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STJ admite revisão de cláusula contratual em ação consignatória

A ação consignatória pode comportar também a revisão de cláusulas contratuais. Essa é a orientação jurisprudencial do STJ em ações que envolvem a cumulação dos pedidos. Com base nesse entendimento, a 4ª turma rejeitou parcialmente recurso especial de uma construtora imobiliária que alegava a inviabilidade da ação consignatória para a revisão de cláusulas contratuais. De acordo com o relator do recurso, ministro Aldir Passarinho Junior, a Corte tem admitido tal possibilidade quando as parcelas são referentes ao mesmo negócio jurídico.

Da Redação

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Atualizado às 15:36

Contratos

STJ admite revisão de cláusula contratual em ação consignatória

A ação consignatória pode comportar também a revisão de cláusulas contratuais. Essa é a orientação jurisprudencial do STJ em ações que envolvem a cumulação dos pedidos. Com base nesse entendimento, a 4ª turma rejeitou parcialmente recurso especial de uma construtora imobiliária que alegava a inviabilidade da ação consignatória para a revisão de cláusulas contratuais. De acordo com o relator do recurso, ministro Aldir Passarinho Junior, a Corte tem admitido tal possibilidade quando as parcelas são referentes ao mesmo negócio jurídico.

A construtora se opunha a acórdão do TJ/RJ que reconheceu a viabilidade da cumulação e deu ganho de causa aos autores da ação. Na ação consignatória, dois consumidores pediam a revisão das cláusulas contratuais referentes ao reajuste das parcelas do financiamento imobiliário. Além disso, ingressaram com cautelar incidental requerendo a imediata entrega das chaves e a assinatura da escritura definitiva do imóvel.

No recurso especial, a construtora alegou violação ao CPC (clique aqui) e a inexistência de acessoriedade e provisoriedade da cautelar, que seria autônoma e com finalidade diferente da ação principal. Também destacou que os autores estavam inadimplentes e não poderiam ter sido contemplados com a entrega das chaves e a escritura definitiva da compra e venda.

Os consumidores buscavam a escritura definitiva de imóvel adquirido no Condomínio dos Bourbons, no Rio de Janeiro - um apartamento financiado em agosto de 1999, com previsão de entrega para junho de 2001. Deram um sinal e ajustaram o pagamento restante de três parcelas, já calculados os juros nominais de 12% ao ano, conforme a Tabela Price. Segundo os compradores, a construtora teria se recusado a receber antecipadamente a última parcela, com vencimento previsto para junho de 2001.

Diante disso, os compradores requereram a expedição de guia de depósito da importância a ser paga na data antecipada. Para isso, basearam-se no artigo 51 do CDC (clique aqui) e na portaria 3 da Secretaria de Direito Econômico, que considera abusiva cláusula que estipule a utilização expressa, ou não, de juros capitalizados nos contratos civis e a incidência de juros antes da entrega das chaves no contrato de compra e venda.

Na discussão em juízo, o contador judicial calculou o pagamento antecipado com base nas cláusulas contratuais e considerando a exclusão dos juros capitalizados antes da entrega das chaves. Houve uma diferença entre o valor depositado pelos consumidores e o cálculo realizado pelo contador judicial. Os compradores requereram, então, a complementação do depósito, mas o requerimento não foi apreciado, nem o depósito da diferença efetuado.

Segundo o ministro Aldir Passarinho Junior, tal fato não justifica a improcedência da ação, uma vez que se trata de pequena diferença. Além disso, quando a sentença verificar que o depósito foi insuficiente, deve determinar, sempre que possível, o valor do montante devido que terá validade de título executivo. "Se na espécie dos autos o valor depositado foi insuficiente, porém próximo daquele reconhecido como devido, a diferença não acarreta a improcedência, mas a procedência parcial e a transformação do saldo sentenciado em título executivo", diz o voto.

Com relação à ação cautelar, a Turma entendeu que ela foi proposta como uma espécie de segunda lide principal ou como complementação dos pedidos da primeira. Os ministros consideraram que ela seria uma ação inteiramente autônoma de imissão de posse no imóvel. De acordo com o relator, mesmo que a cautelar fosse aceita, ela seria improcedente, pois os compradores não efetuaram o pagamento da diferença. "A condição para a entrega das chaves e a assinatura da escritura definitiva de compra e venda estaria, obviamente, vinculada à quitação do preço total devido, o que não ocorreu", explica o ministro.

O recurso especial da construtora foi aceito em relação à improcedência da cautelar, mas negado quanto à ação consignatória, que foi julgada parcialmente procedente, sendo que o saldo remanescente será transformado em título executivo.

Confira abaixo a decisão na íntegra.

____________

RECURSO ESPECIAL Nº 645.756 - RJ (2004/0034354-1)

RELATOR : MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR

RECORRENTE : ATLÂNTICA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/A

ADVOGADO : SÉRGIO MACHADO TERRA E OUTRO(S)

RECORRIDO : WAGNER BELLEI E OUTRO

ADVOGADO : LUIZ NEPOMUCENO COSTA FILHO E OUTRO

EMENTA

CIVIL E PROCESSUAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AÇÃO CONSIGNATÓRIA. REVISÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL TIDA COMO ABUSIVA. POSSIBILIDADE. MEDIDA CAUTELAR INCIDENTAL. PRETENSÃO DE RECEBIMENTO DAS CHAVES DO IMÓVEL E LAVRATURA DE ESCRITURA DEFINITIVA. OBJETO AUTÔNOMO E NÃO ACESSÓRIO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. DEPÓSITO INSUFICIENTE. PROVIMENTO PARCIAL DA CONSIGNATÓRIA. EXTINÇÃO DO FEITO CAUTELAR. CPC, ART. 267, VI.

I. Possível a revisão de cláusulas contratuais no bojo da ação consignatória, consoante a orientação processual do STJ.

II. Procedência, todavia, apenas parcial da consignatória, quando, uma vez extirpada a cláusula considerada abusiva, ainda remanesce saldo devedor, que, na forma do art. 899, parágrafo 1º, do CPC, pode ser executado nos próprios autos.

III. Descabido o uso da medida cautelar incidental para a postulação de pretensões autônomas em relação à ação de consignação, como a entrega das chaves do imóvel e a assinatura de escritura definitiva de compra e venda, sem o caráter de acessoriedade próprio dessa via processual, aqui indevidamente utilizada pela parte autora como espécie de uma segunda lide principal ou complementar da originariamente ajuizada.

IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido, para extinguir a medida cautelar nos termos do art. 267, VI, do CPC, e julgar procedente apenas em parte a ação consignatória, redimensionados os ônus sucumbenciais.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR:

Atlântica Empreendimentos Imobiliários S/A interpõe, pela letra "a" do art. 105, III, da Constituição Federal, recurso especial contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado (fls. 228/229):

"AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO DA ÚLTIMA PARCELA DO PREÇO DO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA E AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL.

Sentença que julgou procedentes os pedidos formulados em ambos os feitos: na Consignatória, para declarar extinta a obrigação, condenando a ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa; na Cautelar, para determinar à ré que efetue a entrega das chaves do imóvel no prazo de quinze dias, sob pena do pagamento de multa diária de R$ 2.000,00.

Não obstante a divergência ainda existente a respeito dos limites da ação consignatória, o entendimento jurisprudencial dominante, inclusive no Egrégio Superior Tribunal de Justiça, é no sentido do cabimento de discussão a respeito de cláusulas contratuais que impliquem na verificação da exatidão do depósito.

Ante o disposto no artigo 899, § 2º, do Código de Processo Civil, a pequena diferença verificada entre o valor depositado e o apurado pelo Contador não constitui óbice à procedência do pedido da Ação Consignatória, ficando desde logo reconhecido o saldo como crédito da ré.

Demonstrados o fumus boni iuris e o periculum in mora, impõe-se a procedência da Ação Cautelar.

Rejeição das preliminares de inadequação da ação consignatória e de impossibilidade jurídica do pedido na ação cautelar e desprovimento dos recursos interpostos em ambas as ações, ficando reconhecido o saldo de 12.554,7683 UFIR como crédito da ré/apelante."

Sustenta a recorrente que os autores ingressaram com ação consignatória para que, por via imprópria, fossem revisadas cláusulas contratuais sobre o reajuste das parcelas do financiamento contratado; que também ingressaram com cautelar incidental com objeto ainda mais amplo, qual seja, a imediata entrega das chaves e a assinatura da escritura definitiva independente do pagamento integral do preço do imóvel e demais encargos incidentes; que, inobstante isso, as ações foram julgadas procedentes.

Aduz que o acórdão violou os arts. 890 e 796 do CPC, por inadequação absoluta das vias eleitas, seja por incabível a discussão de cláusulas pela via consignatória, seja, distinguindo "interpretação" de "revisão", por inexistir, em relação à cautelar, acessoriedade e provisoriedade, contendo a pretensão fim autônomo e suscitação de matéria diversa da que seria a lide principal.

Diz, mais, que também restou contrariado o art. 899 do mesmo Código de Ritos, porquanto o depósito era insuficiente e, apesar disso, ao invés de se determinar o montante devido e valer a diferença como título executivo, deu-se pela procedência da ação.

Por fim, aponta infringência ao art. 1.092 do Código Civil anterior, eis que se os autores eram inadimplentes, não poderiam lograr êxito na ação cautelar incidental em que exigiam a entrega das chaves e a celebração da escritura definitiva de compra e venda.

Contrarrazões às fls. 267/276, destacando a possibilidade de revisão de cláusulas contratuais na espécie, consoante permitido pela jurisprudência, e no caso, a discussão cingiu-se aos juros aplicados pela ré sobre a quarta e última parcela do financiamento. Alega que eles, autores, como o reconhece o acórdão, requereram a complementação do depósito para que correspondesse ao valor indicado pelo contador judicial, mas o requerimento não chegou a ser apreciado pelo juízo, daí porque o depósito não foi efetuado. Ademais, prosseguem os recorridos, a diferença era pequena e o não pagamento não se deu por sua culpa.

O recurso especial foi admitido na instância de origem pela decisão presidencial de fls. 278/281.

É o relatório.

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR

(Relator): Versa o recurso especial, interposto pela letra "a" do permissivo constitucional, sobre apontadas infringências aos arts. 890,796, 899 do CPC, e 1.092 do Código Civil anterior, por acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que julgou procedentes ação consignatória e cautelar movidas por Wagner Bellei e sua esposa, Verônica Bellei, contra Atlântica Empreendimentos Imobiliários S/A.

O voto condutor do aresto objurgado, de relatoria da eminente Desembargadora Cássia Medeiros, assim solucionou a controvérsia, verbis (fls. 231/237):

"Não merece acolhida a preliminar de inadequação da Ação Consignatória para a tutela do direito alegado, com o conseqüente pedido de extinção do processo sem julgamento do mérito.

Não obstante a divergência ainda existente a respeito dos limites dessa ação especial, como demonstram os acórdãos invocados pela apelante a fls. 187/188, o entendimento jurisprudencial dominante, inclusive no Egrégio Superior Tribunal de Justiça é no sentido do cabimento de discussão a respeito de cláusulas contratuais que impliquem na verificação da exatidão do depósito.

A respeito do tema, merece ser transcrito trecho do voto do eminente MINISTRO EDUARDO RIBEIRO no Recurso Especial n.º 5.903-TO, 3ª Turma,, publicado na 'Revista do STJ', volume 19,página 520:

'O v. acórdão recorrido fundou-se em que a ação de consignação em pagamento tem âmbito restrito, não sendo 'via adequada à discussão de questões sobre cláusulas contratuais ou validade ou não do negócio jurídico'. Não admitiria 'discussão em torno da substância da obrigação'. Com a devida vênia, tenho como certo que tais assertivas, embora constantemente repetidas, carecem por completo de fundamento, refletindo mesmo uma certa prevenção contra esse tipo de demanda. A consignatória objetiva a liberação do devedor, que se considera obrigado ao pagamento de certa importância ou à entrega de determinada coisa. Se o credor recusa-se a recebê-la, não importa por que motivo, a ação de consignação será a adequada para solucionar o litígio. Efetuado o depósito, o réu deduzirá as razões de sua recusa que, malgrado a aparente limitação do artigo 896 do CPC, poderão ser amplíssimas. Assim, por exemplo, a alegação de que aquele não foi integral envolverá eventualmente a discussão sobre interpretação de cláusulas contratuais, de normas legais ou constitucionais, e tudo mais que seja necessário para que o juiz verifique se a importância ofertada e depositada corresponde exatamente ao devido.

A ser de modo diverso, cumpre reconhecer, muito escassa seria a possibilidade de o pagamento realizar-se por esse meio. Só mesmo quando a recusa fosse devida a simples teimosia do credor. O normal é que aquela se se deva a divergências que impliquem o exame das mais diversas questões. Todas poderão ser objeto de apreciação, na medida em que isso se imponha para o julgamento do pedido.

Mister proceder-se à distinção entre o que será examinado pela sentença, objetivando o julgamento da causa, e aquilo que será decidido com força de coisa julgada. O pedido, na consignatória será, sempre e exclusivamente, de liberação da dívida. A sentença sobre isso haverá de prover. Para fazê-lo, entretanto, resolverá quantas questões se coloquem.'

No mesmo sentido, a título de ilustração, podem ser mencionados, ainda, os dois seguintes acórdãos daquela Egrégia Corte:

'PROCESSO CIVIL. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO.ÂMBITO DE DISCUSSÃO. ORIENTAÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL. PRECEDENTES DA CORTE. RECURSO PROVIDO.

- Conquanto meramente liberatória a pretensão deduzida na consignação em pagamento, ao judiciário impõe-se a apreciação incidental de toda as questões que se mostrem relevantes a sua solução, para aferir-se o 'quantum' realmente devido e estabelecer correspondência com o valor depositado, restringindo-se o provimento judicial, contudo, a declaração de liberação da divida.' (Quarta Turma, Recurso Especial n.º 23717/RJ, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, publicado na 'Revista do STJ', volume 46, página 282).

'PROCESSUAL CIVIL. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. LIMITES.

Desde que na Ação Consignatória se discuta a liberação da dívida, não transborda os seus limites o exame de temas de alta indagação acerca de cláusulas contratuais.' (Quarta Turma, Recurso Especial n.º 44555/AM, Relator Ministro César Asfor Rocha, julgado em 27.06.1996).

De igual modo, não procede a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido formulado na Ação Cautelar em razão de seu caráter satisfativo, da ausência de pertinência com a ação principal e da pretendida ampliação do pedido nesta formulado. Com a Ação Cautelar Incidental, pleitearam os autores, ora apelados, a imediata entrega das chaves do imóvel e a designação de data para a lavratura da escritura definitiva. É certo que o processo cautelar serve à realização do processo principal e, assim sendo, deve haver sintonia entre os pedidos em ambos formulados.

Na hipótese em exame, contrário do que sustenta a apelante, o pedido cautelar tem pertinência com a ação principal, sendo de assinalar que não foi deferida a liminar pleiteada. Ademais, em casos especiais, pode a ação cautelar ter caráter satisfativo.

Afastadas as preliminares, quanto ao mérito , razão também não assiste à apelante.

Em 10 de agosto de 1999, as partes celebraram a Escritura de 'Promessa de cessão de direitos e de promessa de compra e venda, com obrigação de entrega de futura unidade imobiliária autônoma pronta e acabada', por cópia a fls. 10/19, relativa ao apartamento 201 do Bloco 01 do Condomínio dos Bourbon, localizado na Avenida General Olynto Pillar n.º 355, nesta Cidade, pelo preço total de R$ 218.731,47, estando prevista a data de 02 de junho de 2001 para a conclusão da unidade.

Como sinal, os autores/apelados deram a quantia de R$ 22.343,34, ficando ajustado que o saldo de R$ 196.388,13 seria pago da seguinte forma:

a) uma parcela no valor de R$ 20.000,00, com vencimento no dia 10/10/99, sobre a qual não incidirão juros;

b) uma parcela de R$ 60.000,00, expressa sem a inclusão de juros, a ser paga através de uma prestação de R$ 64.971,40, já incluindo juros nominais de 12% ao ano, calculados pelo sistema da Tabela Price, que equivale a uma taxa efetiva de 12,6825% ao ano, contados desde o dia 02 de agosto de 1999 até a data do seu efetivo pagamento, além da atualização monetária prevista na escritura, com vencimento para o dia 02/04/2000; e

c) uma parcela de R$ 116.388,13, expressa sem a inclusão de juros, a qual deverá ser paga em uma prestação de R$ 144.870,15, já incluindo os juros nominais de 12% ao ano, contados desde o dia 02 de agosto de 1999 até a data do seu efetivo pagamento, além da atualização monetária prevista na escritura, com vencimento para o dia 02/06/2001.

Na petição inicial os promitentes compradores alegaram que efetuaram o pagamento de três parcelas, no total de R$ 107.324,74, além de cinco parcelas de R$ 1.218,00 a título de Decoração - Fundo de Mobiliário e Equipamentos, restando apenas a última parcela de quitação do imóvel, de R$ 116.388,13 e a última cota do fundo mobiliário, de R$ 1.100,00, ambas com vencimento em 02 de junho de 2001.

Alegaram, ainda, que a ré, em janeiro de 2001, se recusou a aceitar o pagamento antecipado da última prestação de R$ 116.388,13, que seria atualizada monetariamente até àquela data, desde que dentro de patamares justos e de acordo com a legislação pertinente, mas a ré apresentou, naquela ocasião, o valor de R$ 151.703,42.

Invocaram o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor e a Portaria n.º 03, de 15/03/2001, da Secretaria de Direito Econômico, que considera abusiva a cláusula que estipule a utilização expressa, ou não de juros capitalizados nos contratos civis e a incidência de juros antes da entrega das chaves, no contrato de compra e venda de imóvel.

Requereram a expedição de guia para depósito da importância de R$ 121.346,67, comprovado a fls. 41.

Na audiência de conciliação, por termo a fls. 95, as partes requereram a suspensão do processo pelo prazo de 10 dias, para tentarem um acordo, que não se concretizou.

A requerimento dos autores (fls. 105/107), os autos foram ao Contador Judicial, que suscitou dúvida quanto ao critério a ser utilizado na apuração do valor do débito (fls. 114).

Em cumprimento à determinação do Juízo (fls. 114), o Contador elaborou o cálculo tanto pelo critério pleiteado pelos consignantes, ou seja, com exclusão dos juros capitalizados antes da entrega das chaves, calculados pelo sistema da Tabela Price, à taxa de 12,6825% ao ano, encontrando o valor de R$ 135.512,21 relativa ao principal e juros (fls. 125/126); e com base nas cláusulas contratuais, sendo o valor encontrado de R$ 160.958,75 (fls. 127/128), tendo sido este último retificado para R$ 161.072,56 (fls. 139/141).

A diferença entre o valor depositado e o encontrado pelo Contador foi de R$ 14.165,54 (correspondente a 12.554,7648 UFIR), pelo primeiro critério (fls. 126); e de R$ 39.725,89 (correspondente a 35.208,66236 UFIR) pelo segundo (fls. 141).

A fls. 160, os autores requereram a complementação do depósito, a fim de que o mesmo corresponda ao valor indicado pelo Contador Judicial, mas esse requerimento não chegou a ser apreciado e o depósito complementar não foi efetivado.

Esse fato, entretanto, não pode levar à improcedência da ação, posto que se trata de pequena diferença e o § 2º do artigo 899 do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n.º 8.951, de 1994, estabelece: 'a sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido e, neste caso, valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe a execução nos próprios autos'.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da lavra do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, citado por Theotônio Negrão em nota ao mencionado dispositivo processual,assim decidiu:

'Efetuado o depósito com pequena diferença a menor, nem por isso deixa de ser a ação procedente, reconhecido o saldo como crédito da ré, valendo a sentença como título executivo para cobrança do saldo'.

('Código de Processo Civil Anotado', Editora Saraiva, 30ª edição, páginas 793/794).

Na hipótese em exame, deve prevalecer o cálculo de fls. 115/116, que excluiu a incidência de juros capitalizados antes da entrega das chaves, de acordo com o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor c/c a Portaria n.º 03, de 15 de março de 2001, da Secretaria de Direito Econômico, por cópia a fls. 35. Assim, sendo, o valor a ser complementado é o correspondente a 12.554,7683 UFIR,  indicado a fls. 126.

No que concerne à Ação Cautelar, ao contrário do que sustenta a apelante, encontram-se presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, posto que os autores/apelados pagaram praticamente a totalidade do débito e ainda não receberam as chaves do imóvel, que deveria ter sido entregue há mais de dois anos.

Com estes fundamentos, rejeitadas as preliminares de inadequação da ação consignatória e de impossibilidade jurídica da ação cautelar e negou-se provimento aos recursos, ficando reconhecido o saldo de 12.554,7683 UFIR como crédito da ré."

Com relação à impropriedade da ação consignatória para a revisão de cláusulas contratuais - e aqui de logo se afasta a pretendida distinção feita pela recorrente entre "revisão" e "interpretação", por descabida - o STJ tem admitido tal possibilidade, servindo como exemplo os seguintes precedentes, dentre outros: "Processual civil. Recurso especial. Dissídio jurisprudencial.Comprovação. Acórdão recorrido. Fundamento inatacado. Cumulação de pedidos. Consignação em pagamento e revisão de cláusulas contratuais. Possibilidade. Emprego do procedimento ordinário.

- Comprova-se o dissídio jurisprudencial com a cópia dos acórdãos paradigmas ou a menção do repositório oficial nos quais estejam publicados.

- O recurso especial deve atacar os fundamentos do acórdão recorrido.

- Admite-se a cumulação dos pedidos de revisão de cláusulas do contrato e de consignação em pagamento das parcelas tidas como devidas por força do mesmo negócio jurídico.

- Quando o autor opta por cumular pedidos que possuem procedimentos judiciais diversos, implicitamente requer o emprego do procedimento ordinário.

- Recurso especial não conhecido."

(3ª Turma, REsp 464.439/GO, Relatora Ministra Nancy Andrighi, unânime, DJU de 23.06.2003)

"Ação de consignação em pagamento. Cumulação de pedidos. Precedentes da Corte.

1. Já decidiu a Corte ser possível em ação de consignação em pagamento 'examinar o critério de reajustamento em contratos de mútuo para a aquisição da casa própria' (REsp n° 257.365/SE, de minha relatoria, DJ de 18/6/01). Há, também, precedente no sentido de que se admite 'a cumulação dos pedidos de revisão de cláusulas do contrato e de consignação em pagamento das parcelas tidas como devidas por força do mesmo negócio jurídico' e de que quando o autor cumula pedidos 'que possuem procedimentos judiciais diversos, implicitamente requer o emprego do procedimento ordinário' (REsp n° 464.439/GO, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 23/6/03).

2. Não viola o art. 292, § 1°, I e II, do Código de Processo Civil a decisão que defere ao autor a possibilidade de opção pelo procedimento ordinário antes do indeferimento da inicial.

3. Recurso especial não conhecido."(3ª Turma, REsp 616.357/PE, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, unânime, DJU de 22.08.2005)

"PROCESSUAL CIVIL. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. LIMITAÇÃO DOS JUROS. PEDIDO INICIAL. REQUISITOS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS N. 282 E 356-STF. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. REVISÃO. POSSIBILIDADE.

I. Não prequestionados temas objeto do inconformismo, a admissibilidade do recurso especial, no particular, encontra óbice nas Súmulas n. 282 e 356 do STF.

II. Plenamente possível a revisão das cláusulas contratuais em sede de ação consignatória, eis que necessária à correlação entre o valor depositado e o efetivamente devido. Precedentes.

III. Recurso especial parcialmente conhecido e improvido."(4ª Turma, REsp 275.979/SE, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior,unânime, unânime, DJU de 09.12.2002)

"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA.PREQUESTIONAMENTO. ENUNCIADO N. 211 DA SÚMULA/STJ.CONSIGNATÓRIA. REVISÃO DE CLÁUSULA. POSSIBILIDADE.RECURSO DESPROVIDO.

I. Não logrando a parte agravante trazer argumentos hábeis a ensejar a modificação da decisão impugnada, fica ela mantida por seus fundamentos.

II - Tem-se por prequestionada determinada matéria quando ela é debatida e efetivamente decidida pelas instâncias ordinárias, sendo de salientar-se que a simples interposição de embargos de declaração não supre o requisito do prequestionamento, a teor do enunciado nº 211 da súmula/STJ.

III- Em ação de consignação em pagamento, é possível ampla discussão acerca do débito, inclusive com o exame de validade de cláusulas contratuais."(4ª Turma, AgRg no Ag 432.140/DF, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, unânime, 17.06.2002)

Todavia, o mesmo não ocorre quanto à cautelar, que, na espécie dos autos, foi intentada incidentalmente sem natural propósito de acessoriedade, mas como espécie de uma segunda lide principal ou, quando menos, uma complementação de pedidos à primeira, de sorte que, nesse aspecto, descabida, data maxima venia.

De efeito, a inicial da cautelar requer a entrega das chaves do imóvel sob pena de multa diária, bem como a assinatura da escritura de compra e venda do imóvel em relação ao qual, na consignatória, discute-se o valor da prestação, portanto da dívida pendente.

Tal como posto pela parte autora, o pleito não é cautelar, nem acessório, e tampouco dependente do principal, encerrando, como antes dito, postulação inteiramente autônoma e satisfativa, de imissão de posse no imóvel representada pela entrega das chaves e a transferência titulada da propriedade, de sorte que fora da previsão legal do art. 796 do CPC.

Quanto à procedência da consignatória, efetivamente constitui orientação do STJ que:

"AÇÃO CONSIGNATÓRIA. Insuficiência do depósito. A insuficiência do depósito permite o reconhecimento de procedência, em parte, da ação de consignação, liberados os devedores do que foi depositado e reconhecido o crédito do credor, que pode ser executado nos autos (art. 899, § 2º, do CPC). Sucumbência parcial considerada na distribuição de custas e imposição da verba honorária. Recurso conhecido e provido."(4ª Turma, REsp 194.530/SC, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar,unânime, DJU de 17.12.1999)

"AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. ART. 899, § 2º DO CPC. IPC/MARÇO DE 1990.

I - A insuficiência do depósito já efetuado não acarreta a improcedência do pedido (Art. 899, § 2º, do CPC).

II - Correção da poupança feita pelo IPC até março de 1990.

Aplicação pelo índice do BTNF nos demais meses.

III - agravo regimental desprovido."(4ª Turma, AgRg no REsp 41.953/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 06.10.2003)

"CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. Interpretação do contrato. Insuficiência do depósito.

1. A ação de consignação em pagamento admite o exame da validade e da interpretação de cláusulas contratuais, uma vez que se trata hoje de instrumento processual eficaz para dirimir os desentendimentos entre as partes a respeito do contrato, em especial do valor das prestações.

2. A insuficiência do depósito não significa mais a improcedência do pedido, quer dizer apenas que o efeito da extinção da obrigação é parcial, até o montante da importância consignada, podendo o juiz desde logo estabelecer o saldo líquido remanescente, a ser cobrado na execução, que pode ter curso nos próprios autos. Art. 899 do CPC.

Recurso não conhecido."(4ª Turma, REsp 448.602/SC, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, unânime, DJU de 17.02.2003)

Portanto, se na espécie dos autos o valor depositado foi insuficiente, porém próximo daquele reconhecido como devido, a diferença não acarreta a improcedência, mas a procedência parcial e a transformação do saldo sentenciado em título executivo.

Mas, evidentemente, que se os autores não efetuaram o pagamento da diferença, mesmo que a cautelar não fosse descabida - e é, consoante dito acima - ela seria improcedente, porquanto a condição para a entrega das chaves e a assinatura de escritura definitiva de compra e venda estaria, obviamente, vinculada à quitação do preço total devido, o que não ocorreu.

E não se diga que os autores "tentaram" a quitação, mas não puderam fazê-lo, eis que se eles a requereram, tinham de instar, reiterar, até exigir do órgão judicial um pronunciamento positivo a respeito, se a sua pretensão era a de receber as chaves do apartamento e obter a escritura em comento. Ou, então, arcar com os ônus de uma situação em que permaneceram em débito e, sem depositar a diferença judicialmente reconhecida, não poderem, em contrapartida, pleitear a posse do bem e a titulação do domínio.

Em suma, nem é viável, processualmente, a cautelar incidental, nos termos em que proposta, e nem seria a mesma procedente, no mérito, dadas as circunstâncias já apontadas.

Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e lhe dou parcial provimento, para extinguir a ação cautelar sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica dos pedidos nela formulados (art. 267, VI), e para julgar procedente, mas apenas em parte, a ação consignatória, considerando a insuficiência do depósito e a transformação do saldo sentenciado em título executivo. Em consequência, na ação principal, a ré arcará com as custas processuais e 2/3 dos  honorários fixados pela sentença (fl. 181), já considerada a compensação ante a sucumbência recíproca; na ação cautelar, as custas e honorários serão devidos pelos autores à ré, e ficam fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), nos termos do art. 20, parágrafo 4º, do CPC. Execução dos honorários pelo saldo, após compensação, consideradas ambas as ações.

É como voto.

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