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OAB/SE quer plebiscito para definir transposição do rio São Francisco

Da Redação

segunda-feira, 10 de outubro de 2005

Atualizado às 09:49


OAB/SE quer plebiscito para definir transposição do rio São Francisco


A exemplo do desarmamento, a população brasileira precisa dizer, por meio de um plebiscito, se concorda ou não com a transposição do rio São Francisco. Proposta nesse sentido será encaminhada no próximo dia 17 ao Conselho Federal da OAB pelo presidente Seccional da OAB/SE, Henri Clay Andrade. Segundo ele, a transposição do Velho Chico não é uma obra de interesse local ou regional. "Sempre defendi que a obra, por sua magnitude, pela importância do rio para a economia e para o meio ambiente, é de interesse nacional. Por isso, teria que ser discutida amplamente com a sociedade, discutida amplamente no Congresso Nacional", afirmou Henri Clay.

Bastante preocupado com o futuro do Velho Chico, que segundo ele já vem apresentando problemas gravíssimos, o presidente da OAB sergipana lembrou que a obra de transposição precisa ser também questionada e estudada sob o ponto de vista da capacidade energética do país. Ele aproveita para questionar: quem vai pagar a conta dessa obra faraônica? Para Henri Clay, as tarifas de energia e água vão ficar mais caras em todo o país. "Por este motivo é que todo povo brasileiro precisa dizer sim ou não à obra".

Henri Clay garantiu que, na última campanha eleitoral, o candidato Lula esteve em Sergipe e disse de viva voz que "no meu governo não será feita a transposição sem que haja primeiro a revitalização do rio". Outro candidato à Presidência da República, o atual ministro Ciro Gomes, também esteve em campanha no Estado e defendeu o projeto desenvolvido pelo governador de Sergipe, João Alves. Questionado sobre o motivo do presidente Lula mudar de opinião após ser eleito, Henri Clay afirmou que "pode ter sido influência do ministro Ciro Gomes com seus interesses paroquiais".

Segue na íntegra entrevista concedida pelo presidente da OAB de Sergipe à Rádio OAB:

P - A OAB de Sergipe ficou satisfeita com a promessa feita pelo governo após a greve de fome do bispo dom Luiz Flávio Cappio ?

R - A proposta de encampar a emenda constitucional de autoria do senador sergipano José Carlos Valadares, que propõe um percentual do orçamento da União para a revitalização do São Francisco é um avanço. Essa foi uma proposta concreta do presidente Lula para que o bispo suspendesse a greve de fome. Agora, manter o propósito de iniciar as obras de transposição, mesmo reconhecendo que o rio São Francisco necessita ser revitalizado, tanto é que precisa de uma verba orçamentária própria para isso, é uma contradição. Ora, se o rio precisa ser revitalizado, se precisa ser recuperado, por lógica não pode sofrer uma interferência desse nível, de transposição de suas águas. Então, vejo a proposta do presidente Lula como contraditória, se mantiver a intenção de iniciar as obras agora.

P - O senhor, que vem acompanhando há longo tempo essa questão da transposição do rio São Francisco, porque acha que o governo Lula está tão interessado nessa obra.

R - O presidente Lula está sendo iludido por alguns técnicos, que entendem que a obra representará a redenção do Nordeste. Na verdade, é um equívoco histórico. O projeto de transposição não trará redenção para a região nordeste nem tampouco acabará com a seca da região. Também não vai ajudar a matar a sede dos nordestinos. Isso é uma ilusão, é um grande equívoco que o presidente Lula irá cometer. Na verdade, o que o rio está precisando, e já há estudos científicos nesse sentido, é ser recuperado. E o governo federal, agora, reconhece isso. Tanto é que lança como proposta viabilizar a emenda constitucional que prevê um orçamento próprio para a recuperação do rio. Ora, se o rio está em condições precárias é porque está insuficiente para sofrer qualquer tipo de transposição de suas águas. O que vem ao encontro do que já defendíamos é que o rio São Francisco precisa de obras de revitalização e jamais de transposição. Transpor o rio quer dizer matá-lo, levar a conseqüências fatais e irreversíveis, o que seria um desastre ecológico, econômico e social. Por isso, essa obra do São Francisco é uma pretensão insensata.

P - É público e notório que o Estado do Ceará é amplamente favorável a transposição. E, também, todos sabem que o ministro Ciro Gomes, que trata diretamente dessa questão da transposição, tem sua base política no Ceará. Não soa como desconfiança a atuação do ministro, defendendo, com todas as armas, a transposição do São Francisco?

R - Realmente o ministro Ciro Gomes não está conseguindo separar os interesses paroquiais. Ele está confundindo tudo. Não consegue se dissociar dos interesses locais, dos interesses políticos do seu Estado, com o interesse da nação brasileira. Não sabe ver o que é melhor para a nação brasileira, o que é melhor para o rio São Francisco. Então, ele tem que se posicionar como ministro do Brasil, ministro de Estado, e não como um político que defende os interesses da minoria do Estado do Ceará. A verdade é que a transposição vai favorecer o macro-negócio, o agro-negócio. Por quê? Porque as águas de transposição não vão ser para matar a sede dos nordestinos do Ceará, dos irmãos nordestinos do Ceará, não é para utilização humana. Até porque se fosse para a utilização humana, o Comitê de Bacias aprovaria, contanto que primeiro houvesse a revitalização. O rio está tão assoreado que nem para a utilização humana da própria população da Bacia do São Francisco, hoje, não está sendo utilizado, ou seja, tem gente que está morrendo de sede, tem gente que está sofrendo as agruras da seca do Nordeste em plenas margens do rio São Francisco, tamanha é a precariedade do Velho Chico. Então, transposição é um ato de insensatez histórica. Ciro Gomes precisa defender o interesse nacional, o interesse do rio São Francisco e não apenas o interesse do Estado onde possuiu a sua base política.

P - Caso seja feita a revitalização do rio, os Estados que hoje são contrários à transposição passariam a apoiar essa medida?

R - Não. Mesmo com a revitalização o projeto de transposição precisa ser discutido. A transposição é uma obra tão faraônica, tão complexa, é uma interferência tão grande no meio ambiente, que só se justifica se for para matar a sede do nordestino, se for para acabar a seca da região. Então, existem duas premissas. Primeiro, o rio São Francisco não tem volume de água suficiente para sofrer essa obra de transposição. Então, ele primeiro precisa ser revitalizado, ser recuperado. Segundo, temos dúvidas quanto à efetivação e à eficácia dessa obra de transposição. Terceiro, só se justifica uma obra desta magnitude se for para matar a sede do nordestino, se for para levar a água a quem não tem. Não é o caso. Esse projeto visa o agro-negócio, criação de camarão para exportação em larga escala. Essa é a intenção do governo Lula. Também precisa ser feito um estudo não só quanto à questão do volume de águas do rio, da revitalização do rio mas, também, quanto à capacidade energética do Brasil. Passamos por momento de racionamento de energia há pouco tempo. Levar água ladeira acima, isso quer dizer dispêndio de energia. Não temos estudos consistentes no sentido de que nos tranqüilize quanto à capacidade energética da região suportar uma obra dessa magnitude. Não sei se o Brasil suportaria mais esse dispêndio de energia. Nós não temos capacidade energética para isso. Não há estudos que comprovem isso, muito pelo contrário. Todo mundo sabe que o que gera energia é a água que desce. A água que sobe gasta energia. E o projeto é exatamente para levar água ladeira acima, para o Nordeste setentrional. E a nossa capacidade energética agüenta? Será que íamos ter um problema de "apagão" no futuro, com essa obra? Isso está sendo pouco discutido. O projeto precisa ser também questionado e estudado, também, sob o ponto de vista da energia, da capacidade energética do nosso país. E, também, com certeza, quem vai pagar essa conta dessa obra? Conseqüentemente as tarifas de energia e água vão ficar as mais caras em todo o país. Esse é um problema em que todo brasileiro deve se envolver.

P - Como a sociedade brasileira pode se envolver diretamente no tema?

R - A transposição do Velho Chico não é uma obra de interesse local ou regional. Sempre defendi que a obra, por sua magnitude, pela importância do rio para a economia e para o meio ambiente, é de interesse nacional. Por isso, teria que ser discutido amplamente com a sociedade, discutido amplamente no Congresso Nacional. Essa é uma proposta da OAB de Sergipe. E vou mais além: a transposição do São Francisco precisa ser, antes, submetida ao crivo da consulta popular direta.

P - A sua proposta é a realização, como na questão do desarmamento, de um plebiscito?

R - Correto. O desarmamento é uma questão importante, não resta dúvida, mas a transposição do rio tem repercussões muito maiores do que a questão do desarmamento. E seria uma opção, um instrumento democrático consultar o povo diretamente, após um longo debate em cadeia nacional com a sociedade, com o Congresso Nacional. Seria prudente consultar o povo sobre a obra, se se deveria ou não fazê-la, já que há uma grande polêmica entre Estados. Seria o momento histórico ideal e importante para a democracia brasileira.

P - No próximo dia 17 haverá a reunião mensal do Conselho Federal da OAB. É sua intenção levar essa questão para discussão, inclusive propondo que a OAB inicie uma campanha no sentido de que haja um amplo debate, um debate nacional sobre a questão do São Francisco ?

R - É a minha intenção. No dia 17 estarei na sede do Conselho Federal da OAB, em Brasília, juntamente com a bancada sergipana, propondo à entidade a realização de uma campanha para incentivar o Congresso Nacional a aprovar a realização de um plebiscito para que o povo brasileiro decida se quer a obra ou não. A OAB foi quem estabeleceu o primeiro debate, em termos nacionais, sobre a questão. À época, a entidade convidou o ministro Ciro Gomes e o governador do Sergipe, João Alves, e eles debateram democraticamente a questão da transposição no plenário da OAB Nacional.

P - A OAB de Sergipe tem outras propostas ?

R - Vamos levar, também, a proposta para que a OAB Nacional apóie o projeto de emenda à Constituição do senador Antonio Carlos Valadares, que já foi aprovado no Senado e foi trancado pelo governo federal, destinando 1% do Orçamento da União para a recuperação do rio São Francisco durante vinte anos. É uma alocação de recursos na ordem de R$ 6 bilhões ao longo de vinte anos. E se o governo lança esta proposta é porque ele reconhece que o rio São Francisco precisa ser revitalizado, precisa ser recuperado. E se ele precisa ser recuperado, com essa atenção, reservando parte do orçamento exclusivamente para recuperar o São Francisco, é porque, por lógica conclusiva, o rio está em condições precárias. E, estando em condições precárias, não se pode fazer uma obra de tamanha magnitude como é a transposição do rio São Francisco. E o que é pior, lembro mais uma vez, é que esta obra não beneficiará o uso humano. É para favorecer um pequeno grupo de atividade do agro-negócio exportador, de criação de camarão.

P - Como o senhor analisa a greve de fome de onze dias do bispo Cappio ?

R - A greve de fome do bispo foi um ato político importante para sensibilizar o governo. Precisou o bispo fazer greve de fome para que o presidente Lula abrisse o diálogo. Pela primeira vez, ele vai receber um cidadão, uma entidade, para discutir o projeto de transposição do São Francisco. Pela primeira vez, por conta de uma greve de fome, que se pôs uma vida em risco, é que ele vai receber o bispo Cappio para iniciar um diálogo sobre a obra de transposição, obra esta que já iria começar agora, no mês de outubro. É que ele reconhece, a partir de uma greve de fome, que precisa ampliar o diálogo com a sociedade. Isso está na proposta. Isso nos frustra muito, nos causa estranheza um governo de proposta democrática-popular, que se elegeu com essa proposta democrática-popular de um cidadão brasileiro, um bispo, ter de colocar sua vida em risco para que o governo acenasse com a hipótese de diálogo. Ora, se a proposta do governo Lula foi dialogar, é porque antes ele não estava dialogando. Foi preciso um bispo fazer greve de fome de onze dias. E, aí, diante dessa greve de fome, ter uma repercussão nacional e até internacional. Tamanho o procedimento antidemocrático, imperial, que o governo Lula estava procedendo, no projeto de transposição. É uma insensatez.

P - Durante a última campanha presidencial, Lula e Ciro Gomes foram candidatos. Os dois, separadamente, foram a Sergipe em campanha e, certamente, o tema transposição do São Francisco foi debatido. O que disse Lula quando estava em campanha em relação à transposição?

R - Em Sergipe, Lula se comprometeu em promover a revitalização do rio São Francisco. O presidente Fernando Henrique Cardoso também tentou fazer a obra da transposição por duas vezes mas não conseguiu por resistência social, resistência política, e acabou desistindo. O então candidato Luiz Inácio Lula da Silva dizia que a transposição proposta por Fernando Henrique era um ato político que visava a reeleição. E ele, categoricamente, disse em Sergipe, durante a campanha, que apoiava a revitalização. Não existiria a possibilidade de transposição sem que, primeiro, se fizesse a revitalização do rio São Francisco.

P - E o ministro Ciro Gomes, quando candidato, também se posicionou quanto à possibilidade de transposição do rio?

R - Em relação a essa questão o ministro Ciro Gomes reconheceu, desde o primeiro momento, que era preciso fazer a revitalização. Não foi tão enfático como o presidente Lula, contrário à transposição. E por isso, também, houve o resultado nas urnas. Sergipe acabou elegendo Lula com ampla margem de votos. Ciro Gomes ficou em Sergipe em terceiro lugar. Mas, mesmo assim, o projeto de revitalização e transposição que Ciro defendeu durante a campanha eleitoral foi o projeto feito pelo governador João Alves Filho. O que hoje o governador João Alves Filho defende e o Ciro Gomes se contrapõe foi o projeto que Ciro Gomes defendeu na campanha.

P - Para concluir, na sua opinião, porque que o presidente Lula mudou de posição agora?

R - Pode ter sido influência do ministro Ciro Gomes, com seus interesses paroquiais.
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