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STJ - Certidão de propriedade dos vizinhos não é obrigatória em usucapião

A juntada de certidões imobiliárias referentes aos proprietários dos imóveis limítrofes não pode ser exigida como requisito para o processamento de ação de usucapião. Este foi o entendimento da 3a turma do STJ, que considerou que o processo não pode ser anulado por conta da ausência de certidão que não é imposta por lei.

Da Redação

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Atualizado em 22 de junho de 2011 14:08


Requisitos

STJ - Certidão de propriedade dos vizinhos não é obrigatória em usucapião

A juntada de certidões imobiliárias referentes aos proprietários dos imóveis limítrofes não pode ser exigida como requisito para o processamento de ação de usucapião. Este foi o entendimento da 3a turma do STJ, que considerou que o processo não pode ser anulado por conta da ausência de certidão que não é imposta por lei.

A ação de usucapião foi ajuizada por uma mulher contra o Centro Redentor Filial, tendo como objeto um imóvel urbano de 441,54 m² no bairro Vera Cruz, em Belo Horizonte/MG. O pedido fora julgado procedente em primeira instância, mas o TJ/MG, de ofício, anulou o processo desde a citação, pois a autora não teria comprovado a propriedade dos imóveis confrontantes mediante a juntada de certidões do registro imobiliário em nome desses vizinhos.

No REsp, o casal sucessor da autora originária alegou que o artigo 942 do CPC (clique aqui) foi violado, pois não exige a demonstração da propriedade dos imóveis limítrofes, sendo necessária apenas a citação dos proprietários.

O ministro Sidnei Beneti, relator, constatou que, segundo o art. 942 do CPC, é necessária a juntada da documentação imobiliária relativa ao imóvel objeto do usucapião, mas não as certidões referentes aos vizinhos.

"É evidente que a juntada das certidões relativas aos imóveis confinantes é salutar; porém, não pode ser exigida como requisito para o processamento da causa, sendo notório que, em muitos casos, os próprios registros públicos não dispõem de indicador real adequado para certificar, com precisão, se os imóveis se encontram, ou não, transcritos em nome de algum proprietário", ponderou o ministro.

Sidnei Beneti observou ainda que, de acordo com o processo, todos os donos de imóveis limítrofes foram citados pessoalmente e nenhum deles apresentou contestação ou oposição ao pedido da autora. Além disso, apontou que ficou demonstrado no juízo de primeiro grau que o casal mantém a posse ininterrupta e pacífica do imóvel há mais de 30 anos, período em que realizou benfeitorias expressivas no terreno.

Ao analisar que a exigência de juntada das certidões imobiliárias referentes aos proprietários vizinhos não encontra amparo no artigo 942 do CPC, o ministro Sidnei Beneti determinou a anulação do acórdão do tribunal mineiro e a realização de novo julgamento. A decisão foi unânime.

Veja abaixo a íntegra do acórdão.

________

RECURSO ESPECIAL Nº 952.125 - MG (2007/0109481-0)

RELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI

RECORRENTE : J. C. P. E CÔNJUGE

ADVOGADO : ALBERTO TIBURCIO DA SILVA E OUTRO(S)

RECORRIDO : CENTRO REDENTOR FILIAL

ADVOGADO : ALBERTINO DE SOUZA PEREIRA FILHO E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSO CIVIL - PRESCRIÇÃO AQUISITIVA - CONFIGURAÇÃO - REQUISITOS DO ART. 942 DO CPC PREENCHIDOS - JUNTADA DA CERTIDÃO DO CARTÓRIO DE IMÓVEIS DE CADA UM DOS CONFRONTANTES DESNECESSÁRIA - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.


1.- A usucapião, forma de aquisição originária da propriedade, caracterizada, entre outros requisitos, pelo exercício inconteste e ininterrupto da posse, prevalece sobre o registro imobiliário, não obstante os atributos de obrigatoriedade e perpetuidade deste, em razão da inércia prolongada do proprietário em exercer os poderes decorrentes do domínio.

2.- A determinação do art. 942 do CPC, diz respeito à citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes, não se exigindo a juntada de certidão do Cartório de Registros de Imóveis relativamente a cada um dos confrontantes, até porque as confrontações, como parte da descrição do bem, incluem-se no registro do imóvel usucapiendo.

3.- Provido o recurso especial, com o afastamento do requisito da juntada de certidões imobiliárias atinentes aos confrontantes, não há como passar ao julgamento do mérito, pois a apelação devolveu ao conhecimento do Tribunal de origem matéria fática, envolvendo, inclusive, ação reinvidicatória conexa e apensada, relativa à origem e qualidade da posse alegada pela prescribente, matéria essa que não foi apreciada pelo Acórdão recorrido, de modo que não pode, agora, ser enfrentada neste julgamento, visto que isso somente seria possível em se tratando de matéria exclusivamente de direito (CPC, art. 515, § 3º).

4.- Recurso Especial provido, com anulação do Acórdão e determinação de novo julgamento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Nancy Andrighi e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 7 de junho de 2011(Data do Julgamento)

Ministro SIDNEI BENETI

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):

1.- J. C. P. e CÔNJUGE, sucessores da autora originária, C. P. C., interpõem Recurso Especial fundamentado no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal contra Acórdão (fl. 269/274) do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que lhe foi desfavorável (RELATOR DES. MOTA E SILVA).

2.- No caso em exame, a recorrente ajuizou (em 17.05.2001, fls. 5) ação de usucapião contra a recorrida, visando ao imóvel urbano com área de 441,54 m², situado no Bairro Vera Cruz em Belo Horizonte - MG. O pedido foi julgado procedente em primeira Instância (Sentença fls. 209 a 218), mas o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais Rel. Des. MOTA E SILVA (fls. 269/274), diante da apelação da ré, ora recorrida, de ofício, anulou o feito desde a citação, porque a recorrente não teria feito prova da propriedade dos imóveis confrontantes mediante a juntada de certidão do registro imobiliário em nome deles.

Inconformada, a recorrente interpôs Recurso Especial em que alega violação do artigo 942 do Código de Processo Civil e, ainda, suscita divergência jurisprudencial sobre o tema.

Aduz que o dispositivo em questão não exige a demonstração da propriedade dos imóveis confrontantes, alegando ser necessária apenas a citação dos proprietários dos imóveis lindeiros e, por fim, requer a reforma da decisão com conseqüente restabelecimento da sentença.

O Acórdão da apelação vem assim ementado:

USUCAPIÃO - INSTRUÇÃO DO PEDIDO - DOMÍNIO - CERTIDÃO DO CRI - NECESSIDADE. É nulo o processo de usucapião, se o pedido inicial não foi instruído com certidões positivas expedidas pelo Cartório de Registro de Imóveis da situação do bem, possibilitando a identificação do proprietário e dos respectivos confinantes, para regular citação.

Sem tal prova, independentemente do resultado da ação, o processo deve ser declarado nulo a partir da inicial, para que a parte autora comprove quem é a pessoa proprietária do imóvel usucapiendo e quem são as pessoas proprietárias dos imóveis confrontantes.

3.- O parecer do Ministério Público Federal é no sentido do provimento do recurso (fls. 315/322).

É o breve relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):

4.- O julgamento de origem decretou a nulidade do processo em análise sob o seguinte fundamento: "Ao exame dos autos verifico que o processo é nulo desde a inicial. É dizer, não obstante a autora indique os nomes das pessoas às quais atribui a qualidade de confrontantes do imóvel usucapiendo, a bem da verdade não juntou a certidão do Cartório de Imóveis, pois a certidão de cada um deles é tão imprescindível como a certidão de quem seja o proprietário do imóvel usucapiendo"

(fl. 273).

5.- A exigência a juntada de certidões imobiliárias referente aos confinantes, contudo, não encontra amparo na legislação de regência da matéria.

Com efeito, o dispositivo tido por violado, o art. 942 do Código de Processo Civil (com redação dada pela Lei 8.051/1994), dispõe:

O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do art. 232 Como se vê, necessária a juntada da documentação imobiliária relativa ao próprio imóvel usucapiendo, mas não aas certidões referentes aos confrontantes.

Em suma: com a inicial visando ao reconhecimento do domínio decorrente da prescrição aquisitiva, exige-se a juntada de certidão de Registro Imobiliário para comprovar o nome da pessoa em que se acha matriculado o imóvel e para identificar seus confrontantes, ou certidão negativa de registro, quando se tratar de imóvel não transcrito.

É evidente que a juntada das certidões relativas aos imóveis confinantes é salutar; porém não pode ser exigido como requisito para o processamento da causa, sendo notório que, em muitos casos, os próprios Registros Públicos não dispõem de indicador real adequado para certificar, com precisão, se os imóveis se encontram, ou não, transcritos em nome de algum proprietário.

Recorde-se que a ausência de transcrição do próprio imóvel, não pode ser empecilho à declaração de usucapião uma vez que tal instituto visa exatamente ao reconhecimento do domínio em prol de quem possui o imóvel, prevalecendo a posse "ad usucapionem " sobre o próprio domínio de quem não o exerça.

Dessa forma, a usucapião, forma de aquisição originária da propriedade, caracteriza-se pelo exercício inconteste e ininterrupto da posse, e prevalece sobre o registro da propriedade, não obstante os atributos de obrigatoriedade e perpetuidade do registro dominial.

Assim, não se ampara a anulação do processo de usucapião por conta da ausência de certidão de propriedade dos imóveis confrontantes, até porque, quando a lei não impõe determinada exigência, não pode o intérprete determiná-la.

6.- Nessa linha de raciocínio, ressalta-se o posicionamento do Ministério Público em relação ao tema exposto no parecer (fl. 318):

Observa-se que a referida exigência legal a ser observada pelo autor da ação de usucapião extraordinária diz respeito à "citação pessoal daquele cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes do imóvel", não exigindo, portanto a juntada da certidão do Cartório de Imóveis de cada um dos confrontantes, até porque confrontações, como parte da descrição do bem, incluem-se no registro do imóvel usucapiendo.

7.- Consta dos autos, ademais, que todos os confinantes foram citados pessoalmente, sendo certo que nenhum deles apresentou contestação ou oposição ao pedido da recorrente, não havendo qualquer suspeita de que a convocação dos confrontantes não tenha ocorrido corretamente.

Ademais, restou demonstrado no Juízo de primeiro grau, conforme transcreve a sentença proferida, que os recorrentes mantem a posse ininterrupta e pacifica há mais de trinta anos, tendo inclusive, realizado benfeitorias expressivas no terreno em questão.

8.- Não se configura, contudo, admissível o recurso especial pela alínea "c", pois esta Corte tem decidido, reiteradamente, que, para a comprovação e apreciação da divergência jurisprudencial, devem ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, bem como juntadas cópias integrais dos julgados trazidos ou citado repositório oficial de jurisprudência.

Nesse sentido, já se firmou a jurisprudência deste egrégio Superior Tribunal:

PROCESSO CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - NEGATIVA DE PROVIMENTO - AGRAVO REGIMENTAL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL - AUSÊNCIA DE CONFRONTO ANALÍTICO - ART. 585, VII, DO CPC - NEGATIVA DE VIGÊNCIA - REEXAME DE PROVA - SÚMULA 7/STJ - DESPROVIMENTO. 1 - Esta Corte, reiteradamente, tem decidido que, a teor do art. 255 e parágrafos, do RISTJ, para a comprovação e apreciação da divergência jurisprudencial, devem ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, bem como juntadas cópias integrais de tais julgados ou, ainda, citado repositório oficial de jurisprudência. 'In casu', a agravante limitou-se em transcrever ementas e grifá-las, deixando de demonstrar a similitude fática dos casos, bem como o devido cotejo analítico entre os vv. arestos, ao não especificar claramente os fatos e circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados. 2 - (...) 3 - Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 714155/RS; Relator Ministro Jorge Scartezzini, DJ 20.02.2006)

Referido óbice também impede a apreciação da divergência jurisprudencial suscitada uma vez que não restou demonstrada a perfeita similitude fática entre o acórdão impugnado e os paradigmas colacionados.

9.- Provido o recurso especial, com o afastamento do requisito da juntada de certidões imobiliárias atinentes aos confrontantes, não há, contudo, como passar ao julgamento do mérito, pois a apelação devolveu ao conhecimento do Tribunal de origem matéria fática, envolvendo, inclusive, ação reinvidicatória conexa e apensada, relativa à origem e qualidade da posse alegada pela prescribente, matéria essa que não foi apreciada pelo Acórdão recorrido, de modo que, não pode, agora, ser enfrentada neste julgamento, visto que esse julgamento somente seria possível em se tratando de matéria exclusivamente de direito (CPC, art. 515, § 3º).

10.- Recurso Especial provido, com anulação do Acórdão e determinação de novo julgamento.

Ministro SIDNEI BENETI

Relator

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