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Prerrogativas

OAB aprova ato de desagravo contra ofensas de juiz do MT

Juiz da 3ª vara Criminal de Cárceres/MT, ao prestar informações ao CNJ, teria se utilizado de manifesto excesso de linguagem.

Da Redação

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Atualizado às 10:22

O pleno do Conselho Federal da OAB acolheu o voto do conselheiro Federal Roberto Lauria, que autorizou uma sessão de desagravo público contra ofensas do juiz Alex Nunes de Figueiredo, da 3ª vara Criminal de Cárceres/MT.

O magistrado, ao prestar informações ao CNJ em procedimento de controle administrativo, teria se utilizado de excesso de linguagem, desrespeitando a OAB. O procedimento discutia se as portarias 7/08 e 3/09 - que limitam o horário de entrada de advogados em estabelecimento prisional, assim como restringe a quantidade de profissionais a serem atendidos de uma única vez, limitando o tempo de entrevista em 40 minutos - suprimiam as prerrogativas do exercício da advocacia.

O juiz atribuiu a desordem do estabelecimento prisional aos advogados e culpou a OAB de se esquivar em vez de o auxiliar. "Alguns advogados não respeitavam de forma alguma os agentes prisionais e achavam que eles estavam ali para servir aos seus caprichos", afirmou o magistrado.

"Bastava o juiz se reservar em dizer que o estabelecimento prisional não possui estrutura alguma para recepcionar vários advogados em entrevista com seus clientes de forma simultânea, descrever pormenorizadamente as condições precárias vivenciadas, sem precisar descer às raias de imputar condutas criminosas aos causídicos", observou Lauria, relator do desagravo.

O conselheiro também sugeriu o encaminhamento de representação ao Conselho Nacional de Justiça e recomendou ao Conselho Seccional da OAB/MT o ajuizamento de ação de danos morais coletivos.

Veja a íntegra do voto aprovado propondo a sessão de desagravo e outras medidas contra o magistrado.

____________

Desagravo Público n. 2009.31.06241-01/COP (SGD: 49.0000.2012.008517-0).

Origem: Conselho Seccional da OAB/Mato Grosso. Comissão Nacional de Defesa das

Prerrogativas e Valorização da Advocacia.

Assunto: Procedimento de Controle Administrativo no âmbito do Conselho Nacional de Justiça. Expedição de Portaria que restringe prerrogativas dos advogados em ambiente carcerário.

Relator: Conselheiro Federal Roberto Lauria (PA).

EMENTA N. /2012/COP. Excesso de linguagem. Magistrado. Procedimento de Controle Administrativo. Conselho Nacional de Justiça. Restrição de prerrogativas dos advogados em ambiente carcerário. Ofensas relacionadas ao exercício da advocacia. Desagravo público. Aprovação. Representação ao Conselho Nacional de Justiça. Recomendação de ajuizamento de ação de danos morais coletivos.

RELATÓRIO

Versam os presentes autos acerca de ofício remetido pelo Presidente da OAB/MT no qual relata que o Juiz da 3ª Vara Criminal de Cárceres/MT ao prestar informações ao Conselho Nacional de Justiça - CNJ, nos autos do Procedimento de Controle Administrativo (PCA) nº. 2009.10.00.001392-2, teria se utilizado de manifesto excesso de linguagem, desrespeitando de forma reprovável a OAB.

Em referida manifestação (fls. 09/19), o Magistrado justificava a edição das Portarias 07/2008 e 003/2009, que limitam o horário de entrada de advogados em estabelecimento prisional, assim como restringe a quantidade de profissionais a serem atendidos de uma única vez, limitando o tempo de entrevista em 40 minutos.

O Conselho Nacional de Justiça - CNJ julgou improcedente o pedido formulado no Procedimento de Controle Administrativo mencionado, conforme decisão juntada nos autos. (fls. 37/42).

Em razão da postura do Magistrado que, ao se manifestar, teria utilizado linguagem excessiva, em desrespeito à Ordem dos Advogados do Brasil, é que se requer que a OAB seja desagravada publicamente.

VOTO

Primeiramente cumpre assinalar, que malgrado o Conselho Nacional de Justiça - CNJ tenha julgado improcedente o Procedimento de Controle Administrativo suso destacado, para considerar que as Portarias combatidas não suprimem as prerrogativas do exercício da advocacia, nada teceu acerca de possível desrespeito linguístico praticado pelo Magistrado em suas informações.

Analisando cuidadosamente a manifestação a qual se reputa desrespeitosa à Ordem, e refletindo sobre as expressões utilizadas pelo Magistrado a fim de justificar sua atitude em editar os normativos, penso que o mesmo se excedeu, e aqui peço vênia para afirmar, que o excesso era completamente desnecessário à narrativa pretendida.

O Juiz atribuiu a desordem do estabelecimento prisional aos advogados que ali são militantes, e em dado momento, culpou a OAB de se esquivar em vez de o auxiliar, conforme pode se observar dos seguintes trechos:

"Quando assumi a 3.ª Vara Criminal da Comarca de Cáceres, mediante designação eis que sou Juiz Titular da Comarca de Lucas do Rio Verde (2.ª entrância), no mês de agosto de 2007, a situação era caótica. Naquela época o número de presos era menor, 360 homens e 42 mulheres, no entanto as rebeliões eram constantes, praticamente uma a cada semestre com consequências graves. Não havia controle de transferências para a cadeia e os advogados faziam o que queriam no local, na maioria das vezes ameaçando e intimidando os agentes prisionais."

"Alguns advogados não respeitavam de forma alguma os agentes prisionais e achavam que eles estavam ali para servir aos seus caprichos. Os agentes trabalhavam atemorizados, principalmente pela falta de segurança que tudo aquilo representava. Não havia ordem, tudo era uma verdadeira bagunça."

"Disciplinei então o horário de visitas de advogados (Portaria 007/2008, doc.1), determinando que os mesmos somente poderiam conversar com um preso de cada vez, que deveriam respeitar a ordem de chegada caso houvesse mais de um, haja vista existir uma sala apenas para as entrevistas, e ainda a forma como os agentes prisionais e policias militares deveriam fazer cumprir aquela Portaria. Referida Portaria foi objeto de reclamação por parte de alguns advogados que lideravam a bagunça na cadeia, junto à Corregedoria de Justiça, e foi avaliada pelo Exmo. Corregedor (doc.4)"

"Os presos hoje são tratados com dignidade e tem atenção que merecem, razão da paz que reina dentro da cadeia pública apesar do grande número de reclusos e da falta de segurança. No entanto, não tenho tido ajuda, infelizmente, da classe dos advogados, haja vista a conduta de alguns deles e da própria associação classista, que ao invés de cuidar dos seus fica criticando ações que servem para garantir o respeito deles mesmos entre si."

"Quando há problema de segurança na unidade prisional, quando há rebelião, chamam a mim, eu é que tenho que resolver, a OAB nesse momento se esconde no buraco, portanto, que me ajude a resolver os problemas e não me atrapalhar!"

Estes trechos são marcantes e emblemáticos de um espírito animado pela vontade de atacar, de denegrir a imagem desta entidade. Trata-se de expressões decerto inapropriadas para um Magistrado, do qual se espera a adoção de linguagem serena e escorreita.

No caso concreto, bastava o Juiz se reservar em dizer que o estabelecimento prisional não possui estrutura alguma para recepcionar vários advogados em entrevista com seus clientes de forma simultânea, descrever pormenorizadamente as condições precárias vivenciadas, sem precisar descer às raias de imputar condutas criminosas aos causídicos, inclusive.

Vê-se, ademais, que o Juiz faz questão de mencionar que não apenas determinados advogados, mas a própria OAB "ao invés de cuidar dos seus fica criticando ações que servem para garantir o respeito deles mesmos entre si", e "a OAB nesse momento se esconde no buraco, portanto, que me ajude a resolver os problemas e não me atrapalhar".

É de se refletir sobre a necessidade de serem utilizadas expressões tão duras e mordazes contra esta Instituição, em expediente dirigido ao Conselho Nacional de Justiça. E não se encontra outra resposta que não seja a de vilipendiar a OAB de forma gratuita, talvez por não admitir ver um de seus atos administrativos questionado perante o órgão correcional.

Ora, tal atitude além de inadmissível é incompatível com a maturidade que se espera de um Juiz.

O parágrafo único do art. 22 do Código de Ética da Magistratura dispõe:

Art. 22. O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça.

Parágrafo único. Impõe-se ao magistrado a utilização de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível.

A Lei Orgânica da Magistratura (LC nº. 35/79), por sua vez, prescreve em seu art. 41 o seguinte:

Art. 41 - Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.

É obrigação do Juiz a cortesia para com os advogados bem como utilização de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível como muito bem impõe o texto da norma inserta em seu Código de Ética.

Demais disso, conforme dicção do art. 41 da LOMAN, a imunidade dos Magistrados por seus atos e manifestações à toda evidencia não é absoluta, podendo sofrer punição os casos de impropriedade ou excesso de linguagem, que nos dizeres de Vinicius de Toledo Piza Peluso e José Wilson Gonçalves "diz respeito à violência ou agressividade de que venham a revestir-se as expressões utilizadas que caracterizem atitude profissional incompatível com as regras de boa conduta e urbanidade."

Ad argumentandum, é tão séria a preocupação com o linguajar dos Magistrados, que o Conselho Nacional de Justiça publicou a Recomendação nº. 18, para que os Magistrados criminais evitem a utilização das denominações de efeito dadas às operações policiais em atos judiciais, considerando o dever do Juiz de adotar linguagem apropriada e evitar excessos.

Frise-se que a ação proposta pela OAB/MT para desconstituição das Portarias editadas pelo citado Juiz na Comarca de Cáceres/MT, foi embasada em normas legais e princípios constitucionais, e em nenhum momento resvalou para ofensas gratuitas à pessoa do Magistrado.

Reputou-se ofensivo à prerrogativa da advocacia um ato administrativo, e buscaram-se providências pelos meios legais disponíveis, a fim de se resguardar o direito dos advogados de se comunicarem com seus clientes quando estes estiverem presos, consagrando o amplo direito de defesa, que segundo o escólio dos doutos colegas Dr. Cezar Britto e Marcus Vinicius Furtado Coelho, é "fruto da evolução da humanidade" e "revogou a máxima medieval 'diante da justiça do soberano, todas as vozes devem se calar'".

Em contrapartida, o Magistrado sentiu-se no direito de agredir esta Instituição, insinuando que o procedimento administrativo proposto pela OAB/MT era medida usada somente para criticá-lo e atrapalhá-lo, como se seus atos e decisões estivessem acima de qualquer controle, como se atesta em suas expressões, que novamente destaco:

No entanto, não tenho tido ajuda, infelizmente, da classe dos advogados, haja vista a conduta de alguns deles e da própria associação classista, que ao invés de cuidar dos seus fica criticando ações que servem para garantir o respeito deles mesmos entre si."

"Quando há problema de segurança na unidade prisional, quando há rebelião, chamam a mim, eu é que tenho que resolver, a OAB nesse momento se esconde no buraco, portanto, que me ajude a resolver os problemas e não me atrapalhar!"

Determina o art. 7º, XVII do EOAB, ser direito do advogado, ser publicamente desagravado, quando ofendido no exercício da profissão ou em razão dela.

O caput do art. 18 do Regulamento Geral preceitua que o inscrito na OAB, quando ofendido comprovadamente em razão do exercício profissional ou de cargo ou função da OAB, tem direito ao desagravo público promovido pelo Conselho competente, de ofício, a seu pedido ou de qualquer pessoa.

Segundo o magistério de Paulo Lôbo, "à ofensa recebida pelo advogado, por motivo relacionado ao exercício profissional, legal e eticamente regular, além das implicações penais, civis e disciplinares cabíveis, rebate-se com o desagravo público."

Ademais julgamos que é caso de aplicar o art.19 do RGOAB, que atrai a competência deste Conselho Federal, uma vez que o caso reveste-se de relevância e grave violação as prerrogativas, e atinge uma a todos os advogados que militarem junto ao sistema penitenciário daquele Estado.

Assim, à luz de todos os argumentos expostos, notadamente pela análise criteriosa da manifestação do Magistrado Alex Nunes de Figueiredo, estou convencido que na presente situação, há sérios indícios de ofensas relacionadas ao exercício da advocacia, ante o reprovável excesso de linguagem empregado, desrespeitando toda a classe, o que autoriza a sessão de desagravo público.

Voto, ainda, segundo as contribuições oferecidos ao longo do debate em Plénario, no sentido do encaminhamento de representação ao Conselho Nacional de Justiça bem como de recomendação ao Conselho Seccional da OAB/Mato Grosso no sentido do competente ajuizamento de ação de danos morais coletivos.

É como voto.

Brasília, 12 de novembro de 2012.

Roberto Lauria

Relator

Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros do Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por unanimidade, em acolher o voto do Relator, parte integrante deste.

Brasília, 12 de novembro de 2012.

Ophir Cavalcante Junior

Presidente

Roberto Lauria

Relator

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