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STJ - Culpa concorrente obriga banco a indenizar cliente que fazia operações ilegais

O STJ considerou legal a possibilidade de que um banco seja condenado a indenizar correntista que teve sua conta encerrada porque praticava atividades ilícitas. No julgamento, os ministros da 3a turma entenderam que houve omissão por parte da instituição financeira, que nada fez para impedir as irregularidades e até se beneficiou do contrato com a correntista enquanto ele existiu.

Da Redação

sábado, 18 de junho de 2011

Atualizado às 09:33


Omissão

STJ - Culpa concorrente obriga banco a indenizar cliente que fazia operações ilegais

O STJ considerou legal a possibilidade de que um banco seja condenado a indenizar correntista que teve sua conta encerrada porque praticava atividades ilícitas. No julgamento, os ministros da 3a turma entenderam que houve omissão por parte da instituição financeira, que nada fez para impedir as irregularidades e até se beneficiou do contrato com a correntista enquanto ele existiu.

O processo envolve, de um lado, o Banco ABN Amro Real e a Companhia Real de Valores - Distribuição de Títulos e Valores Mobiliários; e, de outro, uma mulher que atuava irregularmente na compra e venda de ações de empresas telefônicas, sem autorização da CVM.

Durante cerca de dois anos, segundo informações contidas no processo, a mulher realizou seus negócios utilizando os serviços bancários de uma agência do ABN Amro Real, em Maringá/PR. Em 2001, ela foi avisada de que sua conta, usada para receber os depósitos das vendas das ações, seria encerrada, embora ainda houvesse valores para serem depositados.

Diz a correntista que, após dois anos de atividades, sem nunca ter sido alertada pelo banco sobre algum impedimento legal, passou a enfrentar vários problemas em suas operações, que lhe causaram graves prejuízos, até receber um comunicado da CVM advertindo que sua atuação era ilegal. Acabou na lista das pessoas impedidas de negociar no mercado de ações.

Ela entrou com ação contra o banco e a distribuidora de valores, cobrando indenização por danos materiais e morais. Alegou que havia iniciado as operações com autorização do banco e que, ao final, teve seu nome inscrito em cadastros restritivos de crédito, por conta da devolução de cheques, e ficou sem condições financeiras para a manutenção de sua família.

O juiz de primeira instância julgou a ação improcedente, mas o TJ/PR reformou a decisão, reconhecendo que houve culpa concorrente e condenando as empresas rés ao pagamento de indenização por danos materiais (metade do valor a ser apurado em liquidação) e morais, estes fixados em R$ 46,5 mil.

Decisão correta

O banco e a distribuidora recorreram ao STJ, inconformados com o fato de terem de pagar indenização "à parte que manifestamente praticou ilícito penal alegando desconhecimento da lei". Segundo seus advogados, a correntista não teria direito de indenização pelo encerramento de suas atividades, pois atuava contra disposições legais. Também a mulher recorreu ao STJ na tentativa de afastar a tese de culpa concorrente, alegando que teria havido culpa exclusiva da outra parte.

Em voto acompanhado por todos os demais integrantes da 3a turma, o relator do processo, ministro Sidnei Beneti, rejeitou os dois recursos e manteve, assim, a decisão do TJ/PR. Segundo ele, o tribunal estadual foi correto ao reconhecer "a culpa concorrente das partes contratantes que mantinham negócio cuja realização era vedada pela lei, que ambas não poderiam ignorar".

O relator disse que o banco e a distribuidora "são sociedades empresárias conhecedoras do ramo" e, mesmo assim, conforme definido pelo TJ/PR, ao analisar as provas do processo, fomentaram a atividade de sua cliente para receber as taxas relativas aos negócios que processavam. Dessa forma, as empresas "beneficiaram-se do contrato mesmo durante a vigência de lei que impunha restrições à atividade".

Já a mulher, de acordo com o entendimento do TJ/PR, foi induzida a erro, pois o banco e a distribuidora de valores se omitiram, permitindo que ela realizasse negócios não autorizados. Com base nesses fatos, Sidnei Beneti concluiu que, se a correntista agiu errado, a conduta das empresas "tem reprovabilidade sensivelmente maior, já que se caracteriza como omissão dolosa".

A atuação no mercado de ações sem autorização só passou a ser crime após 2002, com a reforma da Lei das Sociedades Anônimas, mas já era proibida - sem previsão de sanção criminal - entre 1999 e 2001, quando a cliente do ABN Amro Real realizou suas operações na agência de Maringá. O ministro afirmou que as empresas "não podem se eximir de sua parcela de culpa e impor somente à outra parte os ônus de observar a lei e de suportar os prejuízos decorrentes do fim da relação contratual vedada".

O relator destacou que, a rigor, "a suspensão de uma atividade ilícita não pode gerar direito a indenização por danos materiais, muito menos por alegados abalos morais". No caso do Paraná, porém, disse que a indenização decorre da indução a erro causada pela omissão das instituições.

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.037.453 - PR (2008/0051470-0) (f)
RELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI
RECORRENTE : E. M.
ADVOGADO : MÁRCIO FERNANDO CANDEO DOS SANTOS E
OUTRO(S)
RECORRENTE : BANCO ABN AMRO REAL S/A E OUTRO
ADVOGADO : RAMON DE MEDEIROS NOGUEIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO : OS MESMOS

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL. INTERMEDIAÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. ATUAÇÃO IRREGULAR. PESSOA NÃO AUTORIZADA PELA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS PARA ATUAR NO MERCADO DE AÇÕES. "GARIMPO". PRÁTICA, EM TESE, DE CRIME CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS, DESDE 2001 TIPIFICADO NO ART. 27-E DA LEI 6.385/76, COM VIGÊNCIA A PARTIR DE 2002. SUSPENSÃO, PELA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA, DA EXECUÇÃO DE CONTRATOS DE COMPRA E VENDA IRREGULAR DE AÇÕES. CULPA CONCORRENTE DAS PARTES CONTRATANTES. CABIMENTO DE CONDENAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.

1.- Age em erro quem, por não ser versado no mercado de ações, desde o início de seu empreendimento praticava ato de intermediação irregular de valores mobiliários. Por tratar-se de erro que poderia ser perceptível pelo homem médio, caracterizada está a culpa concorrente a resultante da falta de conhecimento para o agir regular. Cabível, portanto, indenização de parte dos danos decorrentes do fim da relação contratual mantida com a instituição bancária depositante de ativos oriundos da compra e venda de ações não autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários. A instituição bancária que tem a custódia das ações tem o dever de conhecer as regras do mercado de ações e age com culpa quando participa de contrato que tem por objeto prática vedada desde 1976 pela Lei 6.385/76(Lei das Sociedades Anônimas).

2.- É direito e dever da instituição bancária suspender, com amparo nas regras da Comissão de Valores Mobiliários e na Lei 6.385/76, a execução de contratos que têm por objeto atividade não autorizada pela autarquia. Todavia, age com abuso quando por dois anos dá guarida à compra e venda de ações em desconformidade com a lei vigente.

3.- Recursos Especiais improvidos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento a ambos os recursos especiais, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Nancy Andrighi e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 14 de junho de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRO SIDNEI BENETI

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI:

1.- BANCO ABN AMRO REAL S/A e COMPANHIA REAL DE VALORES - DISTRIBUIÇÃO DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS, bem como E. M. interpõem Recursos Especiais, os primeiros com fundamento nas alíneas "a" e "c" do art. 105, III, da Constituição Federal, a última com fundamento na alínea "a" do mesmo dispositivo.

2.- Consta dos autos que E. M. ajuizou ação de reparação de danos materiais e morais contra BANCO ABN AMRO REAL S/A e COMPANHIA REAL DE VALORES - DISTRIBUIÇÃO DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS. Alegou ter iniciado negócio de compra e venda de valores mobiliários de empresas de telefonia, sendo autorizada por gerente daquela instituição bancária, agência de Maringá, a abrir conta corrente para depósito dos ativos resultantes das vendas.

Ainda segundo a autora da ação, a referida relação bancária começou a passar por problemas, consoante relatado no Acórdão recorrido (fl. 7140):

(...) meses depois os processos não estavam sendo movimentados adequadamente e alguns começaram inexplicavelmente a sumir; que os processos foram todos devolvidos à agência do Banco em Maringá e passou a autora a ser "obrigada a fazer venda direta", ou seja, em nome da acionista; que em 2001 recebeu informação de que sua conta-corrente, que era utilizada para receber os depósitos das vendas dos papéis, seria encerrada, sendo que existiam numerários a serem depositados; que os processos foram redirecionados novamente à Real DTVM, e passou a existir outro procedimento por parte do Banco, mais oneroso; que então teve acesso a um documento do Banco, segundo o qual este suspeitava de lavagem de dinheiro pela Requerente; que ficou transtornada com a situação, pois os recursos eram oriundos do próprio Real DVTM e porque a Requerida não tomou cuidado para que as desconfianças permanecessem no ambiente interno; que em seguida foi informada, por carta, de que não receberia mais a transferência dos papéis; que após isso recebeu ofício da Comissão de Valores Mobiliários alertando que estava atuando irregularmente no mercado de compra e venda de ações, tendo ela descoberto então o real motivo do tratamento que lhe fora dispensado pelo Requerido; que foi lançada no rol das pessoas impedidas de negociar no mercado de ações. Argumenta que só iniciou as transferências após a garantia, pelo Banco, de que eram possíveis, tendo operado juntamente ao Requerido por dois anos, sem jamais ter tido obstáculo, cabendo a ele informá-la se estava ou não habilitada para comercializar.

Em contestação, os Réus alegaram que estavam obrigados a suspender os contratos em desconformidade com as novas regras da Comissão de Valores Mobiliários, ratificadas pela nova Lei das Sociedades Anônimas. Entre essas regras, acentuaram a que proibia que pessoas sem autorização da CVM efetuassem compra e venda de valores em nome próprio. Sustentaram não ter praticado nenhuma conduta ilícita, tampouco propaganda enganosa.

O Juízo de Primeiro Grau julgou improcedentes os pedidos (fls. 7046/70055), pois considerou inexistente o nexo de causalidade entre a conduta dos Réus e os danos alegados pela Autora.

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Rel. Des. ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN, deu parcial provimento à Apelação de E. M., em Acórdão assim ementado (fl. 7138): APELAÇÃO CÍVEL - REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS - INTERMEDIAÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - ATUAÇÃO IRREGULAR - CULPA CONCORRENTE - NÃO INCIDÊNCIA DO CDC POR AUSÊNCIA DE CONSUMIDOR FINAL.

1. Há culpa concorrente na atuação irregular por intermediação de compra e venda de papéis no mercado de valores mobiliários entre quem executa afazeres sem prévia autorização da Comissão de Valores Mobiliários, e quem, na condição do Banco custodiante e de Distribuidora de Valores, apesar disso enceta, estimula e desenvolve operações em conta-corrente bancária e de ações, respondendo, assim, por omissões dolosas, pela boa-fé gerada e pelos danos a serem apurados em liquidação.

2. Havendo dano moral a reparar, é imperativo que a condenação alcance eqüidoso equilíbrio que se afaste do exagero, contrariando a lei e o bom senso, bem como se distancie do montante irrisório.

3. As relações jurídicas entre entes financeiros, agentes de crédito e bancos em geral se submetem às regras do Código de Defesa do Consumidor quando se destinam a consumidor final, figura jurídica na qual não se enquadra quem leva a efeito intermediação ou corretagem de ações no mercado de valores mobiliários.

4. O valor referente a pagamento levado a efeito por serviços não prestados por ente bancário deve ser restituído, na forma simples, monetariamente corrigido.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Em suma, o Acórdão recorrido, ao contrário da Sentença, reconheceu o direito da autora à reparação pelos danos materiais e morais sofridos. Reconheceu, também, que a culpa não era exclusiva dos réus, mas também da autora, que embora não tenha agido com dolo, agiu em erro (fl. 7160):

Não restou demonstrado nos autos ter agido a Autora com dolo; agiu, isso sim, sob o manto do erro, e de erro substancial que deveria ter sido percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio, como estatui o art. 138 (antigo art. 86 do CC de 1916).

Contudo, se a Autora-Apelante devia conhecer as regras jurídicas e também econômico-financeiras do mercado de valores mobiliários, muito mais deveria conhecê-las e praticá-las os Requeridos, um Banco e uma Distribuidora de valores mobiliários afeitos a esse mercado, daí porque, à do art. 147 do atual CC, "nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado" .

Ficou determinado que o valor dos danos materiais seria apurado em liquidação de sentença. Os réus foram condenados solidariamente a pagar metade do montante apurado.

O valor da indenização por danos morais foi fixado em R$ 46.500,00, com correção monetária a partir da data da fixação e juros moratórios a partir da citação.

Os réus também foram condenados à devolução do valor de R$3.700,00, pagos pela execução dos serviços que, por fim, não foram prestados. O pedido de devolução em dobro foi indeferido, porquanto não caracterizada a má-fé.

Além disso, foram fixados, com base no art. 20, §4º, do CPC, honorários de R$ 10.000,00 em favor do advogado da autora. As partes interpuseram Embargos de Declaração (fls. 7168/7173, pela autora; fls. 7176/7185, pelos réus), os quais foram rejeitados pelo Acórdão de fls. 7197/7209).

3.- BANCO ABN AMRO REAL S/A e COMPANHIA REAL DE VALORES - DISTRIBUIÇÃO DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS entendem que foram violados os arts. 16, 23, 27-E da Lei 6.385/76; 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro; 166, II, 186, 188 do Código Civil e 535 do Código de Processo Civil.

Em síntese, não se conformam com o fato de que o Tribunal de origem garantiu indenização "à parte que manifestamente praticou ilícito penal, alegando desconhecimento da lei, bem assim validando ato jurídico que é nulo em essência, além de imputar responsabilidade à parte que agiu no exercício regular de um direito" (fl. 7218).

Argumentam que, sendo ilícita a intermediação de ações sem a devida autorização da CVM, a Recorrida não poderia pleitear indenização pela suspensão de suas atividades. "Mesmo após detectar o flagrante caráter ilícito da atividade de 'garimpagem'" (fl. 7225), o Tribunal deferiu a indenização. Além disso, a Recorrida teria experiência no assunto, pois antes de negociar com o banco já fazia a corretagem irregular de ações.

Alegam que a interpretação dada aos dispositivos violados pelo Acórdão recorrido diverge da que foi dada pelo Superior Tribunal de Justiça em casos análogos, no que se refere ao tema do dano moral.

Pedem que seja reconhecido como indevido o pagamento das indenizações ou para que seja diminuído o valor da reparação por dano moral.

4.- A Recorrida não apresentou contrarrazões (fls. 7355).

5.- E. M., por sua vez, alega violação dos arts. 113, 147, 402, 403 e 422 do Código Civil.

Pugna pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso, conforme Súmula STF/297.

Quanto aos dispositivos do Código Civil, argumenta que não deveria ter sido reconhecida a culpa concorrente, mas apenas a culpa exclusiva da outra parte, já que o Acórdão afirma "a existência de dolo na conduta dos Recorridos" (fl. 7330).

Afirma que em razão do dolo, incorreu em erros sucessivos, que de outra maneira não teria praticado.

Diz, também, que deveriam ter sido reconhecidos os lucros cessantes. Insurge-se contra a fixação dos honorários advocatícios.

6.- Os recorridos apresentaram as contrarrazões de fls. 7341/7354.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI(RELATOR):

I.- INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CÓD. PROC. CIVIL

7.- Os Recursos Especiais não prosperam.

8.- .- Cumpre observar, de início, que o Tribunal de origem analisou fundamentadamente todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia nos limites do que lhe foi submetido. Portanto, não há que falar em violação do art. 535 do Código de Processo Civil ou negativa de prestação jurisdicional. Com efeito, não se detecta qualquer omissão, contradição ou obscuridade no Acórdão recorrido, uma vez que a lide foi dirimida com a devida e suficiente fundamentação, apenas não se adotou a tese dos Embargantes.

II.- BANCO ABN AMRO REAL S/A e COMPANHIA REAL DE VALORES - DISTRIBUIÇÃO DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS.

9.- A irresignação dos Recorrentes BANCO ABN AMRO REAL S/A e COMPANHIA REAL DE VALORES - DTVM - pode ser resumida no fato de sua condenação ao pagamento de indenização a quem, segundo eles, cometeu crime. O crime a que aludem está tipificado no art. 27-E da Lei 6.385/76, dispositivo que apontam como violado e que tem a seguinte redação:

Art. 27-E. Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, como instituição integrante do sistema de distribuição, administrador de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou exercer qualquer cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado junto à autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento: Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

De fato, a conduta praticada pela Recorrida E. M. atualmente se enquadra, em tese, na hipótese descrita naquele tipo. Não se pode perder de vista, todavia, que o art. 27-E foi introduzido na Lei das Sociedades Anônimas pela Lei 10.303, que, conforme seu art. 9º, só entrou em vigor em 2002. A intermediação de valores mobiliários feita pela Recorrida no período de 1999 a 2001, anteriormente, portanto, à entrada em vigor da lei que tipificava o crime mencionado pelos Recorrentes. É bem verdade que a prática, embora não se caracterizasse como crime antes de 2002, já era vedada desde a publicação da Lei 6.385/76. Porém, foi encampada pelos próprios Recorrentes, que executavam os procedimentos relacionados à venda direta de ações e recebiam contraprestação por isso (taxa de transferência, corretagem). Por isso que foi, com acerto, reconhecida a culpa concorrente das partes contratantes.

Se é certo que não era dado à Recorrida se escusar de cumprir a lei alegando que não a conhecia, também não poderiam os recorrentes alegar o desconhecimento legal. Mas estes, vocacionados que são a operar segundo as regras do mercado financeiro e, particularmente, do mercado de ações, beneficiaram-se do contrato mesmo durante a vigência de lei que impunha restrições à atividade objeto do contrato.

Portanto, os Recorrentes não podem se eximir de sua parcela de culpa e impor somente à Recorrida os ônus de observar a lei e de suportar os prejuízos decorrentes do fim da relação contratual vedada.

Por isso, longe de afrontar o disposto no art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o Tribunal de origem deu-lhe correta aplicação, pois afirmou a culpa concorrente das partes contratantes que mantinham negócio cuja realização era vedada pela lei, que ambas não poderiam ignorar.

Não se pode também falar em violação do art. 27-E da Lei 6.385/76, já que o início de sua vigência foi bem observado pelo Acórdão recorrido.

Ressalta-se estar caracterizado o fato, cuja revisão não pode ser feita em Recurso Especial (Súmula STJ/7), de que a Recorrida agiu por inexperiência, por não ter tirocínio com o mercado de ações, ainda que devesse ter conhecimento da necessidade de autorização para com ele operar e da vedação legal a isso relacionada. Já os Recorridos são sociedades empresárias conhecedoras do ramo e, segundo o Acórdão recorrido, fomentou por certo tempo a atividade da Recorrida. Estas e aqueles praticaram ato ilícito, mas isso não afasta a possibilidade de indenização que, com o reconhecimento da culpa concorrente, ficou reduzida à metade.

Confira-se o que ficou registrado no Acórdão recorrido a respeito da conduta dos Recorrentes (fl. 7160):

Embora se refute a ignorância da lei por parte de ambos os figurantes nas relações jurídicas e financeiras em tela, a presença de indução em erro é constatação implícita no proceder dos Requeridos que, atuantes no mercado financeiro e de valores mobiliários, mantiveram por cerca de dois anos atividades que desafiavam a lei.

(...) se a Autora-Apelante devia conhecer as regras jurídicas e também econômico-financeiras do mercado de valores mobiliários, muito mais deveria conhecê-las e praticá-las os Requeridos, um Banco e uma Distribuidora de valores mobiliários afeitos a esse mercado, daí porque, à do art. 147 do atual CC, "nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado".

É o caso: os Requeridos omitiram informação que teria obstado, ab initio, as operações da Autora; não o fizeram: por ações ou omissões, continuaram uma prática deveras irregular.

Respondem, pois, por tais atos ou falhas, como também a Autora Apelante incorreu em erro e não pode, em seu proveito, eximir-se por completo da culpa de seu agir.

Tais fatos deixam caracterizada a prática de ato ilícito também pelos Recorrentes, a qual tem reprovabilidade sensivelmente maior do que a do ato praticado pela Recorrida, já que o primeiro se caracteriza como omissão-dolosa e constitui causa do erro que ensejou o segundo.

Por isso também não se verifica ofensa dos arts. 166, II, 186, 188 do Código Civil. Como bem afirmado pelos Recorrentes, a suspensão de uma atividade ilícita não pode gerar direito a indenização por danos materiais, muito menos por alegados abalos morais. Todavia, tal como acima descrito, a indenização decorre da indução da Recorrida em erro. Como visto, os Recorrentes dispunham de conhecimentos para evitar a prática do ato ilícito pela Recorrida, mas não o fizeram.

Respondem, assim, por ato ilícito próprio, não por ato imputável exclusivamente à Recorrida.

Outrossim, a demonstração de que a Recorrida teria experiência no mercado de ações e de que a omissão dos Recorrentes não a teria influenciado não pode ser feita em Recurso Especial, que não admite a discussão de matéria fática cuja investigação dependa de análise de prova. Assim dispõe a Súmula STJ/7. 10.- Em se tratando de dano moral, cada caso, consideradas as circunstâncias do fato, as condições do ofensor e do ofendido, a forma e o tipo de ofensa, bem como suas repercussões no mundo interior e exterior da vítima, cada caso, repita-se, reveste-se de características que lhe são próprias, o que os faz distintos uns dos outros. Assim, ainda que, objetivamente, sejam bastante assemelhados, no aspecto subjetivo são sempre diferentes. Por isso, é muito difícil, nessas situações, apreciar-se um Recurso Especial com fundamento na alínea "c" do permissivo constitucional. É em razão dessa dificuldade que, na 2ª Seção, acertou-se não mais se conhecer de Embargos de Divergência quando a discrepância reside em disparidade de valores, em condenações por dano moral, por fatos objetivamente, na aparência, iguais. Daí, a dificuldade, quase intransponível, de se alterar, em âmbito de recurso especial, a quantificação fixada no tribunal de origem, a título de reparação.

Em conseqüência, este colendo Tribunal, por suas turmas de Direito Privado (mormente a 3ª Turma), só tem alterado os valores assentados na origem quando realmente exorbitantes ou, ao contrário, quando o arbitrado pela ofensa é tão diminuto que, em si mesmo, seja atentatório à dignidade da vítima.

Em consequência, a 3ª Turma deste Tribunal assentou o entendimento de que somente se conhece da matéria atinente aos valores fixados pelos Tribunais recorridos quando o valor for teratológico, isto é, de tal forma elevado que se considere ostensivamente exorbitante, ou a tal ponto ínfimo, que, em si, objetivamente deponha contra a dignidade do ofendido.

Não é o caso dos autos, em que houve a fixação do valor de indenização por dano moral, em R$46.500,00 (valor do dia 14 de junho de 2007, data em que proferido o Acórdão recorrido), para o dano consistente na inscrição dos dados da Recorrida em cadastros restritivos de crédito em razão da devolução de cheques, na "falta de condições financeiras para manter seu próprio sustento, atraso no pagamento dos gastos familiares, inclusive escola de sua filha, água, luz e telefone" , consideradas as circunstâncias do caso e as condições econômicas das partes.

Assim, não obstante os argumentos apresentados pelos Recorrentes, não se conhece da divergência.

III.- E. M.

11.- Inicialmente, cumpre destacar que, com relação à aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie, bem como em respeito aos honorários, a Recorrente não alega violação à lei federal nem dissídio jurisprudencial. Portanto, o Recurso Especial tem fundamentação deficiente quanto ao ponto, o que prejudica a compreensão da controvérsia e faz aplicável a Súmula STF/284.

12.- Quanto ao mais, as razões recursais partem das premissas fáticas de que não houve culpa concorrente, mas exclusiva dos Recorridos, e de que há lucros cessantes a serem indenizados.

A questão, todavia, é de fato e depende do reexame de provas para sua verificação, o que inviabiliza o Recurso Especial.

Verifica-se, assim, a incidência da Súmula STJ/7.

13.- Ante o exposto, nega-se provimento aos Recursos Especiais.

Ministro SIDNEI BENETI

Relator

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