MIGALHAS QUENTES

  1. Home >
  2. Quentes >
  3. Matéria especial do STJ aborda lei de execução penal
Reforma

Matéria especial do STJ aborda lei de execução penal

Comissão de juristas vai preparer anteprojeto de reforma.

Da Redação

domingo, 14 de abril de 2013

Atualizado às 10:03

O site do STJ divulgou reportagem especial com temas tratados pela lei de execução penal (7.210/84) e que devem ser discutidos pela comissão de juristas instalada no Senado sob a presidência do ministro Sidnei Beneti para uma reforma da lei.

 

Veja abaixo.

_________

Após 30 anos, execução penal deve enfrentar reformas para efetivar punições e assegurar direitos

Editada em 1984, a lei de execuções penais deve passar por reformas profundas em breve. O Senado Federal encomendou um anteprojeto a juristas e profissionais da área. A comissão responsável pelos estudos foi instalada no último dia 4, sob a presidência do ministro Sidnei Beneti, do STJ.

Para o ministro, a lei atual é boa, inspirada por elevados valores humanitários. O objetivo da LEP é respeitar o ser humano condenado, permitindo sua recuperação pessoal, reinserção e manutenção do convívio em sociedade.

Porém, segundo o presidente da comissão de juristas, a realidade não pode ser ignorada. E a realidade é que o dia a dia da execução penal no Brasil não atinge seus objetivos nucleares nem proporciona proteção à sociedade e prevenção da criminalidade.

Superlotação e impunidade

De acordo com o ministro, de um lado os condenados são mantidos em presídios superlotados, muitos com penas já cumpridas, soterrados por procedimentos burocráticos.

De outro, afirma, "a sociedade recolhe o microtraumatismo repetidamente visto e noticiado da sensação de impunidade, diante da ineficácia da lei penal. A sociedade suporta a devolução de pessoas perigosas ao convívio livre com vítimas e testemunhas, prodigalizando o retorno do medo à vida diária. Nociva sensação de abandono do agir honesto, do respeito às leis e às instituições".

Ao longo desses anos, o STJ tem enfrentado diversas questões relativas ao tema. Confira nesta reportagem especial alguns dos assuntos tratados pela LEP e que devem ser discutidos pela comissão de juristas.

Súmulas

Seis súmulas do STJ abordam diretamente a execução penal. A mais recente, de número 493, impede que seja aplicada como condição para o regime aberto uma situação já classificada pelo Código Penal como pena substitutiva autônoma.

O entendimento foi fixado no Recurso Especial repetitivo 1.107.314. Para os ministros, exigir que o condenado prestasse serviços à comunidade para obter o regime aberto resultaria em dupla penalização.

Conforme o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, as "condições especiais" possíveis para a fixação do regime aberto devem se identificar com medidas de caráter educativo, profissionalizante, de valorização da cidadania ou acompanhamento psicológico ou médico.

Salto

Por outro lado, a Súmula 491 impede a progressão de regime "por salto". Ou seja: é ilegal a progressão direta do regime fechado ao aberto.

Em um dos precedentes considerados para edição do verbete (HC 191.223), o preso tinha o direito de passar ao regime semiaberto desde 2006, mas foi mantido em regime fechado até 2009 por falta de vagas em estabelecimento adequado ao regime mais brando.

O juiz da execução autorizou a progressão retroativa, em vista do atraso na implementação do benefício, contando o prazo como se o preso estivesse já no regime semiaberto desde 2006. Assim, antes mesmo de ser efetivamente transferido a esse regime, ele já deveria passar ao regime aberto. Para os ministros, no entanto, o entendimento contraria a LEP, que impõe que o preso cumpra um sexto da pena no regime fixado, antes de poder progredir.

Exame criminológico

O prazo é o requisito objetivo para a progressão. O requisito subjetivo está retratado na Súmula 439. O verbete autoriza a realização do exame criminológico como requisito para a progressão, desde que justificado em cada caso específico.

Até 2003, a lei obrigava o exame em todos os casos. A nova redação exigiu "bom comportamento" e motivação da decisão pela progressão. Para o STJ, apesar de não ser mais obrigatório, o laudo pericial para aferir a adequação do preso à realidade do regime mais brando é um instrumento a serviço do juiz, quando este entenda necessário e fundamente sua opção (HC 105.337).

Prisão domiciliar

Mas se a progressão por salto é vedada, o STJ também não admite que o condenado cumpra pena em regime mais grave que o merecido. Assim, se não há vaga em estabelecimento adequado ao regime a que faz jus o preso, ele deve ser mantido em regime mais brando.

No HC 181.048, por exemplo, o ministro Gilson Dipp garantiu a condenado a regime semiaberto que aguardasse em regime aberto, ou mesmo em prisão domiciliar, o surgimento da respectiva vaga. Para o Tribunal, a inércia do poder público não autoriza o recolhimento do condenado em regime mais severo.

O STJ também admite a prisão domiciliar para condenados ao regime fechado, excepcionalmente, em caso de necessidade de tratamento médico impossível de ser prestado no presídio.

Saída temporária

Já em 1992, o STJ editou também a Súmula 40, ainda aplicável. O verbete prevê que, para a obtenção dos benefícios da saída temporária e do trabalho externo, basta ao réu que esteja em regime semiaberto e tenha cumprido um sexto do total da pena, não necessariamente nesse regime.

O entendimento foi aplicado, por exemplo, no HC 134.102, de 2009, no qual o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negava ao condenado a visita periódica ao lar por conta do pouco tempo em que se encontrava no regime semiaberto. A Quinta Turma aplicou a súmula e concedeu o benefício ao preso.

Crimes hediondos

A Lei dos Crimes Hediondos, de 1990, originalmente impedia qualquer progressão de regime aos condenados pelas práticas nela listadas. Porém, o Supremo Tribunal Federal (STF), acolhendo entendimento já manifestado pelo próprio STJ, entendeu que a lei era inconstitucional.

O Congresso editou nova lei em 2007, permitindo a progressão para tais crimes, mas com prazos maiores em cada regime do que os previstos na LEP. Para o Ministério Público, como a lei mais nova permitia a progressão antes vedada, ela era mais benéfica e deveria ser aplicada mesmo para crimes cometidos entre 1990 e 2007.

Mas o STJ consagrou na Súmula 471 o entendimento de que a nova norma é mais prejudicial. No HC 83.799, um dos precedentes que a embasaram, os ministros esclareceram que, diante da inconstitucionalidade da Lei de Crimes Hediondos original, a única legislação aplicável naquele período seria a LEP.

Assim, a nova lei, ao aumentar de um sexto para dois quintos (ou três quintos, no caso de reincidência) os prazos para progressão, é mais prejudicial ao condenado e inaplicável para os fatos anteriores à sua vigência.

Remição pelo estudo

Em 2003, o STJ já reconhecia o direito do preso à remição de pena pelo estudo, incorporado à legislação em 2011. O entendimento foi fixado também na Súmula 371. Pela remição, o preso ganha um "desconto" no tempo da pena, de um dia a cada três de trabalho ou de estudo.

Para o ministro Gilson Dipp, relator do Recurso Especial 445.942, que embasou o enunciado, o objetivo da LEP ao prever o desconto de pena pelo trabalho é incentivar o bom comportamento e a readaptação do preso ao convívio social.

Assim, a interpretação extensiva da lei, para permitir igual desconto pelo estudo, atende a seus objetivos e dá aplicação correta ao instituto. "A educação formal é a mais eficaz forma de integração do indivíduo à sociedade", afirmou o atual vice-presidente do STJ.

Falta grave

Se o preso comete falta grave, no entanto, ele perde parte dos dias remidos. O STJ entende (REsp 1.238.189) que essa punição não ofende o direito adquirido, a coisa julgada ou a individualização da pena, já que a remição é um instituto passível de revogação. Atualmente, são faltas graves, por exemplo, fuga, rebelião e uso de celular.

O Tribunal também entende que a prática de falta grave implica interrupção (isto é, reinício da contagem) do prazo para progressão de regime, mas não para o livramento condicional e a comutação da pena (EREsp 1.197.895).

Regime aberto

O STJ rejeita, porém, a remição por estudo ou trabalho no regime aberto. É a situação retratada no REsp 1.223.281. Nesse caso, a Justiça do Rio Grande do Sul havia concedido o "desconto", por entender que não havia impedimento legal para a medida. O ministro Og Fernandes reiterou a jurisprudência pacífica do STJ, afirmando que a lei prevê expressamente o benefício apenas para os regimes fechado e semiaberto.

O ministro Og Fernandes foi também o relator do Habeas Corpus 180.940, no qual se flexibilizou a LEP para permitir que fosse dado ao condenado um prazo razoável para buscar ocupação lícita.

O texto legal exige que a prova de disponibilidade de trabalho imediato seja feita antes da progressão ao regime aberto. Porém, o ministro considerou que a realidade é que pessoas com antecedentes criminais tenham maior dificuldade no mercado de trabalho formal, e observar a previsão literal da lei inviabilizaria a existência do benefício.

Bolsa-masmorra

Fora da esfera estritamente penal, o STJ também já decidiu sobre a responsabilidade do estado pela superlotação. Diversos processos trataram do dano moral sofrido pelo detento submetido a presídio com número de presos muito superior à lotação.

Diante de posicionamentos diversos entre as Turmas do Tribunal, foi julgado um embargo de divergência sobre o tema. No EREsp 962.934, prevaleceu o entendimento de que a concessão de indenização individual ao submetido a superlotação ensejaria prejuízo à coletividade dos encarcerados, ao reduzir ainda mais os recursos disponíveis para investimentos públicos no setor.

A avaliação do ministro Herman Benjamin no REsp 962.934 foi confirmada pela Primeira Seção. Pela decisão, não faz sentido autorizar que o estado, em vez de garantir direitos inalienáveis e imprescritíveis titularizados pelos presos, pagasse àqueles que dispusessem de advogados uma espécie de "bolsa-masmorra" em troca da submissão diária e continuada a ofensas indesculpáveis.

A decisão não transitou em julgado. O processo encontra-se suspenso em vista da repercussão geral do tema, decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário 580.252.

Patrocínio

Patrocínio Migalhas