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Decisão

TRF tranca ação penal contra homem que usava carro da Bolívia no Brasil

Réu é funcionário de empresa com sede no país vizinho.

Da Redação

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Atualizado às 08:50

O TRF da 3ª região decidiu trancar ação penal contra homem que utilizava carro de propriedade de uma empresa com sede na Bolívia para prestar serviços.

O MPF denunciou-o por ter introduzido o veículo irregularmente no país. A defesa alegou, entre outros, que o autor não é proprietário do veículo e que este não foi utilizado para a conduta prevista no art. 334 do CP.

Para o Tribunal, os documentos apresentados demonstram a ausência de dolo por parte do funcionário.

Os advogados Mauricio Tassinari Faragone e Everson Pinheiro Bueno, do escritório Faragone Advogados Associados, atuaram na causa pelo paciente.

_________

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

HABEAS CORPUS Nº 0005055-87.2012.4.03.0000/MS

2012.03.00.005055-6/MS

RELATOR : Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES

IMPETRANTE : MAURICIO TASSINARI FARAGONE

: EVERSON PINHEIRO BUENO

PACIENTE : M.E.V.

ADVOGADO : MAURICIO TASSINARI FARAGONE

IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE CORUMBÁ - 4ª SSJ - MS

No. ORIG. : 00013098120114036004 1 Vr CORUMBA/MS

RELATÓRIO

Descrição Fática: trata-se de habeas corpus impetrado a favor de M.E.V., contra suposto ato coativo do Juiz Federal da 1ª Vara Federal Criminal de Corumbá/MS, a fim de trancar ação penal em que o paciente figura como réu.

Consta dos presentes autos que o Ministério Público Federal denunciou M.E.V. por ter supostamente introduzido irregularmente em território nacional veículo usado, adquirido na Bolívia, cuja importação seria proibida (fls. 361/366).

Narra a denúncia que, em 2010, a Polícia Federal iniciou uma nova investigação, a fim de apurar a introdução e permanência de veículos estrangeiros no país. Apurou-se que, os investigados, brasileiros e bolivianos residentes no Brasil, utilizavam veículos com placas de identificação emitidas na Bolívia, com suspeita de introdução irregular no país.

Em 14 de abril de 2010, deflagrou-se a operação "Quatro Rodas II", a fim de coibir as supostas práticas delitivas. No mesmo dia, foi cumprido mandado de busca e apreensão em desfavor do paciente, apreendendo-se um veículo e seu respectivo registro de propriedade.

Explicitou o Ministério Público Federal que, caso fosse permitida a importação de veículos usados no país, os tributos devidos com a eventual importação normal totalizaria R$ 17.281,52 (dezessete mil, duzentos e oitenta e um reais e cinquenta e dois centavos).

Imputou-se ao réu, assim, a prática do crime previsto no art. 334, caput, do Código Penal.

A empresa "ITACAMBA CEMENTO S. A.", com sede em Santa Cruz, Bolívia, formulou pedido de restituição de coisa apreendida, alegando que o veículo apreendido é, na verdade, de sua propriedade e que o paciente o utilizaria apenas para lhe prestar serviços.

O pedido foi julgado improcedente e a referida empresa interpôs recurso de apelação em 21/11/2011 (fls. 44/45).

Impetrante: aduz, em síntese:

a) que o paciente estaria apenas utilizando o veículo de propriedade da empresa "ITACAMBA CEMENTO S. A." para sua locomoção para o trabalho;

b) necessidade de suspensão da ação penal, por ausência de coisa julgada em relação ao pedido de restituição de coisa apreendida formulado pela supracitada empresa: afirma tratar-se o resultado do incidente de questão prejudicial para a ação penal;

c) ilegitimidade passiva e consequente inépcia da denúncia, uma vez que o autor não é o proprietário do veículo apreendido;

d) que a conduta do paciente não pode ser caracterizada como crime, pois não há prova cabal de que o veículo foi utilizado como instrumento do crime e de que tenha agido com o dolo de realizar a conduta prevista no art. 334 do Código Penal;

e) características pessoais favoráveis do paciente, como trabalho lícito, ser pai de família, inexistência de antecedentes criminais e possuir diplomas de estudo superior.

Pleiteia, liminarmente, a suspensão da ação penal e, no mérito, a concessão da ordem para seu trancamento.

Liminar: indeferida (fls. 448/470).

Informações da autoridade impetrada: prestadas (fls. 464/466), acompanhadas de documentos (fls. 471/502).

Parecer da Procuradoria Regional da República (Dr. Elton Venturi - fls.468/470): opina pela concessão da ordem e consequente trancamento da ação penal.

É o relatório.

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES (RELATOR):

Em que pese nosso anterior posicionamento, ao indeferir o pedido liminar de suspensão da ação penal, reconhecemos as bem pontuadas razões apresentadas pela Procuradoria Regional da República, de forma a conceder a ordem pleiteada.

Com efeito, os documentos apresentados pelos impetrantes demonstram a ausência de dolo por parte do paciente ao realizar os fatos denunciados pelo Ministério Público Federal, classificados conforme o art. 334 do Código Penal.

O Auto de Apreensão acostado à fl. 226 demonstra que o "Registro de Propriedade" do veículo Chevrolet LuvDmax, cor azul, placa boliviana 1901 BSC, está em nome de "ITACAMBA CEMENTO S.A." (doravante "ITACAMBA").

A Conta de Energia Elétrica juntada à fl. 346 demonstra que o paciente é residente em Corumbá/MS.

O paciente informou perante a Polícia Federal que o referido veículo apreendido é de propriedade da empresa "ITACAMBA" e que lhe teria sido cedido para seu deslocamento de casa até o trabalho, em razão de trabalhar na Bolívia. Naquela ocasião também informou que, como havia ocorrido apreensões de veículos bolivianos dois anos atrás, alertou a empresa boliviana por diversas vezes sobre o risco e que o setor jurídico da empresa lhe havia dito que poderia utilizar o veículo boliviano nessas condições, mesmo morando em Corumbá/MS (fl. 281 e 347/348).

Por sua vez, as testemunhas JOSÉ ANTONIO BATISTA e ALEX DE JESUS FELIX confirmaram à polícia que o paciente de fato utilizava o veículo apreendido para ir ao trabalho e que tinham conhecimento de que o automóvel pertencia à empresa "ITACAMBA" (fls. 319/320).

O recibo de pagamento juntado à fl. 288 demonstra o vínculo empregatício do paciente, no cargo de "coordenador industrial", com a empresa "VOTORANTIM CIMENTOS S.A." (doravante "VOTORANTIM").

A declaração conjunta das empresas "ITACAMBA" e "VOTORANTIM" informa que o paciente foi designado como técnico para serviços de assessoria naquela primeira empresa (fl. 434).

O "Contrato de Comodato de Veículo Automotor" (fls. 436/442) demonstra a cessão em comodato pela empresa "ITACAMBA" da caminhonete Chevrolet DMAX, placa 1901 BSC, de sua propriedade, ao paciente, para que este se locomovesse até o estabelecimento da empresa, tendo em vista o contrato de prestação de serviços técnicos firmado entre a referida empresa e a "VOTORANTIM".

Deduz-se com a análise dos documentos carreados que, de fato, o paciente é funcionário ("coordenador industrial") da empresa "VOTORANTIM", reside no Brasil e que utilizava o veículo apreendido, cedido em comodato pela empresa "ITACAMBA", tão somente para se locomover até o seu local de trabalho, isto é, o estabelecimento desta última, situado na Bolívia, em razão de um contrato de prestação de serviços técnicos celebrado entre ambas as empresas.

Há, assim, contundentes e suficientes provas que permitem concluir que o paciente M.E.V. não agiu, livre e conscientemente, com o objetivo de "[i]mportar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria", conforme o art. 334, caput, do Código Penal.

Ante o exposto, concedo a ordem, para o trancamento da ação penal n.º 0000497-39.2011.403.6004.

É o voto.

COTRIM GUIMARÃES

Desembargador Federal

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