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Promotor responde por dano moral em razão de entrevista sobre processo sigiloso

O representante do MP que promove a divulgação televisiva de fatos e circunstâncias que envolveram pessoas em processo que tramita em segredo de justiça deve responder a ação por danos morais. Para os ministros da 4ª turma do STJ, nesses casos, o membro do MP extrapola os limites de sua atuação profissional e tem, por isso, responsabilidade solidária com a emissora.

Da Redação

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Atualizado às 08:47


Sigilo

Promotor responde por dano moral em razão de entrevista sobre processo sigiloso

O representante do MP que promove a divulgação televisiva de fatos e circunstâncias que envolveram pessoas em processo que tramita em segredo de justiça deve responder a ação por danos morais. Para os ministros da 4ª turma do STJ, nesses casos, o membro do MP extrapola os limites de sua atuação profissional e tem, por isso, responsabilidade solidária com a emissora.

A turma manteve decisão do TJ/SP que confirmou a condenação solidária de um promotor, da Fazenda do Estado de São Paulo, e da TV Ômega (Rede TV!) ao pagamento de R$ 50 mil como ressarcimento por danos morais a um cidadão. A decisão foi dada no julgamento de recurso especial apresentado pelo promotor.

Acusado do crime de abandono material (deixar de pagar alimentos à mãe idosa), o cidadão chegou a ser preso, mas, posteriormente, foi inocentado. Embora haja previsão legal de sigilo nesse tipo de processo, o promotor participou da divulgação do caso em programa de TV. Por isso, o cidadão ajuizou ação de indenização e acusou o promotor de ultrapassar os limites de suas atribuições legais ao levar a público, principalmente pela via televisiva, questões judiciais protegidas pelo segredo de justiça.

Proteção ao idoso

No recurso ao STJ, o promotor afirmou que, "assim como o juiz de Direito, conquanto possam ser responsabilizados pelos atos cometidos com dolo ou culpa no exercício das suas funções, os promotores não podem figurar no polo passivo da ação ordinária de indenização movida pelo ofendido, ainda que em litisconsórcio passivo ao lado da Fazenda Pública".

O promotor contou que, na época dos fatos, exercia sua função no Gaepi - Grupo de Atuação Especial de Proteção ao Idoso e, portanto, na qualidade de agente político estaria "a salvo de responsabilização civil por seus eventuais erros de atuação, a menos que tenha agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder". O promotor também alegou cerceamento de defesa e pediu, caso fosse mantida a condenação, a redução do valor da indenização para um terço do seu salário.

Sigilo legal

O relator do recurso, ministro João Otávio de Noronha, entendeu que tanto o juiz quanto o tribunal estadual decidiram de maneira fundamentada e não desrespeitaram a Lei Orgânica do Ministério Público (8.625/93 - clique aqui). O ministro entende que o caso é de quebra de sigilo legal pelo representante do MP estadual. Para ele, chegar a uma conclusão diversa exigiria reexame de fatos e provas, o que é vedado ao STJ em julgamento de recurso especial.

O TJ/SP ponderou que a televisão não constitui meio nem instrumento da atuação funcional do promotor, de quem se espera que não dê publicidade aos casos e processos em que atua, menos ainda em questão que envolve segredo de justiça. De acordo com a decisão do Tribunal, "o promotor e o meio televisivo não agiram com o intuito de informar, mas de causar sensacionalismo com a devassa sobre aspectos da intimidade de uma família, que jamais deveriam ter sido divulgados".

O acórdão do TJ/SP concluiu que o representante do MP causou danos à imagem do cidadão, não pela sua atuação institucional, mas por dar publicidade dos fatos à imprensa: "Os danos morais ocorridos não decorreram das atividades institucionais do Ministério Público". Para o tribunal, o fato de o cidadão se ver "enredado em cena de cunho constrangedor, reproduzida em programa de televisão, causou a ele situações embaraçosas e consequências negativas para o meio social em que vive".

Quanto à redução do valor da indenização, o ministro relator considerou que não se trata de quantia exorbitante, o que impede a revisão pelo STJ. A execução provisória da condenação estava em andamento e havia sido suspensa por uma liminar concedida pelo ministro Noronha em abril de 2009. Com a decisão, a liminar foi cassada.

Confira abaixo a decisão na íntegra

__________

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.162.598 - SP (2009/0208866-6)
RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
RECORRENTE : EDSON ALVES COSTA
ADVOGADO : AMARO ALVES DE ALMEIDA NETO E OUTRO(S)
RECORRIDO : JOSÉ RODRIGUES MARTINS
ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO GONÇALVES GOUVEIA E OUTRO(S)
INTERES. : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO
INTERES. : TV ÔMEGA LTDA

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. INVIABILIDADE DE APRECIAÇÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. REPRESENTANTE DO PARQUET. RESPONSABILIDADE CIVIL. LEGITIMIDADE. PROCESSO EM SEGREDO DE JUSTIÇA. ART. 26, § 2º, DA LOMP. DIVULGAÇÃO TELEVISIVA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. ARTS. 130 E 330, I, DO CPC. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. DISSÍDIO NÃO CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO.

1. Não cabe ao Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, apreciar matéria constitucional, sob pena de violar a rígida distribuição de competência recursal disposta na Lei Maior.

2. O representante do parquet que extrapola os limites de sua atuação profissional, promovendo a divulgação televisiva dos fatos e circunstâncias que envolveram as pessoas em processo que tramita em segredo de justiça, possui legitimidade para estar no polo passivo da respectiva ação de responsabilidade por danos morais (art. 26, § 2º, da Lei n. 8.625, de 12.2.1993; e art. 201, § 4º, da Lei n. 8.069/90). Rever a decisão das instâncias originárias implicaria revolvimento do conjunto fático-probatório (Súmula n. 7/STJ).

3. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, tendo o Tribunal a quo concluído que a lide poderia ser julgada antecipadamente por estarem presentes as hipóteses do art. 330, I e II, do CPC, é inviável, em sede de recurso especial, rever tal entendimento.

4. Inviabiliza-se o conhecimento de recurso especial fundado no permissivo da alínea "c" quando não atendidos os requisitos imprescindíveis à demonstração do dissídio pretoriano conforme prescrições do art. 541, parágrafo único, do CPC e do art. 255, § 2º, do RISTJ.

5. A revisão de indenização por danos morais é admitida em recurso especial somente na hipótese em que o valor fixado nas instâncias locais seja exorbitante ou ínfimo, o que não ocorre na espécie.

6. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 02 de agosto de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

Trata-se de recurso especial interposto por EDSON ALVES COSTA fundado nas alíneas 'a e 'c', do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferido em sede apelação nos autos de ação de indenização por danos morais ajuizada pelo recorrido em desfavor do ora recorrente e da Fazenda Pública do Estado de São Paulo e de TV Ômega Ltda. Eis a ementa do julgado:

"Responsabilidade Civil - Indenização - Dano Moral - Publicidade dada por emissora de televisão acompanhada de representante do Ministério Público, em fato que a lei determina segredo de justiça - Indenização devida - Inteligência do artigo 5º, V e X, da Constituição Federal - Sentença mantida - Recursos não providos."

Os embargos de declaração opostos foram acolhidos sem efeitos infringentes por aresto com a seguinte ementa:

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Acolhidos para apreciar as preliminares de ilegitimidade passiva e nulidade da sentença por cerceamento de defesa, o pedido de redução da verba honorária e a alegação de decadência. No mais, o v. acórdão é mantido. Não cabimento de Prequestionamento. Embargos acolhidos, sem modificação do julgado."

O recorrente, a propósito de sua ilegitimidade passiva ad causam , sustenta a negativa de vigência aos arts. 3º, 85 e 267, VI, do CPC e 37, 6º, da Constituição Federal, ao argumento de que "o Promotor de Justiça, assim como o Juiz de Direito, conquanto possam ser responsabilizados pelos atos cometidos com dolo ou culpa no exercício das suas funções, não podem figurar no pólo passivo da ação ordinária de indenização movida pelo ofendido, ainda que em litisconsórcio passivo ao lado da Fazenda Pública". Alega que, ao tempo dos fatos, exercia sua função no GAEPI - Grupo de Atuação Especial de Proteção ao Idoso e, portanto, na qualidade de agente político (art. 37, § 6º, da CF) estaria "a salvo de responsabilização civil por seus eventuais erros de atuação, a menos que tenha agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder" (e-STJ, fl.617). Suscita ainda, quanto ao tema, a existência de dissenso pretoriano no que tange à interpretação do art. 37, § 6º, da CF. Para tanto, colaciona precedentes proferidos pelo Supremo Tribunal Federal: RE n. 228.977-2/SP, Ministro Néri da Silveira, e RE 327.904-1/SP, Ministro Carlos Britto. Em reforço de argumentação, menciona precedente do próprio Tribunal prolator do aresto recorrido, proferido na Apelação Cível n. 71.180-4/0, pela 9.ª Câmara de Direito Privado, Des. Silva Rico.

Em preliminar, aponta também ofensa aos arts. 130 e 330, I, do CPC, alegando a nulidade do decisum recorrido em razão do cerceamento de defesa, visto que postulou "provar os fatos e o direito que alegou por todos os meios em Direito Admitidos, sem exclusão de nenhum deles, especialmente pelo depoimento pessoal do Requerente, inquirição de testemunhas por rol que será ofertado no momento oportuno, juntada de novos documentos, perícias, exibição de documentos ou coisas e tudo o mais para o perfeito julgamento da lide" (e-STJ, fl. 632).

Assevera que não há prova nos autos, além das afirmações do autor, que fundamente a decisão do MM. Juiz, referendada pelo Tribunal a quo, de julgar antecipadamente a lide. Suscita existência de divergência jurisprudencial com aresto desta Corte Superior exarado no REsp n. 886.030/AL, Quarta Turma, Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 12.3.2007.

No mérito, insurge-se contra o valor fixado pelo acórdão recorrido a título de indenização por danos morais, afirmando que, na hipótese dos presentes autos, "verifica-se uma gritante ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na condenação do ora recorrente ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) corrigidos monetariamente e juros de 1% ao mês" (e-STJ, fl. 637). Isto porque, além da desproporção com o seu ganho mensal como Promotor de Justiça, a solidariedade passiva poderá levar o recorrente a responder, em eventual execução, pelo total do valor fixado na sentença.

Ao final, requer a cassação do acórdão recorrido com base na preliminar de ilegitimidade passiva ad causam , com a extinção do feito sem julgamento do mérito, ou, alternativamente, a decretação da nulidade do aresto vergastado pelo reconhecimento do cerceamento de defesa, ou, na hipótese de desacolhimento das preliminares, a redução do valor da indenização para 1/3 (um terço) do valor do salário líquido do recorrente.

Em suas contrarrazões (e-STJ, fls.730/741), o recorrido alega que incide na espécie a Súmula n. 284/STF, em razão das graves deficiências existentes na fundamentação do recurso, e a n. 7/STJ porque "impossível se torna verificar qual seja a real responsabilidade sem eventual análise probatória" (e-STJ, fl.733). Sustenta que o recurso especial não se presta ao julgamento de matéria constitucional, o que afasta a análise de violação do art. 37, § 6º, da CF. Em relação à apontada ofensa aos arts. 130 e 330 do CPC, assevera que o Tribunal de origem é soberano na apreciação das provas produzidas no processo e, na hipótese, os autos foram instruídos com a cópia do programa televisivo (encartado à fl. 418) que comprova os fatos narrados, afastando a

alegação de que o decisum recorrido fundamentou-se tão somente em alegações. Quanto ao dissenso jurisprudencial, aponta deficiência em sua demonstração, pois o recorrente não fez o cotejo analítico dos arestos confrontados, limitando-se a juntar cópia de acórdãos proferidos em outros tribunais.

No mérito, alega que, nos termos do art. 3º do CPC, o recorrente foi o agente que praticou o ato danoso, o qual não condiz com a sua atuação profissional e, conforme preceitua o art. 85, também do CPC, existe a possibilidade de responsabilizar-se o Órgão do Ministério Público e, no presente caso, a "própria fita VHS juntada aos autos (fls. 418) bem demonstra a intencionalidade do recorrente na prática da auto-promoção pessoal" (e-STJ, fl. 736). Diz ainda que o recorrente não esclarece a alegada ofensa ao art. 267 do CPC, "sendo impossível determinar-se a real ofensa ao referido dispositivo". No tocante à violação dos arts. 130 e 330 do CPC, assevera que a presente demanda traz em seu bojo não um mas uma evolução de fatos que culminaram com o dano moral reconhecido, pois o ora recorrente ultrapassou os limites de suas atribuições legais ao levar a público, principalmente pela via televisiva, questões judiciais protegidas pelo segredo de justiça, o qual teria atuado como um verdadeiro super-herói de TV.

Assevera que tais fatos não constituem meras alegações, são fatos devidamente comprovados, pois o processo foi instruído com a fita gravada do programa televisivo (e-STJ, fl. 739), e requer o não conhecimento do recurso e se, vencido o juízo de admissibilidade, seu não provimento.

Em petição de 20.10.2009, o recorrido juntou cópia de aresto do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por votação unânime, confirmou a sentença de primeiro grau que o absolveu da acusação de crime de abandono material. O referido acórdão relata que o réu cuidou de sua mãe por mais de 17 anos e que, no período em que teria ocorrido o abandono, ele esteve internado para tratamento de sua saúde (e-STJ, fls. 890/895).

Inadmitido o recurso na origem (e-STJ, fls. 748/749), ascenderam os autos a este Superior Tribunal de Justiça por força da decisão que proveu o agravo de instrumento n. 1.066.715/SP, interposto contra o despacho denegatório do apelo extremo (e-STJ, fl. 829).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (RELATOR):

Passo, pois, à análise das proposições deduzidas.

I - Violação do art. 37, § 6º, da Constituição Federal e dissenso quanto à interpretação do mesmo dispositivo constitucional

No que se refere à alegação de ofensa ao art. 37, § 6º, da Constituição Federal, ressalta-se que não cabe ao Superior Tribunal de Justiça intervir em matéria de competência do STF, sob pena de violar a rígida distribuição de competência recursal disposta na Lei Maior. De igual modo, inviável a pretensão de caracterizar-se dissídio interpretativo em face de julgados procedentes do Supremo Tribunal Federal quanto a tema de índole constitucional.

II - Ofensa aos arts. 3º, 85 e 267, VI, do Código de Processo Civil

Não prospera a alegada ofensa aos dispositivos acima enumerados no tocante ao

tema da legitimidade passiva do ora recorrente nos autos da presente ação de indenização por dano moral em litisconsórcio passivo com a Fazenda Pública do Estado de São Paulo e a TV Ômega Ltda.

De plano, verifico que o recorrente, em suas razões recursais, apoiou-se fundamentalmente em dispositivo de ordem constitucional (art. 37, § 6º, da CF) para suscitar a sua ilegitimidade ad causam , o que refoge à competência deste Superior Tribunal de Justiça.

Ademais, mesmo que superado esse óbice, não há por que se falar em ofensa aos dispositivos infraconstitucionais indicados. O voto condutor do acórdão recorrido, inicialmente com supedâneo no art. 155, II, do CPC e no art. 5º, LX, da CF - segredo de justiça -, alargado em sede de aclaratórios, para incluir na sua fundamentação os arts. 85 do CPC; 26, § 2º, da Lei Orgânica do Ministério Público; e 201, § 4º, do ECA, manteve a sentença de primeiro grau no tocante à legitimidade do representante do Ministério Público para estar no polo passivo da presente demanda, nos seguintes termos:

"O caso em exame versa sobre pedido de alimentos entre parentes em linha reta descendente (pedido de revisão de alimentos requeridos pela mãe ao filho), e em havendo sigilo legal sobre a matéria, incumbe ao órgão do MP resguardar o sigilo.

Como bem observou a r.decisão recorrida (fls. 313):

'Como o Doutor Promotor havia mediado um acordo de pensão alimentícia, para cuja redução intentara o autor ação revisional de alimentos, não podia trazer a público, fatos relacionados a tais procedimentos, nem a prisão em flagrante por crime de abandono material, que teria se caracterizado pela falta de pagamento da pensão alimentícia que tinha sido ajustada '.

O representante do Ministério Público, in casu, causou danos à imagem do autor, não pela sua atuação institucional, mas por dar publicidade à imprensa de fatos que lesaram sua pessoa e a profissão, havendo nexo entre essa publicidade e os atos lesivos.

Os danos morais ocorridos, não decorreram das atividades institucionais do Ministério Público. Este, por obrigação institucional e legal ao apurar ilícitos, cujo conhecimento lhes chegue, deve fazê-lo na forma da lei, não estando de forma alguma acima dela.

É inquestionável direito da pessoa, posto que respeitante à personalidade, em não ter divulgado a sua imagem, tenha ou não a divulgação fins lucrativos. No caso em que o autor, se viu enredado em cena de cunho constrangedor e que, sem que lhe fosse solicitado, teve a mesma reproduzida em programa de televisão causou-lhe situações embaraçosas e consequências negativas para o meio social em que vive" (e-STJ, fls.478 e 480).

Releva notar que a questão foi devidamente apreciada pelo MM. Juiz de primeira instância, Dr. Edson Ferreira da Silva, ao afastar a alegação do ora recorrente acerca da "tipificação do crime de abandono material na conduta do autor (ora recorrido) em relação à sua mãe, a regularidade e a legalidade da prisão em flagrante por esse delito, a correção da sua atitude em provocá-la e a sua veiculação pela imprensa como repasse de informação verídica, com simples animus narrandi , sem ofensa à Lei de Imprensa" (e-STJ, fl.331). Transcrevo, pela sua clareza, os fundamentos que foram mantidos pelo Tribunal a quo:

"Todavia, a televisão não constitui meio nem instrumento da atuação funcional do Promotor de Justiça, de que se espera que não dê publicidade aos casos e processos em que atua, menos ainda em questão que envolve segredo de justiça.

(...)

E o disposto no art. 155 do CPC prescreve que os atos processuais são públicos, mas correm em segredo de justiça os processos em que o exigir o interesse público e os que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.

Como o Dr. Promotor havia mediado um acordo de pensão alimentícia, para cuja redução intentara o autor ação revisional de alimentos, não podia trazer a público fatos relacionados a tais procedimentos, nem a prisão em flagrante por crime de abandono material, que teria se caracterizado pela falta de pagamento da pensão alimentícia que tinha sido ajustada.

Tinha, pois, o Doutor Promotor de Justiça o dever de sigilo quanto a fatos cobertos por segredo de justiça de que teve conhecimento no exercício da função.

E a liberdade de imprensa, que não é absoluta, deve se deter quanto a fatos cobertos por sigilo legal e também quando envolve a intimidade da vida privada das pessoas, igualmente protegida pela Constituição Federal.

O Doutor Promotor de Justiça e o meio televisivo não agiram com o intuito de informar, mas de causar sensacionalismo com a devassa sobre aspectos da intimidade de uma família, que jamais deveriam ter sido divulgados" (e-STJ, fls. 331/332).

O ponto merece destaque, visto que o ora recorrido, em petição de 30.9.2009 (e-STJ, fls. 890/895), juntou aos presentes autos cópia de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que negou provimento a apelação interposta pelo Ministério Público e manteve a sentença que o absolveu da acusação de crime de abandono material (8ª Câmara Criminal - B, apelação com revisão n. 974.692.3/6, originária da 3ª Vara Criminal do Foro Regional II, Santo Amaro da Comarca de São Paulo).

Com efeito, a legitimidade passiva do ora recorrente, na hipótese dos presentes autos, foi evidenciada por sua atuação em completa desarmonia com a legislação de regência, destacando-se a Lei Orgânica do Ministério Público, Lei n. 8.625, de 12.2.1993, que, em seu art. 26, § 2º (que reproduz o contido no art. 201, § 4º, Lei n. 8.069, de 13.7.1990, o ECA), de forma mais específica que o art. 85, do CPC, estabelece:

"Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:

(...)

§ 2º O membro do Ministério Público será responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar, inclusive nas hipóteses legais de sigilo."

Sendo assim, nos presentes autos, temos, exatamente, uma hipótese legal de sigilo que foi infringida pelo representante do Ministério Público estadual, não subsistindo a argumentação apresentada pelo recorrente. Além do que, para chegar-se a conclusão diversa a da exposta pelo magistrado a quo e confirmada pelo Tribunal de origem, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, consoante dispõe o enunciado da Súmula n. 7/STJ.

III - Negativa de vigência dos arts. 130 e 330 do CPC - Cerceamento de defesa -Divergência jurisprudencial

Sem razão o recorrente quanto à alegada nulidade do julgamento pela ausência de provas nos autos. Não prospera a sua irresignação contra o decisum de primeiro grau que julgou antecipadamente a lide, pois, na sentença, nos termos do art. 330 do CPC, o MM. Juiz de Direito considerou-se em condições de decidir antecipadamente a questão, levando em conta as alegações das partes e, especialmente, prova consistente em gravações geradas pela TV Ômega Ltda. em que se registra as cenas caracterizadoras do constrangimento narrado na inicial. Tal decisão foi confirmada pelo Tribunal de origem nos seguintes termos do voto condutor do aresto:

"O alegado cerceamento de defesa, não ocorreu. Verificada a presença nos autos, dos elementos necessários ao livre convencimento do MM. Juiz de origem, o julgamento antecipado da lide seria de rigor" (e-STJ, fl. 540).

A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é pacífica quanto à incidência da Súmula n. 7/STJ em casos da espécie, sob o fundamento de que, "tendo o e.Tribunal a quo concluído que a lide poderia ser julgada antecipadamente, em razão de estarem presentes as hipóteses do art. 330, incisos I e II, do CPC, é inviável a esta Corte, em sede de recurso especial, rever tal entendimento" (AgRg no Ag n. 657.289/BA, Quarta Turma, Ministro Jorge Scartezzini, DJ de 5.7.2007). E assim o é em razão da própria natureza do recurso especial, uma vez que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca das provas produzidas, em decorrência de sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa.

Na linha desse entendimento, entre os vários existentes, trago à colação o AgRg no Ag n. 750.388/PR, Primeira Turma, relatoria do Ministro Luiz Fux, DJ de 14.5.2007, com a seguinte ementa:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 544 DO CPC. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PROVA PERICIAL. PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL OU DA LIVRE CONVICÇÃO MOTIVADA. SÚMULA 07/STJ. JUNTADA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. DESNECSSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA.

1. O princípio da persuasão racional ou da livre convicção motivada do juiz, a teor do que dispõe o art. 131 do Código de Processo Civil, revela que ao magistrado cabe apreciar livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos.

2. Restando assentado pelo acórdão recorrido a desnecessidade da produção de prova pericial, afigura-se incontestável que o conhecimento do apelo extremo por meio das razões expostas pelo agravante ensejaria o reexame fático-probatório da questão versada nos autos, o que é obstado na via especial, em face da incidência do verbete sumular n.º 07 deste Superior Tribunal de Justiça. (Precedente: AgRg no REsp 873.421/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJ 27.11.2006)

(...)

5. Agravo regimental desprovido."

Na linha desse entendimento, menciono os seguintes precedentes: AgRg no Ag n. 1.044.254/RS, Quarta Turma, Ministro Luiz Felipe Salomão, DJe e 9.3.2009; AgRg no Ag n. 730.175/DF, Ministro Castro Meira, DJ de 5.4.2006; e REsp n. 215.01/BA, de minha relatoria, DJ de 5.9.2005, os dois últimos originários da Segunda Turma.

No tocante ao alegado dissenso pretoriano em relação à mesma questão do cerceamento de defesa, cabe à parte recorrente atender aos requisitos essenciais para a comprovação da divergência jurisprudencial, conforme prescrições dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255 do RISTJ.

A parte recorrente tão somente transcreveu a ementa e trechos do julgado apontado como divergente, não promoveu o necessário cotejo analítico entre os arestos em confronto, de forma que não há como verificar a ocorrência dos elementos necessários à comprovação do dissídio jurisprudencial alegado, quais sejam, semelhança entre as bases fáticas dos acórdãos confrontados e teses jurídicas divergentes conferidas a um mesmo contexto.

Ademais, da leitura dos trechos do acórdão paradigma transcrito pelo recorrente sobressai a ausência de similitude fático-jurídica, uma vez que o aresto padrão versa sobre divulgação de matéria jornalística, constando do voto condutor que, "(...) a partir do exame, porém, dos elementos que circundam a controvérsia, observa-se que a detecção de eventuais abuso e ilicitude, na atuação jornalística, restou ceifada ou, pelo menos, decotada de parte substancial, ..." (e-STJ, fls. 634/635). Diversamente, no acórdão recorrido, a questão está centrada na atuação do representante do parquet estadual, que agiu em desconformidade com os normativos que regem a sua conduta ao promover a divulgação por meio de programa de televisão, transmitido ao vivo, de atos processuais resguardados pelo segredo de justiça. A questão ficou assim registrada na sentença (e-STJ, fl.332):

"A prática de ilícito civil ou penal, do tipo imputado ao autor, de modo algum autorizava a sua pública desmoralização sob as câmeras de televisão. Agiram, pois, de forma abusiva e afrontosa às prerrogativas constitucionais do autor, tanto o Doutor Promotor de Justiça, que há de responder pessoalmente pelo abuso, juntamente com o Estado porque agiu no exercício da sua função estatal, quanto o órgão de comunicação, que cuidou de explorar o incidente de forma sensacionalista e por interesse comercial, respondendo todos de forma solidária."

Assim, seja pela falta de demonstração da divergência jurisprudencial na forma da legislação de regência com o devido cotejo analítico, seja pela ausência de similitude fático-jurídica entre os arestos em confronto, também quanto a esse ponto, o recurso não ultrapassa o juízo de admissibilidade.

IV - Dano Moral - Revisão do quantum No caso em apreço, o Tribunal de origem, com base no conjunto fático-probatório, ratificou a decisão atacada e manteve a condenação do ora recorrente, de forma solidária com a

Fazenda Pública do Estado de São Paulo e TV Ômega Ltda., ao pagamento de indenização a título de danos morais no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), com correção monetária e juros de mora de 1% ao mês, desde a data dos fatos, 18.5.2004 (e-STJ, fl. 476).

Ainda que o quantum indenizatório fixado na instância ordinária submeta-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, tal providência somente se faz necessária na hipótese em que o valor da condenação seja irrisório ou exorbitante, distanciando-se, assim, das finalidades legais e da devida prestação jurisdicional frente ao caso concreto.

Entendo, pelo que se aufere do contexto fático delineado no acórdão recorrido e da sentença de primeiro grau, que a fixação do valor indenizatório operou-se com moderação, na medida em que não concorreu para a geração de enriquecimento indevido da vítima, e, da mesma forma, manteve a proporcionalidade da gravidade da ofensa ao grau de culpa e ao porte socioeconômico dos causadores do dano.

Assim, uma vez não verificada a excepcionalidade capaz de ensejar revisão pelo STJ, o conhecimento do apelo extremo implicaria reexame de questões fático-probatórias presentes nos autos, o que, no caso, afigura-se inviável em face do enunciado da Súmula n. 7 desta Corte.

V - Conclusão

Ante o exposto, não conheço do recurso especial e julgo extinta a ação cautelar a ele vinculada (MC n. 15.498/SP) ante a perda de seu objeto, ficando, consequentemente, revogada a liminar ali deferida.

Junte-se cópia da presente decisão aos autos da MC n. 15.498/SP.

É o voto.

__________