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Carta

Procuradores repudiam investidas legislativas contra delação premiada

Confira abaixo a íntegra da "Declaração de Brasília contra a corrupção".

Da Redação

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Atualizado às 08:19

O CNMP divulgou nesta quarta-feira, 29, a "Declaração de Brasília contra a corrupção".

O documento, que lista 14 medidas que devem subsidiar a atuação do sistema de Justiça no combate à corrupção, foi apresentado no fim do seminário "Grandes casos criminais: experiências italiana e perspectivas do Brasil", promovido pelo Conselho entre os dias 27 e 29.

Entre os pontos de atenção elencados, a declaração externa o repúdio às "tentativas de modificar a legislação que regula os acordos de colaboração premiada, para impedir que acusados privados de liberdade colaborem com a Justiça como legítima estratégia de defesa e como forma de reduzir suas penas ou de melhorar suas situações carcerárias".

Outra medida apontada é a necessidade da ampliação dos limites da Justiça Penal pactuada no processo penal e no processo civil brasileiros, "a exemplo do que já ocorre com os acordos de colaboração premiada e os acordos de leniência. Acordos penais (plea bargain) entre Ministério Público e defesa, sob estrito controle judicial, devem ser permitidos pela legislação."

A declaração demonstra ainda a preocupação em relação aos movimentos que tentam modificar a jurisprudência do STF que passou a admitir a execução penal da sentença condenatória após decisão de 2ª instância.

Confira abaixo a íntegra.

Declaração de Brasília contra a Corrupção

CONSIDERANDO o conteúdo dos debates realizados no seminário "Grandes Casos Criminais: a Experiência Italiana e Perspectivas no Brasil", promovido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), com apoio do STF, MPU, CNJ, ANPR, CONAMP, AJUFE e AMB, na sede da Procuradoria-Geral de Justiça Militar, em Brasília, entre 27 e 29 de junho de 2016;

CONSIDERANDO as experiências positivas neste campo adotadas nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina, com a bem-sucedida adoção de sistemas de processo penal acusatório nessas jurisdições; CONSIDERANDO que o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 16 (ODS 16), da Agenda 2030 das Nações Unidas, exorta os Estados a "promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à Justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis";

CONSIDERANDO os Princípios Orientadores Relativos à Func ao dos Magistrados do Ministério Público, aprovados no 8º Congresso das Nações Unidas para a Prevenc ao do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Havana em 1990;

CONSIDERANDO os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial (Bangalore Principles of Judicial Conduct), de 2002, cujos valores primordiais são a independência e a imparcialidade dos juízes; CONSIDERANDO os princípios e regras que compõem o regime global de prevenção e repressão à corrupção, no marco da Convenção Interamericana contra a Corrupção (OEA, Caracas, 1996), da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (OCDE, Paris, 1997) e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (ONU, Mérida, 2003);

CONSIDERANDO a necessidade de respeito aos direitos humanos no contexto do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1969, da Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, e da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984;

CONSIDERANDO a deficiência ou inadequação do atual marco normativo brasileiro para a persecução de crimes graves e de infrações à probidade administrativa; CONSIDERANDO o êxito da mobilização da sociedade brasileira contra a PEC 37, que pretendia impedir o Ministério Público de realizar investigações criminais;

CONSIDERANDO os êxitos da Estratégia Nacional contra a Corrupção e a Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), na última década, e o modelo interinstitucional e multidisciplinar por ela preconizado;

CONSIDERANDO os avanços jurisprudenciais concretizados pelos tribunais brasileiros, sobretudo pelo Supremo Tribunal Federal, que permitiu a investigação criminal pelo Ministério Público (RE 593.727/MG) e que passou a admitir a execução penal após o trânsito em julgado em segundo grau de jurisdição (HC 126.292/SP);

CONSIDERANDO a importância do sistema acusatório no processo penal brasileiro, preconizado pela Constituição de 5 de outubro de 1988;

CONSIDERANDO a existência de iniciativas destinadas a suprimir os avanços legislativos ocorridos nos últimos anos, que resultaram na aprovação da Lei da Ficha Limpa (2010), da nova Lei de Lavagem de Dinheiro (2012), da Lei Anticorrupção Empresarial (2013), da Lei de Organizações Criminosas (2013) e da Lei Antiterrorismo (2016);

CONSIDERANDO as experiências italianas de enfrentamento à criminalidade organizada e à corrupção, consubstanciadas nas investigações conduzidas pelos magistrados do Ministério Público que formaram o pool antimáfia de Palermo, nos anos 1980, e o pool di Mani Pulite, dos anos 1990;

CONSIDERANDO o papel preponderante da sociedade civil como motor das transformações capazes de produzir desdobramentos positivos no ambiente democrático e consolidá-los;

CONSIDERANDO a indispensabilidade da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, especialmente no ciberespaço, para a construção de uma sociedade democrática, transparente e responsável;

CONSIDERANDO o trabalho realizado por organizações não governamentais, como a Transparência Internacional, para fortalecimento da cultura anticorrupção em vários países;

Com base nas preocupações externadas no evento "Grandes Casos Criminais: a Experiência Italiana e Perspectivas no Brasil", a bem do efetivo e eficaz enfrentamento à corrupção e a macrocriminalidade, formulasse a seguinte Declaração:

1. A independência de juízes e membros do Ministério Público e a autonomia do Poder Judiciário e do Ministério Público são valores fundamentais para a promoção do Estado de Direito, para a efetividade dos princípios da legalidade e da isonomia e para a efetivação da responsabilidade administrativa, civil ou criminal de qualquer infrator.

2. O princípio acusatório no processo penal brasileiro, segundo modelo adversarial, deve permitir a todos os sujeitos processuais observar e fazer respeitar os direitos de acusados, das vítimas e da sociedade.

3. O Ministério Público é titular privativo da ação penal pública (artigo 129, I, da CF) e, num processo penal de partes, tal titularidade também estendesse às medidas cautelares de cunho penal, devendo todas estarem sujeitas a prévio controle judicial.

4. A necessidade de prevenir e reprimir a corrupção e outros crimes graves não dispensa membros do Ministério Publico e juízes do dever de respeitar rigorosamente os direitos e as garantias de acusados e vítimas durante a investigação criminal, o processo penal e a execução penal, especialmente o direito ao contraditório e à presunção de inocência.

5. A existência de técnicas especiais de investigação e meios especiais de obtenção de provas é essencial para o cumprimento das funções do Ministério Público e da Polícia no enfrentamento à corrupção e à criminalidade organizada.

6. São repudiáveis as tentativas de modificar a legislação que regula os acordos de colaboração premiada, para impedir que acusados privados de liberdade colaborem com a Justiça como legítima estratégia de defesa e como forma de reduzir suas penas ou de melhorar suas situações carcerárias.

7. É fundamental a ampliação dos limites da Justiça Penal pactuada no processo penal e no processo civil brasileiros, a exemplo do que já ocorre com os acordos de colaboração premiada e os acordos de leniência. Acordos penais (plea bargain) entre Ministério Público e defesa, sob estrito controle judicial, devem ser permitidos pela legislação.

8. Deve ser incentivada a constituição de forças-tarefas institucionais e interinstitucionais e a criação de equipes conjuntas de investigação (joint investigative teams), de forma a permitir o intercâmbio de informações processuais e de segurança pública entre órgãos de persecução criminal e agências de inteligência.

9. O Poder Executivo e o Poder Legislativo devem considerar a aprovação de novo marco para a cooperação internacional em matéria penal, que incorpore o princípio do reconhecimento mútuo, regulamente modernas formas de assistência jurídica internacional, permita atuação mais efetiva do Poder Judiciário e do Ministério Público na obtenção direta de provas no exterior e facilite a recuperação de ativos.

10. O fortalecimento do Poder Judiciário e do Ministério Público e a concretização do controle externo das Polícias pelo Ministério Público são cruciais para assegurar o cumprimento dos deveres constitucionais dessas instituições e garantir o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, sejam acusados ou vítimas.

11. São preocupantes os movimentos que tentam modificar a jurisprudência do STF, consubstanciada no julgamento do HC 126.292/SP, que passou a admitir a execução penal da sentença condenatória após o trânsito em julgado em segundo grau de jurisdição.

12. A transparência das ações, atividades, programas e projetos do Ministério Público e do Poder Judiciário é essencial para o controle social das atuações de seus magistrados e de seus órgãos de direção, tendo em vista os princípios constitucionais que regem a Administração Pública.

13. Empresas socialmente responsáveis são atores essenciais para a prevenção da corrupção. É desejável a adoção de programas internos de conformidade (compliance) e de regras corporativas de proteção a informantes confidenciais (whistleblowers) para fortalecer empresas comprometidas com o respeito às leis e eliminar as condições hoje favoráveis a empresas corruptoras.

14. A sociedade brasileira espera que o Congresso Nacional discuta, aperfeiçoe, se necessário, e aprove o mais prontamente possível as 10 Medidas contra a Corrupção, projetos de lei essenciais para consolidar os avanços da política brasileira de prevenção e repressão à corrupção e a outros delitos graves.