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PEC 37/11

CNMP repudia exclusividade da polícia em investigações criminais

Para o Conselho, "a atuação do MP não poderia ficar condicionada a nenhuma outra instância".

Da Redação

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Atualizado às 08:51

O CNMP apresentou à Câmara, na última quarta-feira, 6, nota técnica contrária à aprovação da PEC 37/11, que acrescenta o § 10 ao art. 144 da CF/88 para definir a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do DF.

De acordo com a nota, "a atuação do MP não poderia ficar condicionada a nenhuma outra instância, sobretudo quando se fala de órgãos diretamente vinculados ao Poder Executivo, como são as polícias federal e civil".

O texto afirma que, se a PEC for aprovada, outros órgãos de controle também poderão ser prejudicados, como por exemplo, as CPI - Comissões Parlamentares de Inquérito, o Banco Central, as Agências Reguladoras, os Tribunais de Contas, a Comissão de Valores Imobiliários, o Coaf - Conselho de Controle de Atividades Financeiras e a Receita Federal do Brasil.

Também faz um alerta para o fato de não ser "saudável para a democracia brasileira que uma única instituição reúna em si todos os poderes investigatórios imagináveis, excluindo outros órgãos". Reforça a ideia de que, ao invés de estimular a cooperação e a complementaridade dos esforços na elucidação dos crimes, a PEC estabelece uma verdadeira relação de exclusão e, por conseguinte, de distanciamento entre os órgãos públicos competentes.

Veja a íntegra da nota técnica.

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NOTA TÉCNICA Nº 1, DE 2012 - CNMP

Nota Técnica do Conselho Nacional do Ministério Público sobre a Proposta de Emenda à Constituição nº 37, de 2011, que acrescenta o § 10 ao art. 144 da Constituição Federal para definir a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal.

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), no exercício das competências previstas no art. 130-A, § 2º, II, da Constituição da República e no art. 19, VI, do seu Regimento Interno, elabora a presente nota técnica com o fim de, respeitosamente, oferecer subsídios e contribuições aos debates parlamentares sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 37, de 2011, acima epigrafada.

Preliminarmente, convém ressaltar o fato de que o CNMP tem sido bastante criterioso em manifestações dessa natureza, procurando externar o seu ponto de vista apenas nos casos em que vislumbra sérios riscos aos princípios e às funções institucionais do Ministério Público, instituição incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos do art. 127, caput, da Constituição da República.

A PEC nº 37, de 2011, como se depreende da leitura do § 10 que se pretende introduzir no art. 144 da Constituição da República, confere às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal competência privativa (leia-se, competência única) para apurar infrações penais de qualquer natureza.

Em que pese a aparente singeleza da modificação proposta, o CNMP entende que a PEC nº 37, de 2011, não consegue vencer um exame mais cuidadoso de constitucionalidade, além de se mostrar francamente contrária ao interesse público.

Não se desconhece que as polícias judiciárias desempenham relevantíssimo papel na persecução penal. Tanto é assim que as suas atribuições foram expressamente definidas no texto constitucional (art. 144, § § 1° e 4°).

Todavia, a pretensão de exclusividade contida na aludida PEC, parece guiar-se mais pela ideia de "reserva de mercado" do que pela eficiência do sistema de investigação criminal. Não seria saudável para a democracia brasileira que uma única instituição reunisse em si todos os poderes investigatórios imagináveis, como quer a PEC em análise, excluindo outros órgãos que, por sua vez, também possuem relevante missão constitucional nas áreas de suas respectivas competências.

Portanto, a estratégia de que é veículo a PEC n. 37, de 2011, agiganta os poderes das polícias judiciárias na mesma medida em que esfacela ou diminui radicalmente a capacidade de atuação de outros órgãos públicos, como, por exemplo, as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), as Agências Reguladoras, a Receita Federal, os Tribunais de Contas, o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários, o Conselho de Controle das Atividades Financeiras (COAF), entre outros. Nesse sentido, conclui-se que a proposta desequilibra todo o sistema de controles públicos.

Esse é, pois, um dos aspectos mais problemáticos da PEC em debate. Ao invés de estimular a cooperação e a complementariedade dos esforços na elucidação dos atos criminosos, estabelece verdadeira relação de exclusão e, por conseguinte, de distanciamento entre os órgãos públicos competentes.

No caso do Ministério Público, a exclusividade almejada pela PEC nº 37, de 2011, é ainda mais nociva ao interesse social. Retirar-lhe a capacidade de promover diretamente determinadas investigações seria atitude temerária e injustificável à luz da Constituição e de todo o ordenamento jurídico vigente.

Como órgão constitucionalmente habilitado para a propositura da ação penal, conforme dispõe o art. 129, I, da Constituição da República, a atuação do Ministério Público não poderia ficar condicionada a nenhuma outra instância, sobretudo quando se fala de órgãos diretamente vinculados ao Poder Executivo, como são as polícias federal e civil.

Partindo desse imperativo lógico, o Supremo Tribunal Federal (STF), em diversas oportunidades, fez questão de reconhecer a legitimidade dos poderes investigatórios do Ministério Público, na ausência dos quais a instituição ficaria sempre à mercê da polícia, criando-se uma relação de dependência que definitivamente não encontra amparo na Constituição da República. Já que esta investe o Ministério Público na condição de dominus litis, há também de proporcionar-lhe os meios necessários à propositura da ação penal. Em suma, cominando-lhe os fins, não poderia a Constituição subtrair-lhe os meios.

Mencionem-se, a propósito, como representativas da posição do STF a favor dos poderes investigatórios do Ministério Público, as decisões proferidas no RE 535.478/SC (2008), no HC 93.224/SP (2008), no HC 89.837/DF (2009), no HC 103.877/RS (2010), no HC 97.969/RS (2011), entre outros julgados.

Chamado, portanto, a se pronunciar sobre o tema, o STF não tem cedido a interesses meramente corporativos, fazendo valer o texto e o espírito da Constituição da República, como se estampa claramente nas seguintes passagens:

"A outorga constitucional de funções de polícia judiciária à instituição policial não impede nem exclui a possibilidade de o Ministério Público, que é o 'dominus litis', determinar a abertura de inquéritos policiais, requisitar esclarecimentos e diligências investigatórias, estar presente e acompanhar, junto a órgãos e agentes policiais, quaisquer atos de investigação penal, mesmo aqueles sob regime de sigilo, sem prejuízo de outras medidas que lhe pareçam indispensáveis à formação da sua 'opinio delicti', sendo-lhe vedado, no entanto, assumir a presidência do inquérito policial, que traduz atribuição privativa da autoridade policial.(...) O poder de investigar compõe, em sede penal, o complexo de funções institucionais do Ministério Público, que dispõe, na condição de 'dominus litis' e, também, como expressão de sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios probatórios e de elementos de convicção que lhe permitam formar a 'opinio delicti', em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação penal de iniciativa pública" (HC 89.837, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgamento em 20/10/2009).

(...) 5. A denúncia pode ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo órgão do MPF sem a necessidade do prévio inquérito policial, como já previa o Código de Processo Penal. Não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal, mormente em casos graves como o presente que envolvem a presença de policiais civis e militares na prática de crimes graves como o tráfico de substância entorpecente e a associação para fins de tráfico. 6. É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito, ainda que a título excepcional, como é a hipótese do caso em tela. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti. 7. O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao parquet a privatividade na promoção da ação penal pública.

Do seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia. 8. Há princípio basilar da hermenêutica constitucional, a saber, o dos "poderes implícitos", segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que "peças de informação" embasem a denúncia. (...) (RE 468523, Relatora Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgamento em 01/12/2009).

(.) As investigações criminais envolvem, muitas vezes, a necessidade de decretação de medidas invasivas da privacidade, e que dependem de autorização judicial, nos termos da Constituição Federal. A legitimidade para requerer tais medidas é exclusiva do Ministério Público, que é o dominus litis da ação penal pública, o que revela que sustentar a exclusividade da investigação criminal pelas polícias é incompatível com o sistema acusatório vigente (HC 96986-MG - Relator Ministro Gilmar Mendes, STF, 2ª Turma, j. 15.05.2012 - in Informativo do STF 666, de 14 a 18 de maio de 2012).

Em síntese, a legitimidade dos poderes investigatórios do Ministério Público advém tanto da leitura sistêmica dos princípios que norteiam a instituição, como das altíssimas tarefas que lhe foram assinadas no caput do art. 127 e nos incisos I, II, VI e VII do art. 129, ambos da Constituição da República.

No plano infraconstitucional, referidos poderes gozam igualmente de abrigo e disciplina na legislação de regência, bastando citar o disposto nos arts. 6º, V, 7º, 8º e 38, II, da Lei Complementar nº 75, de 1993, no art. 26 da Lei nº 8.625, de 1993, e nos arts. 4º, parágrafo único, e 47 do Código de Processo Penal. Destaque-se, ainda, que o CNMP editou a Resolução nº 13, de 2006, por meio da qual regulamenta, no âmbito de todo o Ministério Público brasileiro, a instauração e a tramitação de procedimento investigatório criminal.

Dito isso, não há como deixar de reconhecer que a investigação é atividade que se integra perfeitamente à vocação institucional do Ministério Público, sendo conveniente atentar, ademais, para os sérios riscos que a eventual aprovação da PEC nº 37, de 2003, poderia gerar em matéria de impunidade, máxime no que se refere ao controle externo da atividade policial. Nesse setor, a exclusividade da investigação por parte da polícia poderia trazer resultados desastrosos, e por razões óbvias.

Feitas essas considerações, a presente Nota Técnica expressa posicionamento contrário do CNMP sobre a PEC nº 37, de 2011, apontando-lhe vícios insanáveis de incontitucionalidade, como também a sua inconveniência e inoportunidade no tocante ao interesse público.

O CNMP confia que o Congresso Nacional analisará a matéria com o necessário cuidado e atenção aos princípios constitucionais, o que levará à sua rejeição.

Brasília, 29 de maio de 2012.

ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS

Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público

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