golpe depôs o então presidente da República, João Goulart. Afirmam, ainda, que a participação do Estado estrangeiro foi confirmada em livro pelo ex-embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon, o que ensejou a perseguição dos autores por militares brasileiros, causando "sofrimento de constantes ameaças de morte, de bomba, de sequestro e a completa ruína financeira".

A reclamação contesta decisão do STJ que indeferiu o pedido de concessão de efeito suspensivo em ação rescisória (que pede a anulação de uma sentença da qual não cabe mais recurso, considerada ilegal), a qual teve a finalidade de anular a decisão proferida no recurso ordinário, ajuízado naquele tribunal. O STJ, ao decidir o recurso, o deferiu para dar continuidade ao processo inicialmente proposto, porém, reconheceu a imunidade dos EUA em relação à jurisdição brasileira, e determinou que o Estado estrangeiro fosse citado para se manifestar sobre a possibilidade de renunciar à sua imunidade.

No requerimento, a família alegou que decisão do STJ "importou renúncia à jurisdição e à competência absoluta dos tribunais brasileiros".

Para a ministra Ellen Gracie "a via estreita da reclamação (artigo 102, I, alínea L da CF/88 clique aqui) pressupõe a ocorrência de usurpação de competência originária do STF, a desobediência a súmula vinculante ou o descumprimento de decisão desta Corte". Por observar que não houve tais ocorrências, a ministra negou seguimento à reclamação, ficando prejudicado o pedido de medida liminar.

Confira abaixo a decisão na íntegra.

______________

Trata-se de Reclamação ajuizada por Maria Thereza Fontella Goulart, João Vicente Fontella Goulart e Denise Fontella Goulart, com fundamento no art. 102, I, l, da Constituição Federal contra decisão proferida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, nos autos da Ação Rescisória STJ 4.449/RJ (2010/0055183-4).

A decisão impugnada indeferiu pedido de concessão de efeito suspensivo na ação rescisória, a qual teve por finalidade rescindir acórdão proferido no Recurso Ordinário STJ 57/RJ (2007/0081639-4), que reformou sentença de extinção sem julgamento do mérito prolatada no processo 2003.51.01.014335-9, cujo trâmite ocorre na 10ª Vara da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, e determinou o retorno dos autos à vara de origem, com ordem de se realizar a intimação do réu para consulta sobre eventual renúncia à sua imunidade de jurisdição.

Diz o reclamante que a decisão reclamada importa renúncia de jurisdição e de competência absolutas dos tribunais brasileiros, suprimindo o direito constitucional de reparação de danos, o devido processo legal, o acesso à tutela jurisdicional e o exercício da cidadania.

Aduz que o Poder Judiciário pátrio somente poderia pronunciar-se sobre a imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro após sua regular citação e desde que suscitada pelo réu. Afirma que a classificação dos atos praticados pelo réu como "atos de império" pelo Poder Judiciário brasileiro retira do réu a prerrogativa de alegar imunidade absoluta de jurisdição, ferindo o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Discorre longamente sobre a definição de "atos de império" defendendo a impropriedade de se classificar como tais os atos praticados pelos agentes do estado estrangeiro, bem como a possibilidade de se apurar a responsabilidade civil pelos danos decorrentes desses atos.

Por fim, requer a procedência da presente reclamação para reformar a decisão proferida na Ação Rescisória STJ 4.449/RJ (2010/0055183-4) e determinar a citação do réu no processo 2003.51.01.014335-9, "em defesa das garantias constitucionais dos direitos dos autores à reparação de danos, acesso à tutela jurisdicional e devido processo legal; e ao direito do réu quanto ao contraditório e a mais ampla defesa; e da ordem pública, pelas inconstitucionais renúncias de competência e de jurisdição sobre a questão".

Requisitaram-se informações, que foram devidamente prestadas pelo Ministro João Otávio de Noronha.

A via estreita da reclamação (Constituição, art. 102, I, l) pressupõe a ocorrência de usurpação de competência originária do Supremo Tribunal Federal, a desobediência a súmula vinculante ou o descumprimento de decisão desta Corte proferida no exercício de controle abstrato de constitucionalidade ou em controle difuso, desde que neste último caso cuide-se da mesma relação jurídica em apreço na reclamação e das mesmas partes.

Logo, seu objeto é e só pode ser a verificação de uma dessas estritas hipóteses, razão pela qual considero necessário o máximo rigor na verificação dos pressupostos específicos da reclamação constitucional, sob pena de seu desvirtuamento.

Observe-se, de início, que não houve usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal no julgamento da decisão ora impugnada.

Eventual ofensa à Constituição Federal ou a Emenda Constitucional superveniente não se insere entre as causas de admissibilidade da reclamação. Nesse sentido foram as decisões proferidas nas Reclamações 3.953/SP, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 1º.02.2006; e 8.662/GO, rel. Min. Cezar Peluso, DJe 13.10.2009.

É dizer, a reclamação não é via adequada para o controle de constitucionalidade de atos e normas, conforme se manifestou o Plenário desta Suprema Corte ao julgar a Reclamação 5.310/MT, rel. Min. Cármen Lúcia, em acórdão de cuja ementa extraio o seguinte trecho:

 "(...)

Reclamação: via inadequada para o controle de constitucionalidade. 6. Reclamação julgada improcedente." (DJe 16.5.2008).

Saliente-se que não se alega na presente reclamação ofensa à autoridade de decisão alguma desta Corte proferida no exercício de controle abstrato de constitucionalidade.

Constata-se, também, no pedido deduzido pelos reclamantes, nítida existência de caráter recursal infringente, e por essa razão não merece acolhida porque a reclamação não pode ser utilizada como sucedâneo de recursos ou ações cabíveis, conforme reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Reclamações 603/RJ, rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ 12.02.1999; 968/DF, rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, DJ 29.6.2001; 2.933-MC/MA, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 14.3.2005; 2.959/PA, rel. Min. Ayres Britto, DJ 09.02.2005).

Assevere-se, por fim, que no julgamento da Reclamação 6.534-AgR/MA, Plenário, o relator, Ministro Celso de Mello, consignou que o "remédio constitucional da reclamação não pode ser utilizado como um (inadmissível) atalho processual destinado a permitir, por razões de caráter meramente pragmático, a submissão imediata do litígio ao exame direto do Supremo Tribunal Federal" (DJ 17.10.2008).

Ante o exposto, com fundamento nos arts. 38 da Lei 8.038/1990; e 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento à presente reclamação, ficando prejudicado o pedido de medida liminar.

Publique-se.

Brasília, 16 de novembro de 2010.

Ministra Ellen Gracie

Relatora

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