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Partilha

Ex-esposa pode sacar R$ 8 milhões em indenização devida ao ex-marido

O montante indenizatório constava nos autos do inventário e partilha e o vínculo conjugal era regido pela comunhão parcial de bens.

Da Redação

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Atualizado às 15:12

Partilha

Mulher tem direito à indenização oriunda de fim de sociedade do ex-marido

A 4ª turma do STJ assegurou a uma mulher o direito de sacar, sem prestação de caução, metade da indenização paga ao ex-marido em processo de dissolução de sociedade comercial. O ex-marido integrava o quadro societário de uma empresa durante o matrimônio em regime de comunhão parcial de bens.

O casamento durou de 1992 a 2000, quando houve a separação de corpos, e em 2004 houve o divórcio. A indenização pela dissolução parcial da sociedade, no valor total de R$ 16 milhões, integrou os bens objeto do inventário e foi bloqueada para assegurar a divisão.

O homem requereu em juízo o levantamento de 50% do valor da indenização, parte que era sua por direito, o que lhe foi concedido em decisão proferida em agravo de instrumento. A mulher também conseguiu o levantamento da outra metade do valor.

No presente recurso especial, o homem contestou o direito de levantamento dado à ex-esposa. Argumentou que o inventário ainda estava em fase de perícia e que não havia decisão sobre a meação.

O ministro Luis Felipe Salomão, relator, observou que houve sentença no processo de inventário e partilha reconhecendo o direto de cada uma das partes a 50% do valor da indenização fixada em processo já transitado em julgado.

Veja a íntegra da sentença.

__________

RECURSO ESPECIAL Nº 1.283.796 - RJ (2011/0210907-2)

RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE: R.J.A.H.

ADVOGADO: CARMEN VILLARONGA FONTENELLE E OUTRO(S)

RECORRIDO: C.M.A.D.

ADVOGADOS: SERGIO RONALDO SAHIONE FADEL E OUTRO(S) / MARCELO FADEL E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. LEVANTAMENTO DE MEAÇÃO EM PROCESSO DE INVENTÁRIO E PARTILHA PENDENTE NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. PATRIMÔNIO DE GRANDE VULTO A RESPALDAR EVENTUAL DIFERENÇA PORVENTURA APURADA EM PROCESSO DE INVENTÁRIO E PARTILHA. ANTECIPAÇÃO DE PARTILHA DEFERIDA AO EX-CÔNJUGE. COMPORTAMENTO PROCESSUAL CONTRADITÓRIO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. SÚMULA 7 DO STJ. NÃO OCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC.

1. Inexiste violação ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma suficiente sobre a questão posta nos autos, sendo certo que o magistrado não está obrigado a rebater um a um os argumentos trazidos pela parte se os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

2. Em regra, os requisitos autorizadores da concessão de tutela antecipada, previstos no artigo 273 do Código de Processo Civil, devem ser aferidos pelo juiz natural, sendo defeso ao Superior Tribunal de Justiça o reexame dos aludidos pressupostos, em face do óbice contido na súmula 7/STJ.

3. A impossibilidade de reversão da decisão (em fase de execução), que reconheceu o direito do ex-cônjuge varão à percepção de indenização em processo de dissolução de sociedade comercial, cumulada com apuração de haveres, somada ao direito incontroverso da ex-mulher à meação desses valores, legitima seu levantamento pela recorrida, máxime tendo em vista que o patrimônio do casal é suficientemente expressivo para cobrir qualquer diferença porventura apurada em favor de um ou de outro, nos autos do inventário e partilha, consoante consignado pelo tribunal de origem (fl. 191). Infirmar tal decisão é vedado pelo óbice erigido pela Súmula 7 do STJ.

4. Ademais, sendo o escopo precípuo da caução prevenir provável risco de grave dano de difícil ou incerta reparação a que exposto o executado com o prosseguimento da execução, ressoa inequívoca a prescindibilidade desta garantia no caso em julgamento, ante o expressivo vulto do patrimônio partilhável.

5. Ademais, a antecipação de partilha outorgada ao recorrente, sob os mesmos motivos e condições outrora defendidos, e que ora impugna, descerra comportamento processual contraditório, caracterizado como venire contra factum proprium. Precedentes.

6. Recurso especial não provido. Cassada a liminar concedida na medida cautelar 17.090/RJ.

ACÓRDÃO

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial e cassou liminar concedida na MC 17090/RJ, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). PAULO DE MORAES PENALVA SANTOS, pela parte RECORRENTE: R.J.A.H.

Dr(a). MARCELO FADEL, pela parte RECORRIDA: C.M.A.D.

Brasília (DF), 14 de fevereiro de 2012 (Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente e Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. C.M.A.D., nos autos do inventário e partilha decorrente de dissolução de sociedade conjugal em face do ex-cônjuge, R.J.A.H., requereu a liberação de 50% do valor da indenização obtida pelo varão em processo de dissolução de sociedade comercial, cumulada com apuração de haveres, no qual este sagrou-se vencedor. Alegou que a metade do ex-marido fora liberada, em sede de agravo de instrumento, cuja decisão fundamentou-se no grande vulto do patrimônio do ex-casal. Por isso requereu o mesmo direito à antecipação de partilha.

Sobreveio decisão de indeferimento do pedido, em virtude da impossibilidade de aferição do real valor do patrimônio partilhável, especialmente por conta da disparidade dos valores defendidos pelas partes, razão pela qual a liberação de qualquer montante só pode ser realizada após o julgamento de mérito do processo de inventário e partilha (fls. 21-26).

Foi interposto agravo de instrumento (fls. 6-15), provido nos termos da seguinte ementa (fls. 186-191):

AGRAVO. INVENTÁRIO E PARTILHA. PEDIDO DE LEVANTAMENTO DE QUANTIA BLOQUEADA REFERENTE À METADE DO VALOR OBTIDO PELO EX-CÔNJUGE VARÃO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO COM A RECORRENTE EM AÇÃO JUDICIAL. LIBERAÇÃO DE METADE DO VALOR EM QUESTÃO AO AGRAVADO EM RECURSO IDENTIFICADO MANEJADO EM 2008. TRATAMENTO IDÊNTICO QUE SE DÁ À AGRAVANTE PARA LEVANTAMENTO DE SUA MEAÇÃO. MEAÇÃO.

Possibilidade e autorizar à ex-mulher o levantamento da metade a que te direito, levando-se em consideração que o ex-cônjuge varão está na posse da quantia liberada por este Colegiado desde 04/12/2008, passados mais de um ano e meio sem que a agravante tenha recebido a meação a que tem direito sobre o apontado crédito.

Necessidade da ex-esposa de usar e gozar da parte que lhe compete, não se vislumbrando prejuízo à parte agravada no momento em que há notícia do expressivo patrimônio que o ex-casal amealhou no período em que estavam casados.

Recurso provido.

Opostos embargos de declaração (fls. 203-210 e 420-427), foram rejeitados (fls. 406-410 e 481-484).

Ricardo José Areas Henriques interpôs o presente recurso especial, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, alegando violação aos arts. 535, 475-O, III, e 273 do CPC (fls. 491-515).

Sustentou, em suma, que o processo em que o recorrente obteve o direito à indenização ainda não transitou em julgado, bem como não foi exigida a prestação de caução, razão pela qual a imediata ordem de levantamento do montante de cerca de 8.000.000,00 (oito milhões de reais), antes da finalização do inventário - no qual será apurado o valor da meação cabível à recorrida -, caracteriza ofensa ao art. 475-O, III, do CPC.

Ademais, tal levantamento - ante a ausência de decisão quanto à meação, uma vez que o processo de inventário encontra-se em fase de perícia -, consubstancia verdadeira antecipação de tutela, sem o preenchimento dos requisitos exigidos pelo art. 273 do CPC.

Foram oferecidas contrarrazões ao recurso (fls. 535-547) aduzindo o esvaziamento do patrimônio pelo recorrente, mediante remessa de numerário para o exterior ao tempo da dissolução da sociedade conjugal, bem como o princípio da isonomia - uma vez que o recorrente já levantou a sua meação sob os mesmos fundamentos que ora impugna. Outrossim, defendeu a incidência da Súmula 7 do STJ.

O recurso foi inadmitido na instância de origem (fls. 558-562), tendo subido a este Tribunal por força do provimento do agravo de instrumento (fl. 598).

Foi por mim deferida liminar em medida cautelar (MC 17.090) proposta pelo ora recorrente, para condicionar o levantamento dos valores pleiteados à prestação de garantia real ou fidejussória.

Sobreveio também petição às fls. 603-662, informando que o Juízo do inventário proferiu decisão, em 27/10/2011, que, especificamente em relação ao objeto dos valores em litígio, determinou a partilha na proporção de 50% para cada parte.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Preliminarmente, não se constata ofensa ao art. 535 do CPC, porquanto o Tribunal de origem pronunciou-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, apenas tendo albergado entendimento divergente da tese defendida pela recorrente.

Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, contanto que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

3. Quanto à alegada violação ao art. 475-O, III, do CPC, verifica-se a ausência de prequestionamento a ensejar o não conhecimento do recurso, sendo certo que a ausência de pronunciamento do Tribunal quanto ao dispositivo em questão deve-se à sua impertinência ao caso em tela, haja vista tratar-se a questão controvertida de antecipação de tutela em sede de processo de inventário e partilha decorrente de dissolução de sociedade conjugal, em que se pretende a obtenção da antecipação da partilha relativa à parcela do patrimônio comum objeto de indenização recebida pelo varão.

4. Quanto à suposta ofensa ao art. 273 do CPC, conheço do recurso ante o prequestionamento implícito do referido artigo, o que se passa a analisar.

4.1. No caso em julgamento, o casamento entre as partes perdurou de 1992 a 2000, quando houve a separação de corpos, tendo o divórcio ocorrido no ano de 2004, sendo certo que o recorrente integrava o quadro societário da sociedade Flora Medicinal J. Monteiro da Silva Ltda. durante a constância da relação conjugal, regida pelo regime da comunhão parcial de bens.

Entre os bens objeto do inventário, de maneira incontroversa encontra-se a indenização oriunda do processo de dissolução parcial da referida sociedade, além de apuração de haveres, em que o recorrente sagrou-se vencedor, e cujo valor, tão logo satisfeito pelo credor, foi bloqueado a pedido da recorrida, com vistas a assegurar o seu direito à meação.

Neste processo de apuração de haveres da sociedade comercial, verifica-se que, em 13/10/2009, ocorreu o trânsito em julgado no sentido de que o pagamento dos haveres do sócio retirante da sociedade é exigível de imediato quando definido o respectivo valor na via judicial, sem nenhuma alteração no montante indenizatório.

O recorrente requereu ao juízo o levantamento de 50% do valor da indenização (cerca de oito milhões), o que, indeferido de início, foi-lhe concedido por decisão prolatada em agravo de instrumento, ao fundamento de que "[...] o expressivo patrimônio que o ex-casal possui no Brasil e os valores em dólares que a parte agravada alega terem sido remetidos pelo ex-cônjuge varão para o exterior, que se encontra qualificado no Banco Central do Brasil às fls. 39 e 40 destes autos", consoante destacado no acórdão recorrido (fl. 191).

O voto condutor do acórdão estadual ora impugnado informou que a recorrida solicitou ao juízo o levantamento da outra metade do crédito, com base nos mesmos motivos utilizados por aquele colegiado para deferir o anterior pedido do recorrente (fl. 188), o qual contra tal pedido ora se insurge ao argumento de violação dos arts. 475-O, III, e 273, do CPC.

4.2. Com efeito, é fato incontroverso nos autos que o montante indenizatório integra o acervo patrimonial objeto do atual processo de inventário e partilha decorrente de dissolução do vínculo conjugal regido pela comunhão parcial de bens, consoante decisão do Juízo do processo de inventário.

Forçoso concluir, portanto, pelo direito da recorrida à meação, porquanto consectário lógico da presunção de propriedade comum, nos termos do art. 1.658 do CC:

Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.

Acerca do direito à meação oriundo do rompimento da sociedade conjugal em comunhão parcial de bens, os seguintes precedentes:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. REGIME DE BENS DO CASAMENTO. COMUNHÃO PARCIAL. BENS ADQUIRIDOS COM VALORES ORIUNDOS DO FGTS. COMUNICABILIDADE. ART. 271 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DOS ARTS. 269, IV, E 263, XIII, DO CC DE 1916. INCOMUNICABILIDADE APENAS DO DIREITO E NÃO DOS PROVENTOS. POSSIBILIDADE DE PARTILHA.

1. Os valores oriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço configuram frutos civis do trabalho, integrando, nos casamentos realizados sob o regime da comunhão parcial sob a égide do Código Civil de 1916, patrimônio comum e, consequentemente, devendo serem considerados na partilha quando do divórcio. Inteligência do art. 271 do CC/16.

2. Interpretação restritiva dos enunciados dos arts. 269, IV, e 263, XIII, do Código Civil de 1916, entendendo-se que a incomunicabilidade abrange apenas o direito aos frutos civis do trabalho, não se estendendo aos valores recebidos por um dos cônjuges, sob pena de se malferir a própria natureza do regime da comunhão parcial.

3. Precedentes específicos desta Corte.

4. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

(REsp 848.660/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 13/05/2011)

Direito civil. Família. Recurso especial. Divórcio direto. Embargos de declaração. Multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, afastada. Partilha de bens. Crédito resultante de execução. Ausência de interesse recursal. Eventuais créditos decorrentes de indenização por danos materiais e morais proposta por um dos cônjuges em face de terceiro. Incomunicabilidade. Créditos trabalhistas. Comunicabilidade. Fixação dos alimentos. Razoabilidade na fixação. Comprovação da necessidade de quem os pleiteia e da possibilidade de quem os presta.

[...]

- O ser humano vive da retribuição pecuniária que aufere com o seu trabalho. Não é diferente quando ele contrai matrimônio, hipótese em que marido e mulher retiram de seus proventos o necessário para seu sustento, contribuindo, proporcionalmente, para a manutenção da entidade familiar.

- Se é do labor de cada cônjuge, casado sob o regime da comunhão parcial de bens, que invariavelmente advêm os recursos necessários à aquisição e conservação do patrimônio comum, ainda que em determinados momentos, na constância do casamento, apenas um dos consortes desenvolva atividade remunerada, a colaboração e o esforço comum são presumidos, servindo, o regime matrimonial de bens, de lastro para a manutenção da família.

- Em consideração à disparidade de proventos entre marido e mulher, comum a muitas famílias, ou, ainda, frente à opção do casal no sentido de que um deles permaneça em casa cuidando dos filhos, muito embora seja facultado a cada cônjuge guardar, como particulares, os proventos do seu trabalho pessoal, na forma do art. 1.659, inc. VI, do CC/02, deve-se entender que, uma vez recebida a contraprestação do labor de cada um, ela se comunica.

- Amplia-se, dessa forma, o conceito de participação na economia familiar, para que não sejam cometidas distorções que favoreçam, em frontal desproporção, aquele cônjuge que mantém em aplicação financeira sua remuneração, em detrimento daquele que se vê obrigado a satisfazer as necessidades inerentes ao casamento, tais como aquelas decorrentes da manutenção da habitação comum, da educação dos filhos ou da conservação dos bens.

- Desse modo, se um dos consortes suporta carga maior de contas, enquanto o outro apenas trata de acumular suas reservas pessoais, advindas da remuneração a que faz jus pelo seu trabalho, deve haver um equilíbrio para que, no momento da dissolução da sociedade conjugal, não sejam consagradas e referendadas pelo Poder Judiciário as distorções surgidas e perpetradas ao longo da união conjugal.

- A tônica sob a qual se erige o regime matrimonial da comunhão parcial de bens, de que entram no patrimônio do casal os acréscimos advindos da vida em comum, por constituírem frutos da estreita colaboração que se estabelece entre marido e mulher, encontra sua essência definida no art. 1.660, incs. IV e V, do CC/02.

- A interpretação harmônica dos arts. 1.659, inc. VI, e 1.660, inc. V, do CC/02, permite concluir que, os valores obtidos por qualquer um dos cônjuges, a título de retribuição pelo trabalho que desenvolvem, integram o patrimônio do casal tão logo percebidos. Isto é, tratando-se de percepção de salário, este ingressa mensalmente no patrimônio comum, prestigiando-se, dessa forma, o esforço comum.

- "É difícil precisar o momento exato em que os valores deixam de ser proventos do trabalho e passam a ser bens comuns, volatizados para atender às necessidades do lar conjugal."

- Por tudo isso, o entendimento que melhor se coaduna com a essência do regime da comunhão parcial de bens, no que se refere aos direitos trabalhistas perseguidos por um dos cônjuges em ação judicial, é aquele que estabelece sua comunicabilidade, desde o momento em que pleiteados. Assim o é porque o "fato gerador" de tais créditos ocorre no momento em que se dá o desrespeito, pelo empregador, aos direitos do empregado, fazendo surgir uma pretensão resistida.

- Sob esse contexto, se os acréscimos laborais tivessem sido pagos à época em que nascidos os respectivos direitos, não haveria dúvida acerca da sua comunicação entre os cônjuges, não se justificando tratamento desigual apenas por uma questão temporal imposta pelos trâmites legais a que está sujeito um processo perante o Poder Judiciário.

- Para que o ganho salarial insira-se no monte-partível é necessário, portanto, que o cônjuge tenha exercido determinada atividade laborativa e adquirido direito de retribuição pelo trabalho desenvolvido, na constância do casamento. Se um dos cônjuges efetivamente a exerceu e, pleiteando os direitos dela decorrentes, não lhe foram reconhecidas as vantagens daí advindas, tendo que buscar a via judicial, a sentença que as reconhece é declaratória, fazendo retroagir, seus efeitos, à época em que proposta a ação. O direito, por conseguinte, já lhe pertencia, ou seja, já havia ingressado na esfera de seu patrimônio, e, portanto, integrado os bens comuns do casal.

- Consequentemente, ao cônjuge que durante a constância do casamento arcou com o ônus da defasagem salarial de seu consorte, o que presumivelmente demandou-lhe maior colaboração no sustento da família, não se pode negar o direito à partilha das verbas trabalhistas nascidas e pleiteadas na constância do casamento, ainda que percebidas após a ruptura da vida conjugal.

[...]

Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1024169/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 28/04/2010)

4.3. Por outro lado, não se vislumbra nenhuma possibilidade de reversão da decisão que condenou a sociedade Flora Medicinal J. Monteiro da Silva Ltda. ao pagamento da indenização ao recorrente, porquanto já em fase de execução (fl. 408).

Nessa linha de intelecção, motivo não há a respaldar a negativa do levantamento do crédito a que a recorrida faz jus, haja vista tratar-se de parcela líquida do patrimônio a que tem direito, máxime tendo em vista que o acervo patrimonial do casal é suficientemente expressivo para cobrir qualquer diferença porventura apurada em favor de um ou de outro, nos autos do inventário e partilha, o que foi consignado pelo Tribunal de origem (fl. 191):

Consignado, por derradeiro ficou que "(...) o expressivo patrimônio que o ex-casal possui no Brasil e os valores em dólares que a parte agravada alega terem sido remetidos pelo ex-cônjuge varão para o exterior, que se encontra quantificado pelo Banco Central do Brasil às fls. 39 e 40 destes autos".

Assim, considerando que o proesso de inventário do ex-casal não foi sequer concluído até a presente data, entendo ser possível e justo autorizar à ora agravante o levantamento da metade a que tem direito, levando-se em conta que o ex-cônjuge varão está na posse a quantia liberada por este Colegiado desde 04/12/2008, passados mais de um ano e meio sem que a agravante tenha percebido a meação a que tem direito sobre o apontado crédito, levando-se igualmente em, consideração a necessidade da mesma de usar e gozar da parte que lhe compete, entende-se que nenhum prejuízo irá causar à parte agravada no momento em que há notícia do expressivo patrimônio que o ex-casal amealhou no período em que estavam casados.

O acórdão dos embargos de declaração reforçou esse fundamento (fl. 409):

[...] o inventário ainda está na dependência da conclusão demorada da prova pericial que visa quantificar o valor integral do patrimônio do ex-casal, que inclui, além da referida indenização que já está liquidada, outros bens ainda em fase de avaliação pela prova técnica.

A perícia ainda em curso, de cuja conclusão dependerá o encerramento do inventário, em nada modificará o direito da embargada à metade do patrimônio já liquidado relativo à sua parcela na indenização.

O acórdão embargado também fundamentou, com base no julgamento do anterior agravo de instrumento no qual se reconheceu semelhante direito ao embargante que:

"Consignado por derradeiro ficou que "(...) o expressivo patrimônio que o ex-casal possui no Brasil e os valores em dólares que a parte agravada alega terem sido remetidos pelo ex-cônjuge varão para o exterior, que se encontra quantificado pelo Banco Central do Brasil às fls. 39 e 40 destes autos".

Dessarte, infirmar a decisão recorrida, que antecipou os efeitos da tutela, implicaria o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, o que é defeso a este Tribunal na estreita via do recurso especial ante o óbice contido na Súmula 7 do STJ.

Ademais, é de sabença que os requisitos autorizadores da concessão de tutela antecipada previstos no artigo 273 do Código de Processo Civil devem ser aferidos pelo juiz natural, sendo defeso ao Superior Tribunal de Justiça o reexame dos aludidos pressupostos.

À guisa de exemplo, confiram-se as ementas dos seguintes julgados:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ADMISSÃO PARCIAL DE RECURSO ESPECIAL PELO TRIBUNAL A QUO. ANÁLISE INTEGRAL PELO STJ. POSSIBILIDADE. SÚMULA 528/STF. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. NECESSIDADE. FUNDAMENTO SUFICIENTE INATACADO. SÚMULA 283/STF. TUTELA ANTECIPADA. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 07/STJ. ARRENDAMENTO RURAL. DESPEJO. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DESNECESSIDADE, DESDE QUE NÃO SE PRETENDA ANTECIPAR OS EFEITOS DA TUTELA INAUDITA ALTERA PARS.

[...]

- Aferir se estão presentes ou não os requisitos da prova inequívoca e da verossimilhança da alegação, exigidos pelo art. 273 do CPC, esbarra no óbice da Súmula 7/STJ, eis que tais pressupostos estão essencialmente ligados ao conjunto fático-probatório. Precedentes.

- Nas ações de despejo fundadas em contrato de arrendamento rural, o ato de citação produz todos os efeitos jurídicos decorrentes da cientificação da contraparte, sobre a manifestação da vontade expressa na petição inicial, oportunizando, inclusive, a purgação da mora, de modo que a prévia notificação do arrendatário se torna absolutamente dispensável.

- Todavia, havendo pedido de antecipação da tutela, inaudita altera pars, para determinar o despejo do arrendatário, haverá a necessidade da prévia notificação, a fim de oportunizar a purgação da mora.

Recurso especial não conhecido.(REsp 979.530/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25.03.2008, DJ 11.04.2008 p. 1)

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ART. 273 DO CPC. TUTELA ANTECIPADA. REQUISITOS. VERIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. SUMULA 7 DO STJ.

A falta de prequestionamento obsta o conhecimento da questão federal suscitada. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356 do STF.

A análise, em recurso especial, do preenchimento dos pressupostos exigidos pelo artigo 273 do CPC para a concessão de tutela antecipada encontra óbice no teor da Súmula 7 do STJ, porquanto demanda o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos.

Recurso especial não conhecido. (REsp 833.013/RS, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 25.03.2008, DJ 16.04.2008 p. 1)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. DESCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. LIMITES DO RECURSO ESPECIAL. VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES DO STJ. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL.

[...]

5. A análise da alegada inexistência da presença dos requisitos necessários para a concessão de tutela antecipada - os quais foram reconhecidos pelas instâncias ordinárias -, com a conseqüente reversão do entendimento exposto pelo Tribunal de origem, exigiria, necessariamente, o reexame da matéria fático-probatória dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, ante o óbice contido na Súmula 7/STJ. Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte Superior: AgRg na MC 12.068/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 28.5.2007, p. 319; AgRg no Ag 786.650/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 28.5.2007, p. 351; REsp 624.035/SC, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 25.4.2007, p. 303; REsp 840.607/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 25.8.2006, p. 337; REsp 397.840/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 13.3.2006, p. 186.

[...]

7. Desprovimento do agravo regimental. (AgRg no REsp 704.993/MS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25.03.2008, DJ 23.04.2008 p. 1)

4.3. Por oportuno, cabe salientar que, em sede de cognição sumária, foi por mim deferida liminar na MC 17.090, proposta pelo ora recorrente, condicionando o levantamento dos valores pleiteados à prestação de garantia real ou fidejussória.

Não obstante, examinando o mérito recursal, verifiquei que os valores da indenização objeto do bloqueio nos autos do processo de inventário e partilha, quer em sede de antecipação de tutela quer de execução provisória, devem ser liberados à recorrida, uma vez que o patrimônio partilhável é vultoso, consoante se dessume não apenas dos votos proferidos pelo tribunal a quo e que foram acima transcritos, mas também em virtude da prolatação de sentença no referido processo - fato novo trazido supervenientemente aos autos - que assegurou o direito da ex-cônjuge aos 50% da aludida indenização.

Trasladam-se excertos dessa decisão, de molde a demonstrar a expressividade do acervo patrimonial e a absoluta desnecessidade de prestação de caução no presente feito (fls. 653-661):

117- O varão admite como bens comuns os seguintes:

a) Sociedade Empresária Exceler Participações Ltda. (fls. 282, 1º parágrafo);

b) 25,04% dos apartamentos (fls. 80, item 2):

I - 1701, bloco 2, da Estrada da Gávea, nº 681, São Conrado;

II - 1701, bloco 2, da Rua Moraes e Silva, 51, Tijuca;

III - 1801, bloco 2, da Rua Moraes e Silva, 51, Tijuca.

c) 23,59% de valores em dólares correspondentes, à época, a R$ 2.500.000,00 (fls. 80, item 2).

Por se tratar de matéria incontroversa, integram o patrimônio comum dos contendores a empresa descrita na alínea "a" deste item e os percentuais dos bens descritos nas alíneas "b" e "c" do presente item, impondo-se a partilha dos mesmos, na proporção de 50% para cada um dos litigantes.

118- Quanto às frações remanescentes de 74,96% dos bens descritos na alínea "b" do item 117, e de 76,41% do bem descrito na alínea "c" do mesmo item e aos demais bens cuja partilha a inventariante pretende, impõe-se o exame da prova produzida em confronto com a data e forma de aquisição de cada um de tais bens, como a seguir:

1) 420.000 cotas da Sociedade RCH e respectivos haveres:

[...]

Assim, determino a partilha do bem aqui descrito (quotas e patrimônio) na proporção de 50% para cada um dos ex-cônjuges [...]

2) Fração remanescente de 74,96% do apartamento 1701 da Estrada da Gávea, nº 681, bloco 2, São Conrado:

[...]

Assim, considero que tal imóvel integra o acervo matrimonial comum dos litigantes, impondo-se a sua partilha na proporção de 50% para cada um dos ex- cônjuges.

3) Fração remanescente de 74,96 relativa aos apartamentos 1701 e 1801, bloco 2, da Rua Moraes e Silva, nº 51, Tijuca:

[...] tais bens integram o acervo matrimonial comum, mostrando-se imperiosa sua partilha na proporção de 50% para cada um dos ex-cônjuges;

4) Parcela remanescente de 76,41% dos valores em dólares correspondentes, à época, a R$ 2.500.000,00:

[...] considero, assim, que tais valores integram o acervo matrimonial comum dos contendores e determino a sua partilha na proporção de 50% para cada parte, após as devidas atualizações.

[...]

8) Sociedade Flora Medicinal J. Monteiro da Silva Ltda.:

[...] Assim, determino a partilha do valor das cotas que o varão possuía à época da separação de fato do casal, na sociedade Flora Medicinal J. Monteiro da Silva Ltda., na proporção de 50% para um dos contendores;

9) Valor de R$ 2.131.069,29 existente na conta do varão em agosto de 2000:

[...] Assim, considero tal valor integrante do acervo matrimonial comum, determinando sua partilha, na proporção de 50% para cada um dos contendores, após as devidas atualizações;

10) Valor de R$ 16.419.618,47, decorrente da ação de dissolução da sociedade nº 2000.001.121877-0, da 14ª Vara Cível:

[...] Considero, assim, que o valor mencionado integra o acervo matrimonial comum, impondo-se sua partilha, na proporção de 50% para cada parte, após as devidas atualizações;

11) Verba trabalhista no valor de R$ 1.016.825,56:

[...] Assim, determino que tal valor seja partilhado na proporção de 50% para cada parte, após as devidas atualizações;

119 - Enfatizando o teor dos itens 117 e 118 desta e por entender que os bens relacionados na alínea "a" do mencionado item 117, nos números 01, 08,09, 10 e 11 do aludido item 118 e que a totalidade dos apartamentos 1701, Estrada da Gávea, nº 681 e 1701 e 1801 da Rua Moraes e Silva, nº 51 e a integralidade dos valores em dólares correspondentes,, à época, a R$ 2.500.000,00 integram o acervo matrimonial comum, determino, ratificando o constante dos referidos itens, a partilha dos citados bens, na proporção de 50% para cada um dos contendores.

[...]

120- Eventuais bens não encontrados ou pendentes de decisão, como os automóveis Pajero Mitsubishi GLS e Mercedes Benz e as salas descritas a fls. 1025, item VII, dos presentes autos (três salas na Av. das Américas, 700, bloco 1, nº 131), deverão ficar para sobrepartilha, a fim de evitar seja o feito eternizado.

Nesse compasso, sendo o escopo precípuo da caução prevenir provável risco de grave dano de difícil ou incerta reparação a que exposto o executado com o prosseguimento da execução, ressoa inequívoca a prescindibilidade dessa garantia no caso em julgamento.

5. A título de reforço nessa linha de argumentação, oportuno destacar que foi concedida ao ex-cônjuge varão a antecipação da partilha relativa à indenização, sob fundamentos e condições idênticos à atual pretensão da recorrida, consoante consignado pelo tribunal a quo em sede de embargos declaratórios (fls. 408-409):

No aresto ora atacado ficou exaustivamente consignada a cronologia dos fatos que demonstram o inequívoco direito da embargada à metade do valor, líquido e em dinheiro, que se encontrava depositado no Juízo da 14ª Vara Cível, em razão da indenização referente aos haveres decorrentes da participação societária do embargante em sociedade comercial na qual ingressou na constância da sociedade conjugal, indenização essa que o próprio embargante, quando postulou no anterior agravo de instrumento o levantamento da metade que lhe cabia, reconheceu ser a outra metade direito da embargada.

Como se trata de valor já liquidado, depositado em dinheiro em sede de execução de sentença, o acórdão embargado entendeu, por simetria e à luz do que decidido no anterior agravo de instrumento, de nº 2008.002.24955, interposto pelo ora embargante, desnecessária a conclusão do inventário para a sua liberação, sendo justa a pretensão da parte embargada, separada há cerca de dez anos do embargante, de dispor da parcela líquida do patrimônio a que tem direito, considerando-se que o inventário está ainda na dependência da conclusão demorada da prova pericial que visa quantificar o valor integral do patrimônio do ex-casal, que inclui, além da referida indenização que já está liquidada, outros bens ainda em fase de avaliação pela prova técnica.

Com efeito, evidencia-se contradição no comportamento do recorrente, podendo-se caracterizar como venire contra factum proprium.

Inicialmente, ao pleitear a liberação da sua metade na indenização, sustentou ser desnecessário o término do processo de inventário ante o vulto do patrimônio partilhável, reconhecendo, por via reflexa, caber à ex-cônjuge o direito à meação. Posteriormente, quando a recorrida postula esse mesmo direito, passa a impugnar ferrenhamente os fatos e argumentos outrora defendidos.

Confira-se o magistério de Cristiano Chaves de Farias:

A vedação de comportamento contraditório obsta que alguém possa contradizer o seu próprio comportamento, após ter produzido, em outra pessoa, uma determinada expectativa. É, pois a proibição da inesperada mudança de comportamento (vedação da incoerência), contradizendo uma conduta anterior adotada pela mesma pessoa, frustrando as expectativas de terceiros. Enfim, é a consagração de que ninguém pode se opor a fato que ele próprio deu causa.

Com esse espírito, ALDEMIRO RZENDE DANTAS JUNIOR conceitua o venire contra factum proprium como "uma sequência de dois comportamentos que se mostram contraditórios entre si e que são independentes um do outro, cada um deles podendo ser omissivo ou comissivo e sendo capaz de repercutir na esfera jurídica alheia, de modo tal que o primeiro se mostra suficiente para fazer surgir em pessoa mediana a confiança de que uma determinada situação jurídica será concluída ou mantida."

Dessa noção conceitual, é possível retirar os elementos essenciais para a proibição de comportamento contraditório: i) uma conduta inicial; ii) a legítima confiança despertada por conta dessa conduta inicial; iii) um comportamento contraditório em relação à conduta inicial; iv) um prejuízo, concreto ou potencial, decorrente da contradição.

De acordo com JUDITH MARTINS COSTA, o venire se insere na "teoria dos atos impróprios", segundo a qual se entende que a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com a sua anterior conduta interpretada objetivamente. (Direito Civil, teoria geral. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 609).

Nessa esteira, os julgados a seguir:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FALÊNCIA. PARCELAMENTO DAS DÍVIDAS DO FALIDO PELO REFIS. AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO ADMINISTRATIVO COMPETENTE. TENTATIVA DE DESFAZIMENTO JUDICIAL. "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM". RECEBIMENTO DO CRÉDITO DE FORMA PARCELADA. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR.

1.- No caso dos autos, a União não se legitima a interpor recurso contra a sentença que, tendo em vista a extinção das obrigações do falido pela adesão ao REFIS, extinguiu a falência.

2.- Repugna ao ordenamento jurídico pátrio a adoção de comportamento processual contraditório. Assim, se a própria UNIÃO FEDERAL, por meio do órgão administrativo competente, aprovou a inclusão das dívidas fiscais da empresa falida no REFIS, não pode ela, em seguida, vir a Juízo buscar a desconstituição dessa situação jurídica, contrariando o seu comportamento anterior e prejudicando situação consolidada no tempo.

3.- Tal conclusão ainda mais se afirma, porque, no caso concreto, as parcelas contempladas no REFIS têm sido pagas regularmente, a evidenciar a ausência de interesse da recorrente em perseguir o prosseguimento do processo de falência, com alienação judicial do patrimônio do falido e pagamento dos credores segundo a ordem legal de preferência.

4.- Recurso Especial a que se nega provimento.

(REsp 1033963/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/10/2011, DJe 21/10/2011)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO RECORRIDO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. DUPLICATA ACEITA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE AFASTADA. NÃO PROVIMENTO.

1. Não há violação à norma de regência dos embargos de declaração, porquanto o juízo não está compelido a se manifestar sobre todas as teses dispensadas pelas partes, senão sobre aquelas essenciais à solução da lide.

2. A duplicata aceita vincula o aceitante. No caso dos autos, a recorrente aceitou duplicatas que agora alega representarem mais de uma fatura cada, em suposta afronta ao artigo 2º, § 2º, da Lei 5.474/68, atentando contra o princípio segundo o qual não é dado a ninguém comportar-se de forma contraditória.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1019067/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe 31/08/2011)

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO CIVIL. ANULAÇÃO PEDIDA POR PAI BIOLÓGICO. LEGITIMIDADE ATIVA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PREPONDERÂNCIA.

1. A paternidade biológica não tem o condão de vincular, inexoravelmente, a filiação, apesar de deter peso específico ponderável, ante o liame genético para definir questões relativa à filiação.

2. Pressupõe, no entanto, para a sua prevalência, da concorrência de elementos imateriais que efetivamente demonstram a ação volitiva do genitor em tomar posse da condição de pai ou mãe.

3. A filiação socioafetiva, por seu turno, ainda que despida de ascendência genética, constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, frise-se, arrimada em boa-fé, deve ter guarida no Direito de Família.

4. Nas relações familiares, o princípio da boa-fé objetiva deve ser observado e visto sob suas funções integrativas e limitadoras, traduzidas pela figura do venire contra factum proprium (proibição de comportamento contraditório), que exige coerência comportamental daqueles que buscam a tutela jurisdicional para a solução de conflitos no âmbito do Direito de Família.

5. Na hipótese, a evidente má-fé da genitora e a incúria do recorrido, que conscientemente deixou de agir para tornar pública sua condição de pai biológico e, quiçá, buscar a construção da necessária paternidade socioafetiva, toma-lhes o direito de se insurgirem contra os fatos consolidados.

6. A omissão do recorrido, que contribuiu decisivamente para a perpetuação do engodo urdido pela mãe, atrai o entendimento de que a ninguém é dado alegrar a própria torpeza em seu proveito (nemo auditur propriam turpitudinem allegans) e faz fenecer a sua legitimidade para pleitear o direito de buscar a alteração no registro de nascimento de sua filha biológica.

7. Recurso especial provido.

(REsp 1087163/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/08/2011, DJe 31/08/2011)

6. Ademais, convém assinalar o fato novo trazido aos autos, em petição datada de 7/11/2011 (fls. 603-662), que noticia a decisão do Juízo do inventário, no sentido de reconhecer o direito de cada uma das partes a 50% do montante da indenização em tela (fl. 659), tendo sido rejeitados os embargos de declaração do ora recorrente, com imposição da multa prevista no art. 538, parágrafo único do CPC, consoante verificado em consulta ao sítio do tribunal a quo.

7. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial e, por conseguinte, determino a cassação dos efeitos da liminar concedida na MC 17.090/RJ, que determinou a prestação de caução como condição ao levantamento do valor litigioso.

É o voto.

Brasília (DF), 14 de fevereiro de 2012 (Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente e Relator