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Danos morais

Record é condenada por exibir imagem de mulher em suposta traição

Tarja não manteve anonimato.

Da Redação

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Atualizado às 08:12

O juiz de Direito substituto João Henrique Zullo Castro, da 11ª vara Cível de Brasília/DF, condenou a Record ao pagamento da quantia de R$ 30 mil por danos morais por veiculação de imagens de uma mulher que estaria traindo seu noivo.

De acordo com a autora, em 26/1/09 foi informada que sua imagem apareceu por diversas vezes no programa "Fala que eu te escuto", apresentado pela TV Record, veiculado na madrugada do dia 24/1/09, tratando de uma enquete com a temática "Traição: o que mais motiva é a falta de amor, a oportunidade ou a insatisfação sexual?", em que a requerente protagonizou o sétimo caso apresentado, sob o título "O Ex".

A Record alegou que a emissora se preocupou com a integridade da requerente, de modo que sua imagem, voz e características pessoais não foram divulgadas, em razão do efeito embaçado para ocultação do seu rosto. Defendeu ainda, que a reportagem demonstra a veracidade da informação exibida, não se tratando de simples despedida entre amigos, contudo, sem que a identidade da autora fosse identificada. Argumentou a respeito da liberdade de imprensa e apresentou impugnação ao dano moral, assim como ao valor pedido.

"Houve evidente abuso de direito e violação dos direitos fundamentais da requerente, de modo que plenamente cabível o direito à compensação pelos danos morais daí decorrentes. (...) A tarja, da forma como foi colocada sobre o rosto da autora, não se mostrou eficiente para atender a finalidade de anonimato da pessoa envolvida. A imagem exibida expõe a identidade da autora", concluiu o magistrado

__________

Sentença

Vistos, etc.

Trata-se de ação de indenização por danos morais proposta por A.W.S. contra RÁDIO E TELEVISÃO RECORD S/A.

Alega a autora em inicial que, em 26 de janeiro de 2009, foi informada que sua imagem apareceu por diversas vezes no programa "FALA QUE EU TE ESCUTO", apresentado pela TV RECORD, veiculado na madrugada do dia 24 de janeiro de 2009, tratando de uma enquete com a temática "TRAIÇÃO: o que mais a motiva é a falta de amor, a oportunidade ou a insatisfação sexual?", em que a requerente protagonizou o sétimo caso apresentado, sob o título "O EX".

Afirma que o quadro televisivo se refere a diversos casos de infidelidade conjugal identificados por detetives particulares, acompanhados por uma repórter do programa, sendo exibido vídeo em que a autora, sob o pretexto de visitar um parente em São Paulo, teria mantido encontro com ex-namorado, de modo que a imagem foi mostrada em rápidas repetições. Sustenta ser injusta a acusação a ela reputada da prática de ato imoral, uma vez que não admite a traição.

Defende que o fato gerou repercussões em seu ambiente familiar, social e profissional. Tece comentários a respeito do dano moral e do direito à imagem.

Arrola razões de direito, sustentando a incidência à hipótese do artigo 5º, V e X, da Constituição Federal, artigos 20, 186, 927 e 953 do Código Civil. Colaciona arestos.

Requer, liminarmente, que se proíba a veiculação de suas imagens. No mérito, requer a condenação da requerida ao pagamento de R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) a título de compensação por danos morais.

Com a inicial, junta um CD, que se encontra arquivado na Secretaria da 11ª Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília, à disposição do Juízo.

Deferida a antecipação dos efeitos da tutela, à fl. 30.

Regularmente citada, a requerida oferece contestação às fls. 45/56, onde alega que a emissora se preocupou com a integridade da requerente, de modo que sua imagem, voz e características pessoais não foram divulgadas, em razão do efeito "embaçado" para ocultação do seu rosto.

Defende, ainda, que a reportagem demonstra a veracidade da informação exibida, não se tratando de simples despedida entre amigos, contudo, sem que a identidade da autora fosse identificada.

Discorre a respeito da liberdade de imprensa e apresenta impugnação ao dano moral, assim como ao valor disposto na inicial.

Requer a total improcedência dos pedidos autorais.

Às fls. 75/78, junta fotos impressas da mídia anexada a estes autos.

Instados à especificação de provas, a requerida pugna pelo julgamento antecipado da lide. A autora, por sua vez, requer a produção de prova oral e a juntada de relatório circunstanciado.

Audiência de conciliação à fl. 100, restando infrutífera a realização de acordo.

Indeferida a produção probatória, nos termos da decisão de fl. 101.

Não havendo outras provas a serem produzidas, vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório. Decido.

Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passo ao exame do mérito.

Trata-se de ação de indenização por danos morais, em que a autora pretende receber compensação pelos danos morais sofridos em decorrência da exibição de sua imagem, sem autorização, em programa televisivo, em que, supostamente, estaria traindo seu noivo.

Inicialmente, insta mencionar que a situação fática delineada nos autos está perfeitamente elucidada, de modo que o programa televisivo Fala que eu te escuto, exibido pela emissora Record, apresentou um quadro em que se discutia a traição como tema central.

Indene de dúvidas, ainda, que a requerida veiculou a imagem da autora, relacionando-a ao tema em discussão e exibindo imagens em que estaria, supostamente, traindo o seu noivo.

Os fatos foram devidamente demonstrados por meio do CD apresentado pela parte autora e pelas fotos acostadas aos autos. Ainda, a requerente transcreveu em sua inicial todo o quadro exibido em rede nacional, não oferecendo a ré resistência neste ponto.

A requerida, em sua contestação, limitou-se a defender a sua liberdade de imprensa, baseando sua defesa no fato de que a imagem estaria embaçada e, portanto, não haveria que se falar em exposição da identidade da autora. Na ocasião, a emissora menciona o animus narrandi, que envolve a atividade jornalística e, conseqüentemente, o direito à manifestação do pensamento e à informação.

Pois bem. Vislumbra-se de um lado o direito de informar e de outro a proteção à intimidade, à honra, à privacidade e à imagem das pessoas, todos direitos fundamentais de mesma hierarquia e igualmente tutelados pela Constituição Federal, consoante o disposto em seu artigo 5º, incisos IX e X.

Assim, havendo conflito entre as normas de caráter constitucional, cabe ao Julgador realizar um juízo de ponderação de valores, definindo aque

la que, em determinado caso concreto, tenha preponderância.

Na hipótese dos autos, entendo que a veiculação da imagem da requerente não se trata sequer de direito à informação, de modo que não existe ali nenhum fato de interesse público a ser divulgado. Ao contrário, define-se o caso como esfera da vida privada indevassável, que a ninguém mais diz respeito, senão aos próprios envolvidos.

De fato, é permitido à requerida tratar de assuntos que entenda plausíveis de serem levados a público, desde que não abuse do seu direito constitucional de informação. No caso vertente, ao veicular a imagem da autora, relacionando-a à situação de traição, houve evidente abuso de direito e violação dos direitos fundamentais da requerente, de modo que plenamente cabível o direito à compensação pelos danos morais daí decorrentes.

Não obstante a requerida alegar que a imagem tinha efeito embaçado, protegendo a identidade da requerente, entendo que tal argumento não merece prosperar, porquanto, a tarja, da forma como foi colocada sobre o rosto da autora, não se mostrou eficiente para atender a sua finalidade de anonimato da pessoa envolvida.

Verifica-se pelas fotos acostadas às fls. 76 e 77 que a imagem exibida expõe a identidade da autora vinculando-a à matéria "Traição: o que mais a motiva é a falta de amor, a oportunidade ou a insatisfação sexual?".

Entendo, portanto, que a atitude da ré causou dano moral à autora, eis que atingiu frontalmente seu direito à imagem e à honra.

Nesse sentido:

CIVIL. DANO MORAL. MATÉRIA JORNALÍSTICA QUE ULTRAPASSA OS LIMITES DA MERA INFORMAÇÃO. DEMONSTRADA A OFENSA À HONRA E ACARRETANDO DANOS À IMAGEM, RESTA O DEVER DE INDENIZAR. QUANTUM RAZOÁVEL.

1.Demonstrado que a publicação ultrapassou os limites de mera informação e ofendeu a honra do autor, acarretando danos à sua imagem e vida profissional é devida a reparação.

2.Na fixação da indenização deve-se considerar a capacidade econômico-financeira das partes observando-se os princípios da proporcionalidade e razoabilidade em face do dano sofrido pela parte ofendida, além do caráter compensatório e inibidor.

3.Recursos conhecidos e não PROVIDOS. Sentença mantida.(Acórdão n. 570866, 20090111995284ACJ, Relator ISABEL PINTO, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, julgado em 14/02/2012, DJ 13/03/2012 p. 226)

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. DIVULGAÇÃO, EM PROGRAMA PARTIDÁRIO, EM REDE DE TELEVISÃO, NO DISTRITO FEDERAL, DE TEXTO OFENSIVO À HONRA, À IMAGEM PÚBLICA E À INTIMIDADE DO AUTOR. DANO MORAL QUE DECORRE DA SIMPLES DIVULGAÇÃO. ARBITRAMENTO DA INDENIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO, PROTEGIDA CONSTITUCIONALMENTE (ART. 220), ENCONTRA LIMITE NA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE ASSEGURA "O DIREITO DE RESPOSTA, PROPORCIONAL AO AGRAVO, ALÉM DA INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL, MORAL OU À IMAGEM", DIZENDO "INVIOLÁVEIS A INTIMIDADE, A VIDA PRIVADA, A HONRA E A IMAGEM DAS PESSOAS, ASSEGURADO O DIREITO À INDENIZAÇÃO PELO DANO MATERIAL OU MORAL DECORRENTE DE SUA VIOLAÇÃO" (ART. 5º, INCISOS V E X).

TEXTO OFENSIVO À HONRA, À IMAGEM PÚBLICA E À INTIMIDADE DO AUTOR, INDEVIDAMENTE ACUSADO DE SER AGRACIADO PELO GOVERNADOR COM "TERRENOS A PREÇO DE BANANA" E DE COM ELE MANTER "LIGAÇÕES PERIGOSAS", POR ISSO TENDO SIDO DENUNCIADO AO MINISTÉRIO PÚBLICO.

PARA A CARACTERIZAÇÃO DO DANO MORAL, JUSTO O QUE SE RECLAMA É A OFENSA QUE REPERCUTA NA ESFERA SUBJETIVA DA VÍTIMA, CAUSANDO DOR ÍNTIMA, SENTIMENTO NEGATIVO. A REPERCUSSÃO DA OFENSA, EXTERNAMENTE, É APTA A CONFIGURAR DANO MATERIAL, MAS NÃO É EXIGIDA PARA A CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL. A RESPONSABILIZAÇÃO DO AGENTE CAUSADOR DO DANO MORAL OPERA-SE POR FORÇA DO SIMPLES FATO DA VIOLAÇÃO (DANUM IN RE IPSA), NÃO HAVENDO QUE SE COGITAR DA PROVA DO PREJUÍZO. PRECEDENTES DO STJ.

O ARBITRAMENTO DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DEVE SER MODERADO E EQÜITATIVO, ATENTO ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DE CADA CASO, EVITANDO QUE SE CONVERTA A DOR EM INSTRUMENTO DE CAPTAÇÃO DE VANTAGEM (DE LUCRO CAPIENDO). MAS TAMBÉM DEVE SER SUFICIENTE PARA INIBIR E REVERTER O COMPORTAMENTO FALTOSO DO OFENSOR. OS CRITÉRIOS A SE OBSERVAR, INDIVIDUALMENTE, SÃO: A CONDIÇÃO PESSOAL DA VÍTIMA; A CAPACIDADE ECONÔMICA DO OFENSOR; A NATUREZA E A EXTENSÃO DA DOR. ARBITRAMENTO, NO CASO, PELO MM. JUIZ, COM AUXÍLIO A PARÂMETROS DA LEI Nº 5.520/67, DE INDENIZAÇÃO DE 400 (QUATROCENTOS) SALÁRIOS MÍNIMOS VIGENTES NA DATA DA SENTENÇA, CORRESPONDENDO, ENTÃO, A R$52.000,00 (CINQÜENTA E DOIS MIL REAIS). CONFIRMAÇÃO DO VALOR.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM 20% (VINTE POR CENTO), QUE, ATENDIDOS OS CRITÉRIOS DO ART. 20, § 3º, ALÍNEAS "A", "B" E "C", DO CPC, SÃO REDUZIDOS PARA O PERCENTUAL MÉDIO DE 15% (QUINZE POR CENTO) DO VALOR ATUALIZADO DA CONDENAÇÃO.

PROVIMENTO PARCIAL DO APELO, APENAS PARA REDUZIR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. (Acórdão n. 114056, APC5117699, Relator MARIO MACHADO, 4ª Turma Cível, julgado em 03/05/1999, DJ 02/06/1999 p. 45)

No que diz respeito ao valor da compensação por danos morais, a sua fixação deve ser informada por critérios de proporcionalidade e razoabilidade, observando-se as condições econômicas das partes envolvidas, a natureza e a extensão do dano. Nesse contexto, a indenização não pode ser tão grande a ponto de traduzir enriquecimento ilícito, nem tão pequena que se torne inexpressiva.

Ademais, a doutrinária e a jurisprudencial também tem se posicionado no sentido de que o quantum indenizatório deve estar em patamar condizente com a finalidade da sanção pecuniária de compensar e punir, de modo a desestimular a reincidência na ofensa ao bem juridicamente tutelado pelo direito.

Analisando criteriosamente os fatos, entendo justo, razoável e proporcional arbitrar-se o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título de compensação por danos morais.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido formulado por A.W.S., na ação que move contra RÁDIO E TELEVISÃO RECORD S/A, para condenar a ré ao pagamento da quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a título de compensação por danos morais, valor que deve ser corrigido monetariamente pelo índice INPC a partir do arbitramento, consoante a Súmula 362 do STJ, com incidência de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ, em razão da responsabilidade de natureza extracontratual.

Nesses termos, decido o feito com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC.

Ante a sucumbência, condeno a parte requerida a arcar com as custas processuais e com a verba honorária da parte contrária, que fixo em 15% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, §3º, do CPC.

Intime-se a devedora para cumprimento voluntário da sua obrigação no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de multa de 10% a incidir sobre o valor da condenação e execução coativa de seu patrimônio, nos termos do art. 475-J, do CPC.

Sentença proferida em Regime de Plantão - Unidade de Apoio Judicial.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília - DF, segunda-feira, 02/07/2012 às 17h50.

João Henrique Zullo Castro

Juiz de Direito Substituto

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