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TJ/SC - Falsear identidade para polícia não pode ser interpretado como autodefesa

Por unanimidade, a 1ª câmara Criminal do TJ/C acolheu recurso interposto pelo MP, para reformar sentença de 1º grau e determinar o prosseguimento de ação penal contra um homem que se apresentou com identidade falsa na delegacia de polícia, onde acabara de dar entrada na condição de suspeito da prática de estelionato. Na sentença, seu modo de agir foi entendido como ato de autodefesa, daí a decisão de absolvê-lo de forma sumária.

Da Redação

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Atualizado às 09:31

TJ/SC

Tribunal decide que falsear identidade para polícia não pode ser interpretado como autodefesa

Por unanimidade, a 1ª câmara Criminal do TJ/C acolheu recurso interposto pelo MP, para reformar sentença de 1º grau e determinar o prosseguimento de ação penal contra um homem que se apresentou com identidade falsa na delegacia de polícia, onde acabara de dar entrada na condição de suspeito da prática de estelionato. Na sentença, seu modo de agir foi entendido como ato de autodefesa, daí a decisão de absolvê-lo de forma sumária.

"A conduta do agente foi contrária ao ordenamento jurídico e extrapola o direito de autodefesa, não podendo ser considerada como simples desdobramento do direito ao silêncio, pois o intuito dele era esquivar-se da responsabilidade penal", anotou o desembargador Hilton Cunha Júnior, relator do recurso. Ele considera que entender como direito do preso falsear sua identidade ao se apresentar perante autoridade policial, é dar azo a possível prejuízo de terceiros não envolvidos em ações delitivas.

Neste caso, alerta o magistrado, um inocente poderia passar pelo constrangimento de ver cumprido contra si mandado de prisão, ou mesmo de figurar indevidamente em lista de antecedentes criminais com a expedição de uma simples certidão de folha corrida.

Confira abaixo a decisão na íntegra.

_______________

Apelação Criminal n. 2010.009195-4, de Maravilha

Relator: Des. Hilton Cunha Júnior

APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA ACUSAÇÃO.

CRIMES DE USO DE DOCUMENTO ALHEIO COMO PRÓPRIO, ESTELIONATO NA SUA FORMA TENTADA E FALSA IDENTIDADE, (ARTIGO 308, ARTIGO 171, CAPUT, C/C ARTIGO 14, INCISO II, E ARTIGO 307, TODOS DO CÓDIGO PENAL). INSURGÊNCIA MINISTERIAL CONTRA SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. CRIME DE USO DE DOCUMENTO ALHEIO COMO PRÓPRIO ABSORVIDO PELO CRIME DE ESTELIONATO. MEIOS FRAUDULENTOS EMPREGADOS PELO APELADO QUE SE REVELARAM INIDÔNEOS E INCAPAZES DE INDUZIR OU MANTER EM ERRO A VÍTIMA. CRIME QUE NÃO ULTRAPASSOU A FASE DE ATOS PREPARATÓRIOS. INVIABILIDADE DE CONDENAÇÃO. CRIME DE FALSA IDENTIDADE CONFIGURADO. CONDUTA DO AGENTE QUE É CONTRÁRIA AO ORDENAMENTO JURÍDICO E QUE EXTRAPOLA O DIREITO DE AUTODEFESA, NÃO PODENDO SER CONSIDERADA COMO SIMPLES DESDOBRAMENTO DO DIREITO AO SILÊNCIO. INTUITO DO AGENTE DE ESQUIVAR-SE DA RESPONSABILIDADE PENAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA, QUANTO A ESTE CRIME, INVIÁVEL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

I - O crime de uso de documento alheio como se fosse próprio é norma penal subsidiária, devendo ser absorvido pelo crime de estelionato, porque nitidamente verificado que a finalidade específica do agente consistiu na perpetração deste crime, que é mais grave.

II - O início da execução no crime de estelionato se dá com o engano da vítima, de modo que o simples emprego de artifício caracteriza apenas a prática dos atos preparatórios. Se a vítima desconfia de imediato de que está sendo enganada, não se pode falar em tentativa, tratando-se de crime impossível.

III - O agente que falseia a sua identidade perante a autoridade policial extrapola os limites da autodefesa, pois esse instituto limita-se aos fatos contra si imputados e não se estende à identificação durante a qualificação, incorrendo no delito de falsa identidade o réu que altera o seu verdadeiro nome.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2010.009195-4, da comarca de Maravilha (1ª Vara), em que é apelante A Justiça, por seu Promotor, e apelado Maicon Weber:

ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

A Justiça, por seu Promotor, pretende a modificação da sentença do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de Maravilha, que absolveu sumariamente o acusado Maicon Weber, da prática dos crimes previstos no artigo 171, caput, c/c artigo 14, inciso II, artigo 307 e artigo 308, todos do Código Penal.

Em suas razões, o representante do Parquet argumenta ter o magistrado entendido, equivocadamente, que o crime de uso de documento alheio como se fosse próprio constitui crime-meio, absorvido pelo crime-fim de estelionato na sua forma tentada, de modo que este não ultrapassou a fase dos atos preparatórios, bem como que a atribuição de falsa identidade é direito de autodefesa do apelado, não constituindo crime.

Ainda, irresigna-se o Ministério Público contra a sentença, porquanto o M.M Juízo entendeu que o crime de estelionato não passou da fase dos atos preparatórios, tendo reconhecido a conduta do apelado como atípica, absolvendo-o sumariamente, nos moldes do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

Ao final, pugna pela reforma da sentença combatida e pela condenação do apelado às penas do artigo 171, caput, c/c artigo 14, inciso II e artigo 307 e 308, todos do Código Penal.

Contra-arrazoado o recurso, os autos ascenderam a esta superior instância e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Anselmo Agostinho da Silva, opinou no sentido de conhecer e prover o recurso.

VOTO

Consta da denúncia que o apelado, em princípio identificado por Idinilson Jorge Vicari, foi preso em flagrante delito pelos seguintes fatos: Fato n. 1 - No dia 8 de setembro de 2009, por volta das 11h45mim, o apelado, utilizou-se de documento alheio como se fosse próprio, para efetuar cadastro pessoal junto a "Lojas Salfer", localizada na Comarca de Maravilha. Para tanto, utilizou-se da Carteira Nacional de Habilitação de Idinilson Jorge Vicari, a qual alega ter encontrado dentro de um veículo da empresa em que trabalhava.

Fato n. 2 - Munido do documento acima mencionado, no mesmo dia, por volta das 17h45mim, o apelado dirigiu-se até o estabelecimento comercial "Loja da Tim", também na Comarca de Maravilha e, visando obter para si vantagem ilícita em prejuízo alheio, tentou comprar um aparelho celular em nome de Idinilson, fazendo-se passar por esta pessoa.

Fato n. 3 - Ao ser abordado pelos policiais, em virtude da conduta acima descrita, o apelado atribuiu a si falsa identidade, em proveito próprio, uma vez que pretendia eximir-se da responsabilidade pelo ilícito perpetrado, tendo se identificado Gabinete Des. Hilton Cunha Júnior falsamente como Idinilson Jorge Vicari.

Em virtude dos fatos acima narrados, consta na exordial acusatória que o apelado incidiu nas sanções previstas no artigo 171, caput, c/c artigo 14, inciso II e artigo 307 e 308, todos do Código Penal.

Foram certificados os antecedentes criminais do apelado Maicon Weber (fls. 24/32).

Após a apresentação de defesa preliminar (fl. 51/52), o magistrado absolveu sumariamente o apelado dos delitos capitulados no artigo 171, caput, c/c artigo 14, inciso II e artigo 307 e 308, todos do Código Penal, sob os seguintes fundamentos:

Fato n. 1 - Quanto ao fato n. 1, o douto sentenciante lançou entendimento no sentido de que na mera utilização da CNH como se fosse própria não resta evidenciado o dolo genérico, aduzindo que a intenção do apelado estava voltada à obtenção de vantagem ilícita em detrimento alheio. Aduziu que o delito previsto no artigo 308 do Código Penal, constitui-se crime-meio que deve ser absorvido pelo crime-fim, no caso, o de estelionato na sua forma tentada, a teor do artigo 171, caput, c/c artigo 14, inciso, II, ambos do Código Penal, porquanto este crime é mais grave.

Neste ponto, imperioso salientar que o douto magistrado a quo asseverou que as diligências e cautelas tomadas pelos funcionários da vítima, pessoa jurídica, acarretaram que o crime-fim, e mais grave, o de estelionato, sequer teve início, uma vez que o apelado não passou da fase de atos preparatórios para o crime.

A propósito disso, insurgiu-se a acusação, alegando que o apelado confessou a prática do crime previsto no artigo 308 do Código Penal, bem como que as testemunhas de acusação deixaram clara a perpetração criminosa por parte do ora apelado, de modo que não há falar em absorção deste crime pelo estelionato, uma "vez que, como mencionou o próprio apelado, encontrou o documento de Idinilson Jorge Vicari no início do ano de 2009 e não o devolveu para o proprietário 'por que diz que como não tinha CNH e possuía uma moto, resolveu segurar esse documento' (fl.5), restando evidente que a potencialidade lesiva do crime não exauriu com o estelionato, sendo possível que o apelado utilizasse referido documento em outras práticas delitivas." (fl. 120).

Referente à insurgência ministerial contida neste ponto, impende rememorar que o fato de o ora apelado confessar que portava o referido documento desde 2009 e, inclusive, ter dado a entender que dele se utilizava para trafegar com sua moto, já que ele não tinha uma CNH própria, em nada interfere na averiguação da materialidade e autoria dos crimes em enfrentamento nestes autos.

Ademais, a possibilidade de o ora apelado utilizar-se deste documento para o cometimento de outros crimes, conforme assevera o representante do Mistério Público, em nada pode influenciar na situação fática dos crimes em análise, quiçá servir de fundamento para condenar o ora apelado, uma vez que o Direito Penal não se presta à mera possibilidade, mas a prova cabal e indubitável da materialidade e da autoria.

A confissão do ora apelado, quanto ao uso de documento alheio como próprio desde o ano de 2009, no máximo, serviria para os fins a que alude o artigo 59 do Código Penal, jamais para apontar a materialidade ou autoria no contexto fático dos crimes em que restou denunciado nestes autos.

Depreende-se, feita uma análise dos elementos constantes dos autos, que a utilização de referida CNH ocorreu porque necessário ao início dos atos preparatórios para o crime de estelionato, delito mais grave. Assim, se o agente comete crime de uso de documento alheio como próprio, com o nítido fim de cometer um crime mais grave, no caso o de estelionato, condená-lo, também, às penas daquele crime, viola o princípio da subsidiariedade expressa, conforme bem salientou o douto sentenciante a quo.

Sabe-se que o tipo penal descrito no artigo 308 do Código Penal (uso de documento alheio como se fosse próprio), pelo qual o apelante foi processado e absolvido, é norma expressamente subsidiária. Em outras palavras, o próprio texto legal contém especificação de que a conduta descrita só se amolda ao tipo se não for efetuada com a intenção de praticar outro crime, hipótese em que estaria absorvida pelo delito fim.

Interessante trazer à colação o referido dispositivo:

Art. 308 - Usar, como próprio, passaporte, título de eleitor, caderneta de reservista ou qualquer documento de identidade alheia ou ceder a outrem, para que dele se utilize, documento dessa natureza, próprio ou de terceiro:

Pena - detenção, de quatro meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave. (grifo nosso).

Sobre o tema, é a lição de Capez:

Conceito de norma subsidiária: subsidiária é aquela que descreve um grau menor de violação de um mesmo bem jurídico, isto é, um fato menos amplo e menos grave, o qual, embora definido como delito autônomo, encontra-se também compreendido em outro tipo como fase normal de execução de um crime mais grave.

[...]Espécies

Expressa ou explícita: A própria norma reconhece expressamente seu caráter subsidiário, admitindo incidir somente se não ficar caracterizado fato de maior gravidade. (grifado no original) (CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 71 e 73)

Não há dúvidas de que o uso de documento alheio como se fosse próprio realmente existiu, mas, acima disso, o caso em debate traduz, nitidamente, um conflito aparente de normas, no qual estão em choque o artigo 308 (uso de documento alheio como se fosse próprio) e o artigo 171, caput, c/c artigo 14, inciso II (estelionato simples na sua forma tentada), todos do Código Penal, e o que se pretende perquirir é se a norma incidente na sentença deve ser mantida ou afastada. Nessa esteira, o delito de estelionato simples na sua forma tentada, crime material tal como descrito na doutrina e jurisprudência pátrias, é considerado norma primária, que se sobrepõe à norma subsidiária, devendo, portanto, sobre esta prevalecer.

O doutrinador Paulo Queiroz descreve tal solução:

[...]. Existe, pois, uma hierarquia valorativa de um mesmo bem jurídico ou, como diz Honig, há diferentes proposições penais protegendo o mesmo bem jurídico em diferentes fases de ataque, razão pela qual a norma subsidiária, soldado de reserva conforme a expressão de Hungria, só será aplicada quando não couber a aplicação da norma principal, de sorte que a norma principal prevalecerá sobre a norma subsidiária: lex primaria derrogat legis subsidiariae. (grifado no original) (Direito Penal: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 79) A despeito de o crime de uso de documento alheio como se fosse próprio ter pena abstratamente cominada menor que a do estelionato, (detenção de 4 meses a 2 anos e reclusão de 1 a 5 anos e multa, respectivamente), a solução dada pelo legislador, numa interpretação literal da parte final do artigo 308 do Código Penal, é que o crime de uso de documento alheio como se fosse próprio deixa de existir por ter sido absorvido pelo crime fim, devendo o agente ser processado e julgado por aquele crime que efetivamente teve a intenção de praticar (finalidade específica), que no caso em enfrentamento se revela pelo crime de estelionato.

Nesse sentido é o entendimento contido na Súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: "Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido".

Neste norte, mantem-se a absolvição sumária do ora apelado quanto ao crime previsto no artigo 308 do Código Penal, porquanto absorvido pelo crime de estelionato simples na sua forma tentada, posto que sobrenada nos autos que a intenção do ora apelado dirigiu-se a prática deste último crime.

Quanto ao fato n. 2, não obstante houve finalidade específica do ora apelado em cometer crime de estelionato, tem-se que sua conduta não passou dos atos preparatórios, conforme bem salientou o douto sentenciante de primeiro grau, não havendo razões para acolher o pleito ministerial de reconhecimento do crime de estelionato simples na sua forma tentada, a teor do artigo 171, caput, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.

Dispõe os citados artigos:

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Art. 14 - Diz-se o crime:

II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Cediço que o crime de estelionato, disposto no artigo 171 do Código Penal, exige para sua configuração a obtenção, para si ou para outrem, de vantagem ilícita, em prejuízo alheio, "induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento".

Ocorre que, conforme consignado alhures, os atos realizados pelo apelado ficaram na esfera da preparação, porquanto a funcionária da "lojas TIM", não restou, em momento algum, enganada.

A propósito do tema, tem-se que o início da execução no crime de estelionato ocorre com o engano da vítima, conforme ensinamentos de Celso Delmanto, o qual preleciona que "não se caracteriza o estelionato, se o meio empregado pelo agente é ineficaz para induzir ou manter a vítima em erro". (Código Penal Comentado. 6. ed. Atual. e ampl - RJ: Renovar, 2002, p. 400).

O Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua vez, lançou entendimento no sentido de que "se a vítima desconfia de imediato de que está sendo enganada, não se pode falar em tentativa, tratando-se de crime impossível". (TACrSP, RJDTACr 24/185).

Denota-se, portanto, que o meio empregado pelo agente deve ser idôneo, ou seja, deve ser hábil a induzir ou manter alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.

Cezar Roberto Bitencourt, por seu turno, assevera que o início da execução no crime de estelionato se dá com o engano da vítima, de modo que o simples emprego de artifício caracteriza apenas a prática dos atos preparatórios, não sendo possível cogitar o estelionato na sua forma tentada. ( Código penal comentado - 5. ed. atual. - SP: Saraiva, 2009, p. 674)

A jurisprudência deste Tribunal não destoa:

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO TENTADO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE VISA À CONDENAÇÃO. FUNCIONÁRIO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL QUE, MESMO ANTES DE INICIADA A COMPRA PELOS AGENTES, CONSULTA O CHEQUE QUE SERIA UTILIZADO COMO FORMA DE PAGAMENTO. CONSTATAÇÃO QUE SE TRATAVA DE CÁRTULA FURTADA. AUSÊNCIA DO INDUZIMENTO EM ERRO. ATOS PREPARATÓRIOS NÃO PUNÍVEIS. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.

O fato não constitui infração penal quando o agente, mesmo utilizando de expediente fraudulento, sequer chega a induzir ou manter a possível vítima em erro, devendo tal conduta ser considerada como a prática de ATOS meramente PREPARATÓRIOS.

[...] ( Apelação Criminal n . 2010.003343-3, de Concórdia, Rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. em 26/05/2010)

À propósito do tema, preleciona Ariel Dotti:

"Os atos preparatórios constituem atividades materiais ou morais de organização prévia dos meios ou instrumentos para o cometimento do crime. [...] Em geral, os atos preparatórios não são puníveis, se o crime não chega a ser tentado.

Conforme ensinamentos do supracitado autor, os atos preparatórios não são puníveis desde que não se inicie a execução. Desde modo, insurgindo-se o representante do Parquet, contra a sentença absolutória fundamentada na ausência de atos executórios, necessário analisar se o crime de estelionato ficou ou não na esfera da preparação.

Para tanto, imperioso estabelecer uma linha divisória entre os atos preparatórios e o início da execução.

A cerca do tema, toma-se por base os ensinamentos de Ariel Dotti, in verbis:

O início de execução do delito é o começo da realização do verbo contido no tipo. Este é o critério aceito na doutrina e na jurisprudência para estabelecer a linha divisória entre os atos preparatórios e o início de execução. Os penalistas clássicos buscavam a distinção segundo a natureza do ato: seriam preparatórios os atos equívocos e executivos os atos unívocos. Como se pode verificar, tal critério ampliava as dificuldades do problema, razão pela qual atualmente ele não é mao acreditado.

A opinião predominante funda-se em dois critérios: a) o do ataque ao bem jurídico tutelado; b) o do início da realização do tipo. O primeiro é de natureza material; o segundo formal.

Para evitar incertezas a que estaria exposta a justiça criminal nos casos correntes, o critério formal é o mais adequado. Esta é a lição de Wenzel: "La tentativa comienza con aquella actividad con la cual el autor, según su plano delectivo, se pone emn relación inmediata con la realizacion del tipo delectivo".

Feita uma análise dos elementos constantes dos autos, verifica-se que razão não assiste ao apelante, porquanto no momento em que a polícia surpreendeu o ora apelado, ainda não havia se iniciado a realização do tipo.

Haveria tentativa caso o apelado tivesse conseguido adquirir a mercadoria e, seguidamente, a polícia o surpreendesse, impedindo a obtenção de vantagem em detrimento alheio, por circunstâncias alheias a vontade do apelado, o que não ocorreu no caso enfrentado.

Ao contrário, depreende-se do depoimento prestado pela testemunha Miriane Pereira Drews, atendente das "Lojas TIM", que a execução do crime não teve inicio, conforme se verifica, in verbis:

[...] Que o agente esteve na loja, sendo que quem atendeu o réu foi um colega;Que o réu estava interessado na compra de um aparelho celular, avisando que iria retornar porque havia esquecido seus documentos; Que já conhecia o réu de vista; Que seu colega foi atender a depoente ofereceu-se para fazer o atendimento; Que era um plano pós-pago; Que o réu entregou a CNH e verificou o sobrenome Vicari, mas a depoente tinha certeza que o agente não tinha esse sobrenome; Que o agente disse que a CNH era recente, mas a declarante constatou que era de 2005; Que pediu comprovante de residência e o agente não tinha; Que foi apresentado um comprovante de residência, pedindo para fazer cópis da CNH; Que depois foi ligar para a DP indagando se havia um boletim de Ocorrência em nome de Vicari, sendo que a informação foi no sentido de que havia sido registrado; Que o valor do celular era de R$ 299,00 (duzentos e noventa e nove) reais no pós-pago, aparelho da marca Spony Ericson W580; Que conhecia o agente porque tal pessoa trabalhou para o genitor da depoente; Que depois chegou a Polícia no local e fez a prisão do agente; Que o réu não chegou a levar nenhuma mercadoria [...] (fl. 75).

Depreende-se do depoimento supracolacionado, que o crime de estelionato não passou de mera cogitação e que o apelado apenas deu início aos atos preparatórios; isto porque, os atos executórios se tornaram impossíveis diante do prévio conhecimento da funcionária acerca da real identidade e intenção do apelado.

Igualmente, observe-se que a testemunha Adriano José da Silva Faria, à fl. 74, asseverou:

[...] Que o seu colega Escrivão de Polícia recebeu uma ligação de uma loja de celulares informando que havia um cliente se passando por outra pessoa; Que o documento apresentado era furtado ou extraviado; Que não conhecia o agente de outras ocorrências; Que o réu apresentou-se com o nome que estava na CNH, a qual estava sobre o balcão; Que a fotografia da CNH era parecida com o agente; Que fizeram a revista pessoal e na carteira foi localizado um documento de identidade com o nome real do réu, "Maicon Weber"; Que deram voz de prisão e encaminharam para a DP [...]

Ainda, há o depoimento da testemunha Fabiane Mahll, à fl. 76, pelo qual é possível constar que a conduta do apelado não passou de mero ato preparatório para o crime, in verbis:

[...] Que quando o acuado chegou no crediário, o réu apresentou uma CNH com sobrenome Vicari; que chamou o cliente pelo nome salientando que dependeria de consultas cadastrais, orientado o réu que deveria retornar às 13 horas para concretizar a venda; que foi almoçar e sua colega estava fazendo consultas no cadastro, que começaram a verificar inconsistências; Que aparecia anotações de São Lourenço do Oeste; Que ligou para as lojas da cidade; que o agente disse que trabalhava na Construtora Oliveira, sendo que o rapaz estava vestido com um uniforme da empresa; Que na loja de São Lourenço uma funcionária disse que o nome consultado era de um empresário da referida cidade; Que o réu não chegou a consumar a compra de mercadorias [...].

Observe-se que o apelado apenas preparou o engodo, mas não conseguiu sequer iniciar qualquer ato executório, porquanto apenas cogitou qual seria a mercadoria pretendida e, inclusive, disse que "iria retornar porque havia esquecido seus documentos" (fl. 75).

Imperioso esclarecer que inexistindo justa causa para a condenação pelo estelionato (crime-fim), nenhum empecilho pode ocorrer à absolvição pelo uso de documento falso (crime-meio) (STF, REsp1.391, DJU 2.4.90, p. 2463), razão pela qual se mantem a absolvição sumária do apelado quanto aos crimes de uso de documento falso e estelionato na sua forma tentada, nos exatos termos da sentença guerreada.

Quanto ao Fato n. 3, consta na denúncia que o apelado, ao ser abordado pelos policiais, em virtude das condutas incriminadoras acima descritas, atribuiu a si falsa identidade, em proveito próprio, uma vez que pretendia eximir-se da responsabilidade pelo ilícito cogitado, tendo se identificado como Idinilson Jorge Vicari.

Denota-se que a narrativa fática da exordial aponta que a intenção do apelado consistia em eximir-se da responsabilidade pelos crimes que pretendia cometer.

Neste ponto, na sentença de primeiro grau, aduziu o magistrado, em síntese, que não se pode atribuir o crime previsto no artigo 307 do Código Penal ao agente que atribui a si falsa identidade perante a autoridade policial para evitar sua prisão, porque referida conduta esta revestida de legalidade, em virtude do direito constitucional de autodefesa.

Insurgiu-se o órgão acusatório, alegando que restou configurado o crime de falsa identidade (artigo 307 do Código Penal), porquanto referido delito resta consumado no momento em que o agente, ao ser preso, fornece nome falso à Polícia para esconder seus antecedentes ou eximir-se de responsabilidade penal por eventual crime cometido.

O artigo 307 do Código Penal dispõe:

Art. 307. Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem. Constata-se dos autos que o apelado identificou-se perante a autoridade policial com o nome de Idinilson Jorge Vicari, sendo posteriormente identificado como Maicon Webwer.

Este Tribunal de Justiça possui entendimento de que esta situação não caracteriza a autodefesa; portanto, não há como absolver sumariamente o acusado pela falsa atribuição de identidade no momento da prisão em flagrante, sem que haja a devida instrução processual a fim de esclarecer a intenção de mentir sobre sua qualificação para se esquivar da responsabilidade do ilícito ou esconder a sua vida pregressa.

A respeito, colhe-se da jurisprudência desta Corte de Justiça:

[...] CRIME DE FALSA IDENTIDADE (ART. 307 DO CP). APRESENTAÇÃO DE NOME FALSO À AUTORIDADE POLICIAL. FATO CONFESSADO EM JUÍZO. CONDUTA CONTRÁRIA AO ORDENAMENTO JURÍDICO E QUE EXTRAPOLA O DIREITO À AUTODEFESA. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. (Ap. Crim. 2009.043246-2, Rel. Des. Torres Marques, j. 05.10.2009).

No mesmo sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE (CP, ART 307). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. EXERCÍCIO DE AUTODEFESA. RECURSO MINISTERIAL. ATRIBUIÇÃO DE NOME FALSO PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONFISSÃO JUDICIAL DA RÉ AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE. AGENTE QUE PRETENDIA ESQUIVAR DA RESPONSABILIDADE DO ILÍCITO E ESCONDER A VIDA PREGRESSA. SENTENÇA REFORMADA. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. O crime de falsa identidade (CP, art. 307), não pode ser refutado pelo princípio constitucional da autodefesa, haja vista que se caracteriza quando o agente, desejando obter vantagem, apresenta nome falso a autoridade policial e/ou judicial, especialmente com a finalidade de esquivar-se da responsabilidade do ilícito praticado, além de esconder a sua vida pregressa, a ponto de se reputar viável a sua condenação. [...] (Ap. Crim. 2008.074323-8, Rela. Desa. Salete Silva Sommariva, j. 27.08.2009).

No mesmo norte:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO E A FÉ PÚBLICA.FURTO TENTADO E FALSA IDENTIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. INDIVÍDUO QUE SE FAZ PASSAR POR OUTRO NA DELEGACIA PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. DELITO FORMAL. CONFISSÃO. AUTODEFESA NÃO CONFIGURADA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

A falsa identidade prevista no artigo 307 do Código Penal caracteriza-se quando o agente apresenta-se à autoridade policial com nome fictício ou de outra pessoa, na tentativa de esconder seu passado, obtendo, com isso, vantagem pessoal ou benefícios penais, que do contrário lhe seriam negados, ou até de obstar o cumprimento de mandado de prisão expedido. Não se confunda o direito constitucional de calar-se, ou de autodefesa, com o de uso de identificação dolosamente alterada. (Ap. Crim. 2007.027320-2, Rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. 11.10.2007).

Quanto à autodefesa, colhe-se da jurisprudência, in verbis: "Configura o delito de falsa identidade a conduta do agente que, ao ser preso, fornece nome falso à Polícia para esconder seus antecedentes, uma vez que age com o propósito de obter proveito próprio, consistente na preservação de sua liberdade, não se podendo falar em autodefesa, na qual a mentira é admitida apenas para contestar fatos trazidos pela Acusação, pois o exercício da ampla defesa não acoberta, nem justifica a prática de crimes" (TACRIM-SP - Ap. 1.082.983-1 - Rel. Devienne Ferraz - j. 27.01.1998 - RJTACrim 37/177) (Franco, Alberto Silva; Silva Júnior, José; Betanho, Luiz Carlos; Stoco, Rui; Feltrin, Sebastião Oscar; Guastini, Vicente Celso da Rocha, e Ninno, Wilson, Código penal e sua interpretação jurisprudencial, volume 2: parte especial, 7ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 3788).

Nesta esteira, mais precedentes deste Tribunal: "Apelação Criminaln. 2007.042914-6, de Balneário Camboriú, relator: Des. Alexandre d'Ivanenko, j. em 6/5/2008; Apelação Criminal n. 2010.034852-1, de Blumenau, Rel. Moacyr de Moraes Lima Filho, j em 14/10/2010).

Assim, embora existam entendimentos na jurisprudência, inclusive no informativo 0462, recentemente editado pelo Superior Tribunal de Justiça no HC n. 145.261-MG, que não admitem a ocorrência do crime quando o agente falseia a sua identidade perante a autoridade policial a fim de manter a sua liberdade, vê-se, por certo, que essa interpretação extrapola os limites da autodefesa, pois esse instituto limita-se aos fatos contra si imputados e não se estende à identificação durante a qualificação, incorrendo no delito de falsa identidade o réu que altere seu verdadeiro nome.Por derradeiro, ressalte-se que se for entendida a atitude do apelado como autodefesa, sem a correta identificação do preso, estar-se-ia diante de possível prejuízo a terceiros não envolvidos em ações delitivas, os quais poderiam passar pelo constrangimento do cumprimento de mandados de prisão e inclusão de seus nomes em lista de antecedentes criminais em folha corrida.

Ante o exposto, voto no sentido de conhecer e dar provimento parcial ao recurso para modificar a sentença que absolveu sumariamente o acusado, apenas em relação ao crime previsto no artigo 307 do Código Penal, devendo ser dado prosseguimento na ação criminal quanto à este crime.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, decide a Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento. Participaram do julgamento, realizado no dia 5 de abril de 2011, a Excelentíssima Senhora Desembargadora Marli Mosimann Vargas e o Excelentíssimo Senhor Desembargador Newton Varella Júnior. Funcionou como representante da douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Excelentíssimo Senhor Doutor Robison Westphal.

Florianópolis, 08 de abril de 2011.

Hilton Cunha Júnior

PRESIDENTE E RELATOR

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