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Jayme Vita Roso e a defesa do jovem advogado

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Da Redação

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Atualizado às 08:39


Eternas paixões

A ecologia e o incentivo aos jovens advogados são duas das grandes paixões do ilustre advogado Jayme Vita Roso, de Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos, destaque de importante matéria publicada no portal Tribuna do Direito. Quer conhecer um pouco mais dessa história ? Então leia abaixo a matéria na íntegra.

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Ecologia e jovem advogado, as paixões

Jayme Vita Roso é um advogado especial. Passou 28 anos da vida plantando árvores, numa tentativa de preservar espécies nativas da Mata Atlântica e recuperar uma área devastada do Município de São Paulo. Graças a esse esforço, cerca de 0,5 % do oxigênio que a população de São Paulo respira provém da sua floresta.

São mais de 800 mil árvores de 50 espécies diferentes (manacás, ipês, paus-brasil, jacarandás, jequitibás e tantas outras) em 855

mil metros quadrados na região de Parelheiros, no extremo sul da Capital, divisa com o município de São Bernardo do Campo. A propriedade, que recebeu do Ibama, em 1995, o título de RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural), constitui hoje a Reserva Curucutu (som onomatopaico da coruja). Isso significa, para gáudio de todos, que não pode ser desmatada. A reconstituição da flora nativa atraiu animais, como quatis, veados, tatus, pacas e gambás. E a reserva particular de Vita Roso deu origem a uma organização da sociedade civil de interesse público, a Curucutu Parques Ambientais, que, além de plantar árvores, promove educação ambiental.

O sustento desse sonho vem da Advocacia, profissão que Vita Roso abraçou há 52 anos. Mas há mais de um ano ele não vê as árvores. Vítima de inúmeros assaltos, o último dos quais com muita violência contra seus empregados, um dos quais foi agredido e jogado numa ribanceira, diz que não pode mais visitar sua reserva particular sem medo. Por causa disso entrou com uma ação contra a Prefeitura e o Estado de São Paulo em que alega que a crescente violência e a inércia estatal quanto à oferta de segurança pública impede-o de "prover as responsabilidades que tem como titular de RPPN" e faz seus funcionários viverem em constante intranqüilidade, sujeitos a toda a espécie de violência. O que almeja com o processo é a reparação dos danos já sofridos e que os réus sejam "instados a cumprir a obrigação básica de prover segurança".

Mas nem só à Advocacia e à militância ecológica se dedica Vita Roso. Desde 2001 deu-se a tarefa de escrever livros, sobretudo destinados aos jovens advogados: "Quero que o jovem advogado saiba o que fazer para ter sucesso profissional e pessoal. Ele deve ser estudioso, culto, atuante, competente e seguir os preceitos éticos da nossa profissão. Para que possa trabalhar com liberdade e enfrentar quem for preciso, sem medo, não pode ter telhado de vidro." Já lançou sete livros, dentre eles Anorexia da Ética, Novos Apontamentos à Lei Antitruste Brasileira, Auditoria Jurídica para a Sociedade Democrática e o recém-lançado Auditoria Jurídica em Migalhas: Os Caminhos da Institucionalização.

Tribuna do Direito - Para quem o senhor escreve ?

Jayme Vita Roso - Sobretudo para o jovem advogado. Quero que o jovem advogado saiba o que deve fazer para ter sucesso profissional e pessoal. Deve ser estudioso, culto, atuante, competente e seguir os preceitos éticos da nossa nobre profissão. Para que possa trabalhar com liberdade e enfrentar quem for preciso, sem medo, não pode ter telhado de vidro.

TD - Alguns de seus livros, inclusive o último, são sobre auditoria jurídica. O que é isso ?

Vita Roso - Auditoria jurídica é um trabalho que pode ser desempenhado unicamente por advogado no exercício regular da profissão, mediante contratação prévia e por escrito, dentro dos cometimentos conferidos por lei, para operar a revisão de processos ou proceder à avaliação de uma ou mais situações concretas que lhe são apresentadas no âmbito da Advocacia para emitir, nas duas hipóteses, com observância dos princípios éticos e legais, parecer opinativo. Esse parecer poderá ser ou não conclusivo, mas será sempre vinculante para quem o emitir e assinar. O advogado que pretenda atuar no segmento de auditoria deve ter ampla cultura e conhecimentos interdisciplinares, ser dotado de uma moderna visão de mundo, ter apreço pela pesquisa e pelo estudo.

TD - O auditor jurídico não seria uma espécie de censor do trabalho de outros advogados ?

Vita Roso - Não. Ele não vai emitir juízos de valor quanto aos trabalhos jurídicos dos colegas. O auditor jurídico é um profissional que vai se manifestar sobre as decisões econômicas a serem tomadas com fundamento nos resultados auditados. Decidir, por exemplo, quando comprar, manter ou vender um investimento acionário; avaliar a direção da empresa e a prestação de contas pela administração; avaliar a capacidade de a empresa pagar e proporcionar outros benefícios aos empregados; avaliar a segurança dos recursos financeiros emprestados à empresa; determinar políticas fiscais; determinar lucros a distribuir e dividendos; etc. Poderá opinar, também, sobre o lançamento de um produto. Ele verificará, por exemplo, se a fabricação não ofende nenhuma regra que possa comprometer o bom nome e reputação da empresa; se não está sendo usada mão-de-obra degradante, como é o caso dos bolivianos que produzem para as confecções; se os componentes usados não são tóxicos e assim por diante. O assunto já foi analisado pelo Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da OAB-SP. A conclusão foi que, na análise de processos judiciais sob cuidados de outro colega, o auditor jurídico não deve agir como censor ou fiscal, mas apenas emitir juízo atinente aos riscos da causa.

TD - Auditoria jurídica também vale na administração pública ?

Vita Roso - Claro. Dentro do governo, nas empresas públicas, a auditoria jurídica será um instrumento importante de combate à corrupção. O auditor vai verificar, por exemplo, se os dirigentes estão vivendo dentro do que recebem. Mas para fazer esse trabalho, além de competente, o auditor não pode ter telhado de vidro.

TD - É um novo nicho de trabalho para os advogados ?

Vita Roso - Nem tão novo assim, mas pouco conhecido e explorado no âmbito da Advocacia. Quando comecei a refletir e a pesquisar sobre o assunto, verifiquei a existência da figura do auditor jurídico no Direito Canônico com função de juiz-auxiliar. Depois, alarguei meus horizontes sobre a auditoria ao ler a obra Audity in a democracy: the australian model of public sector audit and its application to emerging markets. Este livro mostra que compete ao advogado auditar a democracia, assumindo posição vanguardista pela preservação e pela defesa da democracia na íntegra. O advogado quando exerce auditoria deve fazer valer os altos desígnios de seu mister, de modo que o Direito possa servir à democracia. No exercício da auditoria não pode haver tolerância nas regras éticas. O imperativo ético do exercício profissional deve prevalecer.

TD - O TED deu alguma definição para a auditoria jurídica ?

Vita Roso - Há decisões que conceituam a auditoria jurídica como o exercício profissional consistente em lavratura de parecer ou realização de um juízo de legalidade, licitude, juridicidade, subsunção ao direito, de determinadas práticas administrativas ou empresariais (fatos jurídicos, atos jurídicos, atos-fatos e negócios jurídicos), a identificação das normas jurídicas aplicáveis a determinada atividade pública ou empresarial, ou ainda análise e apreciação do risco de determinadas demandas judiciais em curso ou por ajuizar para que o cliente (a empresa auditada) tenha a exata dimensão da conformidade de suas práticas empresariais com o direito posto. Mais. De acordo com alguns pareceres, a auditoria jurídica é uma espécie do gênero consultoria/assessoria jurídica, atividade privativa de advogados ou sociedades de advogados, independentemente da ausência de contemplação expressa no Estatuto da Advocacia e da ausência de regulamentação pelo Conselho Federal da OAB.

TD - E é preciso regulamentar a auditoria jurídica ?

Vita Roso - Claro. Está em tramitação no Congresso um projeto-de-lei do deputado Raul Jungmann para regulamentar a auditoria jurídica. O advogado que quiser dedicar-se à auditoria jurídica, por exemplo, tem de abandonar a Advocacia convencional. E, uma vez regulamentada, a auditoria jurídica poderá ser objeto de cursos de prática profissional e tenderá a alcançar um universo expressivo de advogados.

TD - Para o senhor, que atua no Cade há muitos anos, como anda a legislação antitruste ?

Vita Roso - Está deformada. As decisões do Cade, que é um tribunal administrativo, deveriam ter valor probatório e presumir-se certas, tendo sentido o reexame pelo Poder Judiciário somente quando fossem contrárias ao texto expresso da lei, à prova admitida nos autos ou lesassem direito ou garantia individual. Se não, um juizinho qualquer da esquina dá uma liminar e acaba, derruba todo um processo de discussão levado por anos e com muito trabalho no âmbito do Cade. Há uns que, ainda, sustentam a inconstitucionalidade do Cade. É um absurdo.

TD - Qual a avaliação do recém-introduzido compromisso de cessação de prática de cartel ?

Vita Roso - É uma palhaçada. Copiaram dos Estados Unidos o acordo de leniência. Sabemos que grandes capitais só fazem acordo quando estão ganhando muitos milhões. Fazer acordo depois que já se locupletaram à vontade é uma palhaçada.

TD - O senhor critica muito a falta de ética dos tempos atuais.

Vita Roso - Estamos num processo de profunda degradação, de perda total de valores, de perda de paradigmas. Não tem mais nada. Hoje, a enganação é generalizada. Começa na exposição na mídia, no incentivo ao supérfluo, na forma de viver hedonística, sem olhar para a frente, sem preparar o futuro do País. Tenho andado muito pela periferia, no caminho para o sítio. O governo diz que tem escola para todo o mundo. Mas observe-se as escolas da periferia da zona sul da cidade. É tudo de quinta categoria, um lixo. Não dá para formar cidadãos assim.

TD - Daí cresce a pobreza, a violência.

Vita Roso - Por conta da violência, há mais de um ano não vou ao sítio. Depois que ele foi transformado em RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural), tenho obrigação de cuidar, preservar. Mas tenho sido assaltado. Já houve um incêndio provocado. E no último assalto foi uma coisa horrorosa. Pegaram um dos meus funcionários, bateram-lhe, amordaçaram-no e jogaram-no numa ribanceira. Não morreu por milagre. Na época, um ano e meio atrás, cheguei a oferecer um terreno de 5 mil metros quadrados e me dispus a construir uma base e equipá-la com o que fosse necessário para a polícia ambiental metropolitana. Depois de dois meses veio a resposta da Prefeitura: "Não temos contingente para pôr lá." É uma vergonha Entrei com uma ação contra o Estado. Não se trata só de segurança. Perdemos a tranqüilidade, a dignidade, porque quem vive apavorado perde a dignidade. Não posso visitar minhas árvores. Os meus funcionários vivem apavorados. Vai demorar muito tempo para essa ação ser julgada. Mas vou levar a questão também a tribunais internacionais.

Um trabalho solitário na reserva Curucutu

Nascido em 16 de outubro de 1933 no Largo do Cambuci, em São Paulo, Jayme Vita Roso descende de italianos e espanhóis. Perdeu a mãe cedo, aos 15 anos, mas sua influência perdurou em sua formação. "Apesar de ser uma mulher nascida em 1909 e de não ser muito comum as mulheres estudarem naquele tempo, formou-se em Farmácia aos 17 anos. Era culta, inteligente e me ensinou o valor do saber", diz. A partir daí, morando com o pai e a irmã mais nova, foi "cuidar da vida".

Seguindo o exemplo do avô materno, iniciou a militância política com apenas 13 anos, filiando-se ao Partido Comunista. "Fiz a campanha do Portinari para senador, que foi roubado na eleição e depois cassado. Participei de várias outras campanhas políticas. Trabalhei na campanha do Miguel Reale em 1950, quando ele foi candidato a senador por São Paulo", recorda.

Certo dia, passeando pela Praça da República, deparou-se com um alegre grupo de estudantes, devotos de Dionísio, e decidiu que queria estudar "na escola desse pessoal". Dito e feito. Alguns anos depois entrava na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde se formaria em 1956. De manhã, trabalhava com o pai, que fornecia insumos para sorveterias e ensinava a fazer sorvetes. À tarde, ia para o hoje extinto Banco do Comércio e Indústria de São Paulo (Comind), onde fazia uma espécie de estágio no departamento jurídico. E à noite, para a escola de Direito.

No quarto ano de faculdade, aos 21 anos, casou-se com Nancy Maria, sua mulher há 52 anos e com quem tem três filhas. O casal tem cinco netos( três meninas e dois meninos).

Nos anos 60, foi parar na União Soviética. Mas não por causa da militância comunista. Foi negociar um contrato que permitiria a exploração da "maior jazida de gás natural do mundo proveniente de xisto betuminoso, descoberta na cidade de Tremembé, perto de Taubaté. Os soviéticos tinham a tecnologia". Segundo Vita Roso, a jazida tem 200 quilômetros de extensão e ainda não foi explorada porque a Petrobras alega que a extração causará poluição. "O resíduo pode ser poluente, mas se for reaproveitado, e é 100% reutilizável, não. Pode ser usado, por exemplo, na construção civil. Não seria preciso mais usar bloco de cimento nem tijolo de barro. Só aí já teria-se um enorme ganho ambiental. E é um material leve e isolante", sustenta.

Entre 1964 e 1968 trabalhou em Pádua, na Itália, num escritório de Advocacia que atuava na área de consultoria administrativa e financeira. De 1972 a 1977 prestou serviços a empresas brasileiras e francesas para construções no Gabão, Zaire, Congo, Costa do Marfim, Mauritânia, Angola e Moçambique.

No escritório que montou no Brasil, no centro da cidade, focou a atuação sobretudo no Direito Econômico e Concorrencial. O envolvimento com o Direito da Concorrência vem da adolescência, de uma época em que o pai empacotava amido de milho da marca "Marqueza" e que acabou sucumbindo às pressões da Maizena. "Fiquei revoltado", diz, acrescentando que o primeiro grande caso de Lei Antitruste no Brasil é dele."Foi o processo dos pneumáticos, o processo nº 7 do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Era um distribuidor de pneus, da Ponte Pequena, que penava com os acordos que as três grandes fabricantes de pneus faziam (Firestone, Goodyear e Pirelli)."A luta contra o cartel das três grandes multinacionais ganhou as páginas dos jornais nacionais e internacionais, embora, no final, ele tenha perdido a batalha. Mas esse foi só o primeiro de muitos casos que levaria ao Cade. Essa trajetória o levou, em 1994, a ser convidado pelo então ministro do Planejamento, Alexis Stepanenko, para elaborar um projeto de lei antitruste.

Hoje, a grande luta é tentar obter parcerias para manter e ampliar a Reserva Florestal Curucutu, fruto de um trabalho solitário ao longo de quase 30 anos, mantido até agora apenas com recursos pessoais. O reconhecimento pelo pioneirismo e esforço do trabalho ecológico, até agora, veio só na forma de prêmios e condecorações, como a "Medalha Anchieta" e o "Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo", que recebeu em 2004 da Câmara Municipal de São Paulo, por unanimidade dos vereadores.

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