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Legislativo

Reeleição no Congresso: Fundamentos do voto de Gilmar Mendes

Com substancioso voto, ministro é favorável à reeleição de Maia e Alcolumbre.

Da Redação

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Atualizado às 19:05

 (Imagem: Carlos Moura/STF)

(Imagem: Carlos Moura/STF)

A interpretação constitucional não é uma tarefa simples. Diferentemente do imaginário popular, os ministros do Supremo Tribunal Federal, na qualidade de intérpretes da Constituição, não acham isso ou aquilo pelo seu bel prazer. Com efeito, é um dispendioso e exaustivo trabalho, que conta com apurada técnica, para ao final dizerem que isso é ou não constitucional.   

Aliás, importante dizer ainda que o que é constitucional hoje pode não o ser amanhã, e vice-versa.

Há livros à farta sobre o tema, e seria cansativo e desnecessário citar as inúmeras técnicas de interpretação. Apenas como acepipe, nem diríamos interpretação, preferindo termos como hermenêutica ou exegese, para se ter uma ideia de como isso pode ser enfastiadiço para quem não é do ramo.

Pois bem. Feito o nariz-de-cera, analisemos o caso mais tormentoso no qual se debruça o país nesta semana: é constitucional ou não a proibição, que consta na Constituição, de os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal se candidatarem à reeleição?

À primeira vista, já soa estranho perguntar se é constitucional algo que está na Constituição. De fato, mas não são poucas as coisas inconstitucionais na Carta. É que quando as regras são confrontadas com outras, as estranhezas aparecem. Isso sem falar que algo pode ficar anacrônico ou antiquado.

No caso da reeleição dos presidentes das Casas Legislativas, o que se argumenta é mais ou menos isso.

Vejamos as discussões do caso mencionado para entender os argumentos jurídicos.

Como se sabe, o ministro Gilmar Mendes é o relator. Seu voto se alicerça em dois pilares - (i) o direito comparado e (ii) a história institucional brasileira.

Com isso, S. Exa. refuta a tese de inconstitucionalidade da reeleição dos presidentes das Casas Legislativas.

Extraímos cinco fundamentos centrais do voto do ministro, de modo a explicar a lógica jurídica por ele traçada. 

Vamos por essa senda.

Antes, como o Direito é dialético, é possível concordar ou discordar. O que não nos parece correto é não homenagear a lógica jurídica delineada, a qual mostra as reconhecidas qualidades do jurista. 

1 - Prática comum em países republicanos

Gilmar explica que se a proibição de toda e qualquer reeleição fosse decorrente do princípio republicano, teríamos exemplos de diversos países que adotam a proibição - mas não é isso que ocorre.

"Estados com larga e inequívoca aderência aos postulados do constitucionalismo moderno possuem Casas Legislativas em que a reeleição é praticada e sem qualquer limitação."

Entre os exemplos citados no voto estão o Parlamento de Westminster (Câmaras do Parlamento do Reino Unido), Congresso dos EUA e a Espanha.

"Definir quem representa uma Casa de Leis traduz atribuição invariavelmente acometida ao próprio Parlamento. E na competência de definir quem "fala pela Casa" compreende-se, por óbvio, a possibilidade de reconduzir a essa posição determinado parlamentar que sobreviveu ao principal dos controles políticos: a eleição."

2 - Vedar a reeleição no Legislativo contraria a tradição

Gilmar Mendes também assenta no voto a larga autonomia institucional que o Legislativo tem, excetuando-se os períodos autoritários, de modo que a plena liberdade de escolha das Mesas "é de nossa tradição, nisso incluída a possibilidade de reeleição (recondução)."

No caso da Câmara, a propósito, o ministro explica que "isso se revela verdadeiro desde o período do Império".

3 - Proibição que serviu à ditadura

Acontece, ensina Gilmar, que essa tradição institucional foi alterada justamente pela ditadura militar, com o Ato Institucional nº 16, de outubro de 1969, proibindo a reeleição nas Casas Legislativas.

"Que a proibição de reeleição de Membro da Mesa, positivada em 1969, traduz descompasso com o constitucionalismo, em geral, e promove ruptura com a história institucional do Poder Legislativo brasileiro, em particular, isso é constatação que dispensaria desenvolvimentos adicionais."

Trata-se, diz Gilmar mais adiante, de ato com "significado mais profundo", e que é expresso quando se recorda que a proibição à reeleição "insere-se no contexto do terceiro ciclo de repressão, deflagrado pelo Ato Institucional nº 5/1968" - repressão esta da qual não escapou nem o Poder Judiciário.

Dessa forma, lembra Gilmar, a proibição à reeleição nunca se orientou pela finalidade de promover o reforço do princípio republicano, e sim o contrário.

4 - Autonomia organizacional do Legislativo

Neste terceiro fundamento-guia, Gilmar Mendes esclarece que a autonomia organizacional do Poder Legislativo é norma de estatura constitucional.

Elencando uma série de precedentes do próprio Supremo que amparam esta ideia, o ministro nota que a escolha de um Presidente de uma Casa do Congresso "é algo tão sensível para sua identidade institucional" que não é possível "vislumbrar inconstitucionalidade no entendimento fixado pela Câmara sobre o ponto".

5 - Critério objetivo

Outro ponto que fundamenta o voto de Gilmar a favor da reeleição nas Casas do Parlamento é o critério objetivo que valoriza o impacto promovido pela EC 16/97 - que permitiu, justamente, a reeleição do presidente da República, de governadores e prefeitos.

Assim, considerando a EC 16, Gilmar recorda que se passa a ter o critério objetivo de uma única reeleição/recondução sucessiva para o mesmo cargo da Mesa.

É por isso que conclui que os membros das respectivas Casas do Congresso podem, via regra no regimento, deliberar especificamente sobre a matéria, desde que observado, em qualquer caso, o limite de uma única reeleição ou recondução sucessiva ao mesmo cargo da Mesa.

Assim, fixa a tese de que a interpretação sistemática da CF "firma a constitucionalidade de uma única reeleição ou recondução sucessiva de Membro da Mesa para o mesmo cargo, revelando-se desinfluente, para o estabelecimento desse limite, que a reeleição ou recondução ocorra dentro da mesma legislatura ou por ocasião da passagem de uma para outra".

Os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Lewandoski acompanharam integralmente o voto do relator e; ministro Nunes Marques acompanhou com ressalvas; e o ministro Marco Aurélio abriu a divergência.

Se não houver pedidos de destaque ou vista, o julgamento terminará em 11 de dezembro.

 (Imagem: Arte Migalhas)

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