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TJ/SC - Estado não pode ser responsabilizado por furto de carro em Zona Azul

Um casal que teve seu veículo furtado enquanto estacionado em vaga da chamada "Zona Azul", em Navegantes, terá mesmo que arcar com o prejuízo. A 3ª Câmara de Direito Público do TJ/SC, em matéria relatada pelo desembargador Luiz Cézar Medeiros, manteve sentença da comarca local que considerou improcedente o pedido de indenização por danos morais e materiais.

Da Redação

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Atualizado às 09:27


Responsabilidade

TJ/SC - Estado não pode ser responsabilizado por furto de carro em Zona Azul

Um casal que teve seu veículo furtado enquanto estacionado em vaga da chamada "Zona Azul", em Navegantes, terá mesmo que arcar com o prejuízo. A 3ª Câmara de Direito Público do TJ/SC, em matéria relatada pelo desembargador Luiz Cézar Medeiros, manteve sentença da comarca local que considerou improcedente o pedido de indenização por danos morais e materiais.

Segundo o relator da matéria no TJ, o contrato de estacionamento de veículos nas áreas conhecidas como "Zona Azul" não gera a responsabilidade de guarda e vigilância do Poder Público, ou mesmo da empresa concessionária autorizada a explorar o serviço.

"Trata-se de simples locação de espaço público com a finalidade de controlar o estacionamento de veículos nos centros urbanos, proporcionando uma maior rotatividade das vagas e, por conseqüência, o atendimento de interesse público específico", anotou o desembargador.

Para ele, a realidade atual não permite ao Estado arcar com todo e qualquer prejuízo experimentado pelo cidadão. "O Poder Público simplesmente não dispõe de recursos suficientes para evitar todo e qualquer dano. Fosse tal razoável, prevaleceria a suposição de que toda e qualquer infração penal devesse ser obstada, sob pena de responsabilização do ente público", concluiu. A decisão foi unânime.

  • Processo : Apelação Cível 2010.072480-2 - clique aqui.

Veja abaixo a íntegra do acórdão.

_____________

Apelação Cível n. 2010.072480-2, de Navegantes

Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros

CIVIL - FURTO DE VEÍCULO - ESTACIONAMENTO ROTATIVO DENOMINADO "ZONA AZUL" - LOCAÇÃO DE ESPAÇO PÚBLICO - OBRIGAÇÃO DE GUARDA E VIGILÂNCIA - INOCORRÊNCIA.

1 O contrato de estacionamento de veículo nas áreas denominadas "zona azul" não gera a responsabilidade de guarda e vigilância do Poder Público ou da empresa concessionária.

Trata-se de simples locação de espaço público com a finalidade de controlar o estacionamento de veículos nos centros urbanos, proporcionando uma maior rotatividade das vagas e, por conseqüência, o atendimento de interesse público específico.

2 Não demonstrado o dever de guarda e vigilância dos veículos encontrados em via pública, bem assim a culpa do Poder Público, é de ser afastada a sua responsabilidade pelos danos resultantes do infortúnio.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2010.072480-2, da Comarca de Navegantes (2ª Vara), em que são apelantes Rosenaldo Moraes da Silva e outro e apelado o Município de Navegantes:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

Rosenaldo Moraes da Silva e Marilei Rosa Cordeiro ajuizaram ação indenizatória em face do Município de Navegantes, alegando, em síntese, que o seu veículo foi furtado em "zona azul", em frente à Prefeitura Municipal, razão pela qual a Administração do Município de Navegantes deveria reparar o seu prejuízo material, além do abalo moral, uma vez o estacionamento foi cobrado e havia uma guarita com um segurança que realizava a cobrança da tarifa da "zona azul".

Em julgamento antecipado, o Meritíssimo Juiz rejeitou a pretensão deduzida na inicial.

Retira-se da parte dispositiva da sentença:

"Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial formulado por Rosenaldo Moraes da Silva e Marilei Rosa Cordeiro em desfavor do Município de Navegantes, todos qualificados nos autos, resolvendo o mérito nos termos do art. 269, I, do CPC.

"Custas e honorários, que fixo em R$1.000,00, a teor do art. 20, 4, do CPC, pelos autores, ressalvada a gratuidade de justiça deferida nos autos.

"P. R. I.

"Certificado o trânsito em julgado, arquive-se" (fls. 48/55).

Irresignados, o autores apelaram. Em seu recurso, afirmaram que "o estacionamento onde foi deixado o automóvel é disponibilizado pela Prefeitura, não em via pública, mas nas entrâncias do Paço Municipal" e que "a Prefeitura, como forma de cobrança por esse estacionamento, obriga a quem quer estacionar lá dentro ao pagamento por hora, que é recibada na guarita que controla a entrada e a saída de veículos do estacionamento" (fls. 60/61). Postularam a reforma total da sentença.

Ofertadas as contrarrazões, ascenderam os autos.

VOTO

1 Cuida-se de pedido de indenização por danos materiais e morais decorrentes de furto de automóvel.

Ao que consta dos autos, o veículo dos autores foi furtado quando se encontrava na "zona azul", em estacionamento aberto em frente à Prefeitura do Município de Navegantes. No local havia uma guarita com uma pessoa que cobrava a tarifa da "zona azul". Nesse passo, os requerentes pretendem receber indenização do Município requerido, sob o argumento de que a responsabilidade pela guarda dos carros deveria recair sobre a Administração Municipal, pois o estacionamento pertencia ao Município e era efetuada cobrança pela vaga.

Pois bem.

2 Ab initio, importa dizer que o caso não pode ser enfrentado com base no Código de Defesa do Consumidor. Ao contrário do que alegam os insurgentes, não há relação de consumo na hipótese vertente. Não há prestação de serviço, mas unicamente locação de espaço público.

Desse modo, como o apelo dos autores não diz respeito a problemas com a locação propriamente dita, mas sim a defeito no serviço que acredita ter contratado, a questão deve ser deslindada com base na responsabilidade civil, à luz dos princípios e normas de direito administrativo.

Vale ressaltar que a hipótese é de responsabilidade subjetiva, pois os prejuízos são atribuídos a comportamento omissivo do ente público, consistente na falta de segurança e vigilância no local em que se encontrava o veículo furtado.

Na lição de Rui Stoco, "consiste a responsabilidade subjetiva na obrigação do Estado em indenizar em razão de um procedimento contrário ao Direito, de natureza culposa ou dolosa, traduzido por um dano causado a outrem, ou em deixar de impedi-lo, quando deveria assim proceder. [...] Em resumo, a ausência do serviço causada pelo seu funcionamento defeituoso, até mesmo pelo retardamento, é quantum satis para configurar a responsabilidade do Estado pelos danos daí decorrentes em desfavor dos administrados" (Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 504).

Sobre a responsabilidade subjetiva do Estado, colhe-se ilustrativo precedente do Supremo Tribunal Federal:

"CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: MORTE DE PRESIDIÁRIO POR OUTRO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FAUTE DE SERVICE. C.F., art. 37, § 6º.

"I - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa.

"II - Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público.

"III - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses.

"IV - Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service" (STF, Segunda Turma, RE 179147/SP, Min. Carlos Veloso).

Outro não é o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello:

"

Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de se aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.

"Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva" (Curso de Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 895-896).

O citado doutrinador defende a idéia de que para configurar a responsabilidade estatal não basta a simples relação entre ausência do serviço (omissão estatal) e o dano sofrido. Afirma ele, "cumpre que haja algo mais: a culpa por negligência, imprudência ou imperícia no serviço, ensejadoras do dano, ou então o dolo, intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado atuar e fazê-lo segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar ao evento lesivo. Em uma palavra: é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível" (Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 896).

A professora Lúcia Valle Figueiredo também se afina com a citada lição: "No tocante aos atos ilícitos decorrentes de omissão, devemos admitir que a responsabilidade só poderá ser inculcada ao Estado se houver prova de culpa ou dolo do funcionário. Esta é a posição do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello e do ilustre, querido e saudoso mestre Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (Princípios Gerais de Direito Administrativo, v. 2/486 e 487; também Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso cit., pp. 447-451). Deveras ainda que consagre o texto constitucional a esponsabilidade objetiva, não há como se verificar a adequabilidade da imputação ao Estado na hipótese de omissão, a não ser pela teoria subjetiva. Assim é porque, para se configurar a responsabilidade estatal pelos danos causados, há de se verificar (na hipótese de omissão) se era de se esperar a atuação do Estado. Em outro falar: se o Estado omitiu-se, há de se perquirir se havia o dever de agir. Ou, então, se a ação estatal teria sido defeituosa a ponto de se caracterizar insuficiência da prestação de serviço. Não há como provar a omissão do Estado sem antes provar que houve 'faute de service'. É dizer, não ter funcionado o serviço, ter funcionado mal ou tardiamente" (Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 172).

Outros precedentes confortam a tese em comento:

"RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - Instituição financeira. Fiscalização. A responsabilidade do Estado por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, assim sendo, é, necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia. O Banco Central tem a obrigação legal de proteger o público, intervindo nas instituições que, por má administração, estejam sujeitando seus credores, a 'riscos' (art. 2º, I, da L. 6.024/74) ou até decretando a liquidação extrajudicial das empresas que estejam com a sua situação econômica ou financeira comprometida, com isso expondo os seus clientes a 'riscos anormais' (art. 15, I, a, b e c, L. 6.024/74)" [TRF 4ª R. - AC 95.04.60816-7 - RS - 4ª T. - Rel. p/o Ac. Juiz Amir José F. Sarti - DJU 06.05.1998].

"RESPONSABILIDADE CIVIL - ATO OMISSIVO DO ESTADO - MODALIDADE DE CULPA SUBJETIVA - SUICÍDIO - PESSOA RECOLHIDA À CADEIA - ESTADO DE ÂNIMO DA VÍTIMA - AUSÊNCIA DE PROVA - RECURSO IMPROVIDO. Nos casos de omissão por parte do Estado, a responsabilidade é Gabinete Des. Luiz Cézar Medeiros considerada subjetiva. Cumpre, portanto, àquele que sofreu os efeitos do fato danoso demonstrar que a Administração, através de seus agentes, incorreu em uma das modalidades de culpa - negligência, imprudência ou imperícia" (AC n. 1999.0021117-3, Des. Luiz Cézar Medeiros).

Na linha do enunciado do Supremo Tribunal Federal, ensina o civilista Rui Stoco:

"

O incomparável Celso Antônio resume com maestria a questão: 'A responsabilidade por omissão é responsabilidade por comportamento ilícito. E é responsabilidade por omissão subjetiva, porquanto supõe dolo ou culpa em suas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência, embora possa tratar-se de uma culpa não individualizável na pessoa de tal ou qual funcionário, mas atribuída ao serviço estatal genericamente. É a culpa anônima ou 'faute de service' dos franceses, entre nós traduzida por 'falta de serviço'. É dispensável localizar-se no Estado, quem especificamente descumpriu o dever de agir, omitindo-se propositadamente ou apenas por incúria, por imprudência, ou por negligenciar a obrigação de atuar tempestivamente. Cumpre-se tão só que o Estado estivesse obrigado a certa prestação e faltasse a ela, por descaso, por imperícia ou por desatenção no cumprir seus deveres, para que desponte a responsabilidade pública em caso de omissão' (RT 552/14)" (Responsabilidade Civil e Sua Interpretação Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 320).

Consoante esse mesmo entendimento, preleciona Toshio Mukai:

"O comportamento omissivo do agente público, desde que deflagrador primário do dano praticado por terceiro, é a causa e não simples condição do evento danoso. Portanto, há que se examinar, em cada caso concreto, se o evento danoso teve como causa a omissão grave do representante do Estado; se teve, a responsabilidade subjetiva do Estado (por culpa

in omitendo) aparece" (Responsabilidade Solidária da Administração por danos ao meio ambiente, palestra no II Simpósio Estadual de Direito Ambiental, 11 a 13.11.87, Curitiba).

Em precedente que consoa com os argumentos até aqui expendidos, o Superior Tribunal de Justiça sufragou:

"Afastada a teorização do extremado risco integral ou do risco administrativo, não é possível amoldar-se a obrigação de indenizar, se a lesividade teria ocorrido por omissão, que pode condicionar sua ocorrência, mas não a causou. Assim, se a indenização, no caso, só poderia ser inculcada com a prova de culpa ou dolo (responsabilidade subjetiva), hipóteses descogitadas no julgado, inaceitável a acenada responsabilidade objetiva.

"Sim, a foco da omissão, advindo danos, então, serão imputáveis a terceiros, porque a causa lesiva é outra. Como predito, a omissão teria condicionado sua ocorrência, mas não a causou, de conseguinte, descogitando-se da responsabilidade objetiva 'por omissão', não estando pautado no julgado o comportamento comissivo, de vez que, sem ele, repita-se, não haverá causa. Nesse toar, não podendo esse alguém responder pelo que não fez, por essa ordem de idéias, como a omissão supõe dolo ou culpa, em tese, almodar-se-ia a responsabilidade subjetiva" (REsp n. 43.102, Min. Milton Luiz Pereira).

É novamente Celso Antônio Bandeira de Mello quem afirma:

"

Em face do texto constitucional brasileiro, de conseguinte, há previsão de responsabilidade objetiva do Estado, mas, para que ocorra, cumpre que os danos ensejadores de reparação hajam sido causados por agentes públicos. Se não forem eles os causadores, se incorreram em omissão e adveio dano para terceiros, a causa lesiva é outra: não decorre do comportamento dos agentes. Terá sido propiciada por eles. A omissão haverá condicionado sua ocorrência, mas não - a causou -. Donde não há cogitar, neste caso, da responsabilidade objetiva" (Curso de Direito Administrativo, São Paulo: 1993, Malheiros, 4 ed., p. 447-451).

O Ministro Franciulli Netto, a respeito do tema, obtempera:

"'Não há resposta a priori quanto ao que seria o padrão normal tipificador da obrigação a que estaria legalmente adstrito. Cabe indicar, no entanto, que a normalidade da eficiência há de ser apurada em função do meio social, do estágio de desenvolvimento tecnológico, cultural, econômico e da conjuntura da época, isto é, das possibilidades reais médias dentro do ambiente em que se produziu o fato danoso' (Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., loc. cit.)" (REsp n. 418.713/SP, Data da Decisão 20/05/2003).

Conclui-se, pois, que o Poder Público responde subjetivamente por comportamentos omissivos de seus prepostos, devendo restar caracterizada, além da omissão, dos danos e do nexo de causalidade, a culpa do agente público ou a culpa anônima do serviço público.

3 O caso vertente trata de furto de veículo em estacionamento denominado "zona azul". O Decreto Municipal n. 309/2001, que regulamenta a Lei Municipal n. 1.355/2000, a qual autoriza o Executivo do Município de Navegantes a estabelecer nos bens públicos de uso comum do povo estacionamento regulamentado de veículos, disciplina:

"Art. 1º. Pelo presente Decreto, fica regulamentada a Lei n. 1.355, de 18 de dezembro de 2000, a qual estabelece normas para o funcionamento do estacionamento rotativo.

"[...]

"Art. 9º. Ao Município de Navegantes não caberá, em nenhuma hipótese, responsabilidade indenizatória por acidente, danos, furtos ou prejuízos que os veículos ou seus usuários possam vir a sofrer nas áreas determinadas por este Decreto" (sem grifos no original).

Forçoso concluir que a Municipalidade não pode ser responsabilizada pelos danos experimentados pelos autores.

Ora, não é difícil antever que a realidade atual não permite ao Estado arcar com todo e qualquer prejuízo experimentado pelo cidadão. O Poder Público simplesmente não dispõe de recursos suficientes para evitar todo e qualquer dano.

Fosse tal razoável, prevaleceria a suposição de que toda e qualquer infração penal devesse ser obstada, sob pena de responsabilização do ente público.

Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, essa conclusão conduziria a absurdos. "É que, em princípio, cumpre ao estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local público, o lesado poderia sempre argüir que o 'serviço não funcionou' ", e buscar a reparação dos prejuízos (Curso de Direito Administrativo. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 874).

Segundo o doutrinador, exigir que o Estado seja responsabilizado por todo e qualquer evento danoso equivale a erigi-lo à categoria de "segurador universal", o que, em última análise, significa a aplicação pura e simples da teoria do risco integral.

Veja-se, pois, que não se pode alegar falha do serviço público relacionado à segurança de pessoas e bens.

A bem da verdade, nem a empresa administradora do estacionamento poderia ser responsabilizada.

O contrato entabulado entre a Administração Municipal e a empresa é de locação de espaço público. Exigir garantia contra furtos ou outros incidentes seria ilógico e irrazoável ante a desproporcionalidade entre o preço cobrado e o benefício esperado.

Demais disso, não só a lei regulamentadora como a própria essência da avença tácita afastam essa garantia e, portanto, aniquilam a pretensão do demandante. O sistema de estacionamento denominado "zona azul" ou "área azul" visa essencialmente a rotatividade dos veículos nos centros urbanos, não sendo diferente no Município de Navegantes.

Da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul extrai-se elucidativo precedente:

"APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO DE VEÍCULO. INDENIZAÇÃO POSTULADA PERANTE A PERMISSIONÁRIA DOS SERVIÇOS QUE VISTORIAM A 'ZONA AZUL'.

Os funcionários da empresa a quem foi concedido o serviço de vigilância da 'zona azul', ou 'área azul' têm, entre suas atribuições, somente fiscalizar o uso correto e adequado, do pagamento correspondente ao período em que se utiliza do estacionamento nas vias e logradouros públicos. Por evidente que não sucedem as milícias civis e militares nas atribuições específicas do dever de vigilância e segurança aos munícipes para lhes impor o dever de indenizar furto de veículos em via pública.

APELO IMPROVIDO".

E desta Corte de Justiça:

"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - FURTO DE VEÍCULO EM ESTACIONAMENTO DENOMINADO "ZONA AZUL" - LEI QUE AFASTA EXPRESSAMENTE O DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA POR PARTE DA CONCESSIONÁRIA - AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO CARTÃO JARAGUÁ COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA - CARTÃO JOINVILLE - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO.

"As 'zonas azuis' não configuram estacionamentos fechados explorados pelo Município, não estando presente o dever de guarda e vigilância e, por conseguinte, a responsabilidade por eventuais danos causados aos veículos.

"A remuneração paga pelos usuários objetiva apenas suportar os custos do serviço prestado e a fiscalização exercida pelos monitores visa garantir o uso rotativo do estacionamento em via pública, visando à conferência do 'ticket', para verificação do tempo de permanência máxima dos veículos estacionados (AC n. 2010.053038-4, Des. Sérgio Roberto Baasch Luz).

Diante disso, não há como albergar o pedido de reforma da sentença. O ente municipal não pode ser responsabilizado pelo furto, pois a lei e o contrato o isentam dessa obrigação.

4 Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, por votação unânime, negaram provimento ao recurso.

O julgamento, realizado no dia 25 de janeiro de 2011, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Pedro Manoel Abreu, com voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargador Luiz Cézar Medeiros, Desembargador Newton Trisotto e Desembargador Pedro Manoel Abreu.

Florianópolis, 26 de janeiro de 2011.

Luiz Cézar Medeiros

RELATOR

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