MIGALHAS QUENTES

  1. Home >
  2. Quentes >
  3. Plano de saúde deve custear remédio que teve registro cancelado na Anvisa por desinteresse comercial
Medicamento

Plano de saúde deve custear remédio que teve registro cancelado na Anvisa por desinteresse comercial

3ª turma do STJ considerou não ter risco sanitário na importação do produto.

Da Redação

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Atualizado às 12:48

A 3ª turma do STJ manteve acórdão do TJ/PR que determinou a uma operadora de plano de saúde o custeio da importação de medicamento para o tratamento da síndrome de Sézary, um tipo de linfoma cutâneo. O remédio chegou a ser aprovado pela Anvisa, mas teve o seu registro cancelado por falta de interesse comercial.

Ao estabelecer a distinção entre esse caso e a tese fixada pela 2ª seção no julgamento do Tema 990 dos recursos repetitivos - no qual ficou definido que as operadoras não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela Anvisa -, o colegiado considerou não ter risco sanitário na importação do produto.

 (Imagem: Pixabay)

(Imagem: Pixabay)

Para o tratamento da doença, a paciente recebeu a prescrição de medicamento antineoplásico não disponível no mercado brasileiro. Segundo os autos, a operadora se recusou a arcar com os custos do remédio sob o fundamento de que o contrato de plano de saúde não teria sido adaptado à lei 9.656/98; portanto, deveria prevalecer a cláusula contratual que excluía da cobertura medicamentos e vacinas utilizados fora do regime de internação hospitalar.

A paciente, então, passou a custear o medicamento com recursos próprios (a importação de produto sem registro, por pessoa física, é autorizada por nota técnica da Anvisa), até que decidiu ajuizar a ação contra a operadora.

Com base na nota técnica, o magistrado de primeiro grau condenou a operadora a custear a importação e a reembolsar os valores gastos pela paciente até aquele momento. O TJ/PR manteve a condenação, apenas condicionando o reembolso à prévia liquidação de sentença. 

Quando o processo estava em segundo grau, a paciente morreu e foi sucedida nos autos pelo espólio.

CDC e dignidade humana

O relator do recurso da operadora, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que, se o contrato fosse regido pela lei 9.656/98, a controvérsia teria solução simples, já que o seu art. 12 determina a cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares, como era o caso dos autos.

Entretanto, nos contratos não adaptados à lei 9.656/98, o relator entende que é necessário analisar a cláusula limitativa da cobertura à luz do CDC, dos princípios gerais do direito das obrigações e da própria Constituição, especialmente no que diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

De acordo com o ministro, o art. 54, parágrafo 4º, do CDC - segundo o qual as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor devem ser redigidas com destaque - já seria suficiente para invalidar a disposição contratual.

Além disso, o relator ressaltou que a doença da paciente era de extrema gravidade, a ponto de levá-la a óbito no curso da ação, e que a quimioterapia oral é um tratamento normalmente prescrito para o câncer.

"Essa gravidade extrema da doença traz à tona o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, na sua eficácia horizontal."

Razões comerciais

Em relação ao Tema 990, Sanseverino destacou que os fundamentos que levaram a 2ª seção a desobrigar os planos de fornecer medicamentos não registrados pela Anvisa têm relação com o risco sanitário da comercialização de produtos não submetidos a testes de segurança e eficácia.

No caso dos autos, porém, o ministro apontou não haver risco sanitário, já que o registro do medicamento no Brasil foi cancelado por questões comerciais, não de segurança ou eficácia. Adicionalmente, o relator reiterou que a própria Anvisa se manifestou nos autos pela legalidade da importação, desde que em nome da paciente, pessoa física.

"Essas particularidades do caso concreto justificariam, a meu juízo, uma distinção com o Tema 990, a fim de se excepcionar a tese na hipótese de medicamento com registro cancelado por motivo comercial, determinando-se a cobertura na modalidade de reembolso de despesas, como bem entenderam o juízo e o tribunal a quo."

Assim, negou provimento ao recurso da operado de saúde.

  • Processo: REsp 1.816.768

Leia o acórdão.

Informações: STJ.

Patrocínio

Patrocínio Migalhas