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Direito ao esquecimento

Advogado da família de Aída Curi sustenta que reconhecer direito ao esquecimento fortalecerá a imprensa

Processo contra programa da TV Globo que relembrou o caso tem status de repercussão no STF.

Da Redação

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Atualizado às 08:15

"De um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação; de outro, a dignidade da pessoa humana e vários de seus corolários, como a inviolabilidade da imagem, da intimidade e da vida privada." O embate citado pelo ministro Toffoli será enfrentado pelo STF no processo com o apanágio de repercussão geral que trata de um programa que relembra o assassinato de Aída Curi (ARExt 833.248).

A origem da causa foi a veiculação no "Linha Direta Justiça", da TV Globo, sobre o assassinato de Aída, quase 50 anos após o crime. A família sustenta que "o tempo se encarregou de tirar o tema da imprensa", mas voltou à tona com o programa, que explorou o nome e a imagem da vítima e de alguns de seus familiares "sem pudor ou ética" e sem autorização para tal.

Repercussão geral

O pedido foi julgado improcedente tanto pela Justiça do RJ quanto pelo STJ. Chegado o processo no STF, a Corte conferiu status de repercussão ao importante caso, vencido o ministro Marco Aurélio e sem manifestação da ministra Cármen Lúcia.

Toffoli destacou a argumentação da família no sentido de que o caso em tela versa sobre um aspecto da proteção da dignidade humana que ainda não foi apreciado pelo STF:

"Destacam que o que se busca é um precedente inédito em que o referido instituto será analisado na esfera civil e sob a perspectiva da vítima, salientando, também, que esse julgamento terá o condão de detalhar e tornar um pouco mais nítida a proteção à dignidade humana frente aos órgãos de mídia e de imprensa, inclusive à luz do que decidido pelo Plenário desta Corte no julgamento da ADPF nº 130, no qual se assentou a incompatibilidade da Lei de Imprensa com a ordem constitucional vigente." (grifos nossos)

Acerca da questão, o advogado Roberto Algranti Filho (Roberto Algranti Advogados Associados), que patrocina a causa em nome da família de Aída, elucida os principais pontos do relevante processo.

Roberto destaca argumentos como o direito ao esquecimento ser estendido à vítima e não ficar restrito ao infrator; e que tal reconhecimento fortalecerá a imprensa, protegendo os órgãos de comunicação de eventuais excessos judiciais ou insurgências infundadas de pessoas que se oponham à circulação de informações contemporâneas de interesse público.

"O reconhecimento do direito ao esquecimento moderniza e abre caminho para o exercício humanizado destas liberdades."

Veja abaixo a íntegra da entrevista.

_________________

1 - No STJ, o resultado final do julgamento no caso família Aída Curi x Rede Globo foi de 3x2. Qual a expectativa quanto ao julgamento no STF, especialmente por ter status de repercussão geral?

Ao sermos contratados, transmitimos aos nossos clientes a impressão de que, quanto mais alta a instância, maiores seriam as nossas chances de êxito.

Isto vem se mostrando factível: sentença de improcedência em 1ª instância; derrota de 2x1 na 2ª instância do TJ/RJ; derrota de 3x2 no STJ.

No STF, estamos convictos de que uma vitória é possível, por ser a oportunidade para se criar um balizamento mínimo para a atividade de imprensa (repercussão geral), pois, desde a ADPF 130, não há mais regras legais específicas.

Ou seja, há um ambiente propício, a nosso ver, para o reconhecimento do direito ao esquecimento, pelo STF.

Democracia exige maturidades jurídica e política, e isto nos deixa confiantes num resultado positivo no STF.

2 - Qual a peculiaridade da discussão sobre o direito ao esquecimento que será travada?

A maior peculiaridade é que, no processo onde atuamos, criamos a tese de que o direito ao esquecimento deve ser estendido às vítimas do crime, por isonomia.

Nossas pesquisas indicam se tratar de um leading case no Brasil, quiçá no mundo.

Além disto, sem prejuízo à tese do direito ao esquecimento (e à consequente ilegalidade da exploração da tragédia da família Curi), houve exploração comercial da imagem (real) e história de Aída Curi e sua família, o que por si gera o direito a uma indenização.

3 - O julgamento no Supremo também vai contrapor o direito de liberdade de expressão x a inviolabilidade da honra e da intimidade. Como o sr., enquanto advogado da família, vislumbra esse embate?

A relevância política deste julgamento é muito expressiva por indicar o ponto de equilíbrio entre garantias constitucionais tão relevantes e, ao menos na aparência, conflitantes.

Inclusive, é natural que os órgãos de imprensa fiquem temerosos com o reconhecimento ao direito ao esquecimento. Porém, uma reflexão mais aprofundada, a nosso ver, leva à conclusão de que este reconhecimento os fortalecerá, protegendo-os de eventuais excessos judiciais ou insurgências infundadas de pessoas que se oponham à circulação de informações contemporâneas de interesse público.

O reconhecimento do direito ao esquecimento moderniza e abre caminho para o exercício humanizado destas liberdades.

4 - O programa Linha Direta pode ser considerado jornalístico?

O programa Linha Direta - Justiça nada teve de jornalístico. É um filme adaptado à televisão, com roteiro, atores, música incidental, direção de arte, etc., além de se referir a fatos sem interesse público ou contemporaneidade.

Além disto, a prova pericial produzida no processo mostrou que a Globo LUCROU mais de R$ 1.500.000,00, o que corrobora o caráter comercial do programa e expõe, claramente, como as liberdades de imprensa e expressão podem ser usadas para encobrir interesses exclusivamente empresariais.

Aliás, considerar aquele programa como ato de imprensa denigre o jornalismo, sendo este um dos motivos que nos levam a dizer que o reconhecimento do direito ao esquecimento, ao menos no caso de Aída Curi, protege a imprensa de si mesma.

5 - O reconhecimento do direito ao esquecimento leva automaticamente ao dever de indenizar?

No nosso caso, em se reconhecendo o direito ao esquecimento da família Curi, cremos que naturalmente eles serão indenizados, pois haverá todos os requisitos da responsabilidade civil.

Mas é importante insistir que, independentemente do direito ao esquecimento, a família Curi faz jus a indenizações por exploração da sua imagem e história, e pelo dano moral que lhes foi causado pelo uso de cenas desnecessárias e desumanamente violentas.

Lembre-se que o programa Linha Direta, em sua origem, se propunha a causar impacto e comoção nos telespectadores, para, a partir disto, incentivar denúncias que levassem à prisão do suspeito. Apesar do crime de Aída Curi ter sido solucionado há mais de meio século, a Globo manteve cenas de absurda violência, sem nenhuma justificativa. Isto causou muito sofrimento aos familiares.

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