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Divulgando a Justiça

Corrêa madruga no Bom Dia Brasil

Da Redação

segunda-feira, 8 de dezembro de 2003

Atualizado às 13:12

 

Em busca dos holofotes

 

Maurício Corrêa, do STF, conclamou os membros do Judiciário a procurarem a imprensa, hoje, Dia da Justiça, para falar sobre os problemas do Poder. Como bom mineiro, despertou cedo, e já pela manhã estava no Bom Dia Brasil, da Rede Globo. Veja abaixo a entrevita concedida ao matutino telejornal:

 

O número é de uma pesquisa feita pela Ordem dos Advogados do Brasil e divulgado em comunicado emitido pelo Supremo Tribunal Federal. A imagem da Justiça frente à população não é nada boa: 38% dos entrevistados não confiam nos tribunais.

 

É por isso que hoje, Dia da Justiça, juízes de todo Brasil querem mostrar aos brasileiros como é o trabalho do Judiciário. Eles foram convocados pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, convidado de hoje do Bom Dia Brasil.

 

Bom Dia Brasil: A lentidão da justiça como vimos é a maior queixa da população. Por que a justiça não consegue desempenhar o seu papel rapidamente?

 

Maurício Corrêa, presidente do Supremo Tribunal Federal: Primeiro há uma confusão estabelecida pela sociedade muito grande. Eles confundem Ministério Público, Receita, Polícia e até o Poder Executivo com o Poder Judiciário, quando o Poder Judiciário tem uma atividade específica, definida na Constituição, para julgar os conflitos que surgem na sociedade. Daí este descrédito não em face do juiz em si, mas pela estrutura de funcionamento do Poder Judiciário. O que ocorre é que não precisa ser feita com a rapidez que estão querendo que seja feita a reforma constitucional do Poder Judiciário, mas a reforma processual do sistema existente, para que não haja tanto recurso como existe, para que a impunidade deixe de existir, ou seja atenuada. No Brasil, tudo o que não serve em matéria de justiça, o juiz é culpado, o judiciário é que não presta, mas na verdade é o sistema processual que impede que o juiz exerça a sua atuação imediata.

 

Bom Dia Brasil: Mas é comum ouvir a queixa de que a justiça é rápida para os ricos e lenta para os pobres. Quanto há de verdade nessa afirmação?

 

Maurício Corrêa: O que ocorre é que, na verdade, o rico tem condições de contratar bons advogados; e o pobre tem que se valer da defensoria pública. Essa é outra deficiência do Estado, porque o que é preciso é incentivar as defensorias públicas. Elas foram criadas pela Construção de 1988, própria Constituição, para atender os pobres. Ocorre que o Estado não dá recursos para que essas defensorias sejam instaladas em todo o Brasil, de um modo eficiente, de produzir resultados eficazes, para que o pobre possa ter igualdade de condições com o rico, a mesma segurança na prestação jurisdicional e na defesa dos seus direitos.

 

Bom Dia Brasil: Falando de pontos específicos, recentemente o brutal assassinato do casal de jovens em São Paulo motivou muitos pedidos de mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente. O senhor foi até São Paulo se encontrar com o governador Geraldo Alckmin, que discute mudanças nisso, especialmente penas mais graves, mais severas para os menores que cometem crimes. O senhor é favorável a isso? O senhor defende a antecipação da maioridade penal de 18 anos para 16 anos ou acha que tudo deve ficar como está e não se precisa mexer no estatuto neste momento?

 

Maurício Corrêa: Na verdade, eu estive em São Paulo e apoiei o projeto do governador Alckmin, já apresentado à Câmara dos Deputados, porque ele dá uma solução mais compatível com o nosso sistema constitucional. A redução da maioridade de 18 para 16 é perigosa, não só do ponto de vista pedagógico, enfim, biológico e por uma série de outras circunstâncias já interpretadas pelos que entendem especificamente da área; mas sobretudo porque o que sucede é que há uma controvérsia de natureza jurídica. Se abaixar de 18 para 16, alguém defende - é uma corrente grande - que isso fere o princípio constitucional da cláusula pétrea, porque esse é um direito social da criança. A pena não pode ser aumentada porque a diminuição da maioridade de 18 para 16 causará a inconstitucionalidade futura desse projeto que vier a estabelecer que a maioridade penal tem que ser aos 16 anos. Por isso, a solução intermediária, que diz que fase de internação deve ser aumentada e que o menor que pratica crime grave, que fica ainda neste período na casa de correção sócio-educativa, ele fica em compartimento isolado, para que a sua periculosidade não seja transmitida aos outros garotos. Por outro lado, depois que ele passa dos 18 anos, e se a pena vai até os 25, por exemplo, ele vai ficar ali, aos 18 anos, ele vai ficar em uma área especial também sem ter contato com os outros bandidos que já cumprem penas exageradas. Esse o grande mérito do projeto dele e o perigo, como eu disse, da redução dos 18 anos pura e simplesmente para os 16 anos.

 

Bom Dia Brasil: O senhor falou na importância de dinheiro, de recursos para tornar a justiça mais ágil. Mas existem também outros mecanismos, por exemplo, está se discutindo muito agora a criação do chamado "efeito vinculante", que aceleraria o julgamento dos processos. O senhor poderia explicar o que é efeito vinculante? O senhor é a favor ou contra?

 

Maurício Corrêa: Sou favorável ao efeito vinculante, porque não é explicável nem justificável, nem lógico que uma tese jurídica que já esteja definida, reiterada às vezes, vá novamente ser submetida ao juiz de primeiro grau para depois chegar ao tribunal superior se aquilo já está esgotado. Isso não tem sentido lógico. Com o efeito vinculante, se o tribunal decidiu que determinada tese já foi definida juridicamente, que ela tem que ser acatada de um modo ou de outro, seja de que modo for, ela tem que ser respeitada. Porque vai reiniciar tudo aquilo? Para se ter uma ligeira idéia, neste ano, o Supremo Tribunal Federal - até 30 de novembro passado - decidiu 151 mil e tantos processos. Desses, 58% eram de Agravo de Instrumento. O agravo de instrumento é um recurso que a parte usa embaixo. Quer dizer, o juiz dá uma sentença, depois vai para o tribunal, o tribunal resolve como o juiz decidiu, aí o advogado não concorda, entra com um Agravo de Instrumento, o tribunal não admite, o agravo vai para o supremo ou vai para o STJ ou outro tribunal. Isso fica "entupindo" os tribunais superiores sem o menor sentido. Por isso, o efeito vinculante torna-se importante. Decidida uma causa pelo Supremo Tribunal Federal, por exemplo, está definida aquela tese e não justifica mais ficar rediscutindo isso. Os advogados não querem, porque eles entendem que é preciso que a tese seja rediscutida novamente na primeira instância e chega até o Supremo Tribunal Federal. Nós entendemos que isso é um absurdo, ilógico e não é racional.

Bom Dia Brasil: O senhor já falou um pouco sobre a necessidade de se reformar o Poder Judiciário e são propostas que prometem muita discussão. É uma reforma difícil...

 

Maurício Corrêa: Sem dúvida. Postula-se a criação de controle externo, postula-se o efeito vinculante, mas eu acho que o importante para a sociedade não é exatamente essa reforma do Poder Judiciário na parte constitucional. É claro que ela tem que ser feita. Como eu disse, o que deve ser imediatamente introduzida é uma sistemática no nosso código de processo para que a justiça seja mais rápida.

 

Bom Dia Brasil: Por exemplo...

 

Maurício Corrêa: Quando eu era advogado, um dia um cidadão do Rio de Janeiro me fez um telegrama para que eu pedisse ao ministro que julgasse a sua causa porque ele estava com oitenta e tantos anos. Eu pedi ao ministro, expliquei a ele, que não julgou a causa. O cidadão dizia que queria morrer com a causa julgada. A causa não foi julgada e ele morreu, e até o próprio ministro morreu e a causa não foi julgada. Essas coisas atrasam, às vezes as pessoas não entendem... Neste caso, evidentemente tem que haver um controle, mas um controle interno. Em abril de 1977, na época do presidente Geisel, houve a criação do Conselho Nacional de Justiça. Bastava que uma parte comunicasse ao Supremo e, em um simples ofício ao juiz, a causa era julgada. Têm juízes relapsos mesmo, não há dúvida. Ninguém vai defender quem não deve ser defendido.

 

Bom Dia Brasil: Essa proposta de reforma no Poder Judiciário está no Congresso, está no Senado mais especificamente. O que fazer para que ela avance?

 

Maurício Corrêa: Eu creio que a reforma constitucional tem que ser feita. É essa que está no Congresso Nacional, no Senado Federal. Mas o que é preciso ser feito é a reforma processual antes dessa. Por exemplo, o Estatuto da Magistratura, que estava na Câmara dos Deputados, foi retirado, porque estava lá há quase 12 anos e ainda não tinha sido votado. Muita coisa que está na reforma constitucional pode ser introduzida no estatuto, que é a lei orgânica da magistratura brasileira. Nós estamos postulando que primeiro seja votada a lei orgânica, primeiro sejam votadas as leis processuais e depois se dê andamento àquela parte residual que tem que ser resolvida por emenda constitucional.

 

Bom Dia Brasil: Como anda a sua relação com o presidente da República?

 

Maurício Corrêa: Olha, no começo tivemos alguns estremecimentos aí, porque havia uma idéia de que o tribunal, na cabeça do povo, era um departamento. O Poder Judiciário não é um departamento. O Poder Judiciário é um poder da República que tem que ser preservado, porque é uma instituição republicana que, se não existir, acaba a democracia no Brasil, como acaba em qualquer parte do mundo. Onde não há o juiz para julgar o rei, para julgar o príncipe, esse regime não é respeitável. Portanto, aqui no Brasil, nós temos que fortalecer o Poder Judiciário e eu tenho certeza que nem o presidente da República, nem o Congresso desejem enfraquecer o Poder Judiciário. As minhas relações com o presidente tendem a entrar no eixo normal, de respeito com uma instituição que nós representamos - o presidente da República, o Executivo; e eu, o Poder Judiciário.

 

Bom Dia Brasil: Com respeito às investigações e as prisões na Operação Anaconda, qual a avaliação que o senhor faz sobre isso? Isso desgasta o Poder Judiciário?

 

Maurício Corrêa: Houve e há uma série de circunstâncias que tem levado ao descrédito e ao desprestígio do Poder Judiciário. O juiz não. O juiz continua respeitado. Em qualquer lugar do Brasil, o juiz é a autoridade mais respeitada. É mais respeitado do que o padre, o prefeito, o pastor. Em segundo lugar, às vezes vem o Ministério Público, vem até o pastor ou o padre. Mas o primeiro é o juiz. Nós temos, em face dessas ocorrências que surgiram, uma nódoa que precisa ser explicada. Em São Paulo, por exemplo, nessa Operação Anaconda, quem determinou a quebra do sigilo bancário daquelas pessoas envolvidas, o sigilo de um modo geral, foi uma juíza do Tribunal Regional Federal da 3ª região. Aí, através dessa quebra, foi possível chegar àquele resultado que o Brasil todo conheceu. Todo mundo pensa, mas ninguém sabe que é o próprio Poder Judiciário que está cortando a sua carne. Então o que ocorre agora é que o processo tem curso, houve a decretação pelo próprio tribunal da prisão preventiva desse juiz que se encontra preso, e os outros dois estão em fase de investigação. Seguramente que o tribunal vai tomar uma posição.

 

Bom Dia Brasil: A desconfiança da população brasileira na justiça se espalha para a polícia dos estados, que não conseguem atualmente combater a violência que está em elevados índices pelo país inteiro. Qual é a contribuição da justiça para tentar reduzir esses índices? Atualmente, os estados estão tentando fazer as integrações entre as polícias, investigações em conjunto. Como a justiça pode contribuir nesse esforço?

 

Maurício Corrêa: Isso me lembra uma questão muito interessante. Ontem, vendo o Fantástico, fiquei horrorizado de ver o que está ocorrendo em Bangu IV. Aquilo demonstrou para a gente - bandido lá preso fumando maconha, usando telefone celular, usando cocaína - que isso é um absurdo dentro de um estabelecimento penal. O preso tem que ser vigiado, tutelado pelo Estado - que permite que haja isso lá dentro. Isso não é culpa do Poder Judiciário. O Poder Judiciário não tem nada a ver com isto. A responsabilidade por essas ocorrências, por essas irregularidades é do poder respectivo, que dizer, é da polícia, é do sistema penitenciário e não do Poder Judiciário. Há várias propostas de federalizar, por exemplo, os crimes de direitos humanos, há propostas de a Polícia Civil seja extinta e se crie um organismo policial único. Todas essas propostas são válidas na medida em que são discutidas pela sociedade, sejam aperfeiçoadas e o que se apresente o que for melhor para o Brasil. Eu, como magistrado, não tenho uma solução que seja mais adequada para conjurar essa crise que existe no Brasil.

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