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Ecad ganha ação contra prefeitura de Taió pelo não pagamento de direitos autorais

O magistrado da Vara Única da Comarca de Taió/SC proferiu decisão a favor do Ecad - Escritório Central de Arrecadação e Distribuição contra o Município de Taió, pelo não pagamento de direitos autorais referente à execução pública de música na II Festa Regional do Galeto, realizada em agosto de 2007.

Da Redação

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Atualizado às 08:38


Decisão

Ecad ganha ação contra prefeitura de Taió pelo não pagamento de direitos autorais

O magistrado da Vara Única da Comarca de Taió/SC proferiu decisão a favor do Ecad - Escritório Central de Arrecadação e Distribuição contra o Município de Taió, pelo não pagamento de direitos autorais referente à execução pública de música na II Festa Regional do Galeto, realizada em agosto de 2007.

Segundo o magistrado, Dr. Renato Guilherme Gomes Cunha, "o respeito aos direitos autorais não impede que seja permitido acesso à cultura, mas tão-somente deve ser pago um preço por isso. Aliás, como se faz com todos os custos do evento, como se denota pelo documento constante às fls. 219 (balancete da 2ª Festa Regional do Galeto), em que foi pago 'aluguel de estruturas e contratos show', 'publicidade', dentre outros itens.O aluguel de estruturas nada mais é do que permitir que o demandado tenha a posse direta destas; considerando a posse como consectário do direito de propriedade, utilizando-se o raciocínio acima, o organizador do evento poderia, com base no conflito de princípios entre o direito à cultura e o direito de propriedade (material, no caso), deixar de pagar pelo aluguel, tomando à força os bens necessários para a realização dos festejos.O exemplo, forçado e absurdo, serve para afastar aquela premissa que, na verdade, tornava, a argumentação, um falso silogismo.Ou seja, conclui-se que inexiste confronto de princípios; os preceitos de acesso à cultura e do direito autoral são perfeitamente harmônicos, exatamente nos termos do pedido formulado na inicial, ou seja, que haja o pagamento pela execução das obras. A facilitação de acesso à cultura deve ser promovida pelo Estado e às custas deste, ou seja, não deve ser sacrificado o direito autoral pois, nesta hipótese, quem estaria promovendo o acesso à cultura seriam os titulares desses direitos, e não o ente estatal".

Segundo o gerente executivo jurídico do Ecad, Samuel Fahel, "a exposição do magistrado esclarece acerca da ausência de confronto entre os princípios constitucionais, havendo perfeita harmonia entre o direito autoral e o acesso à cultura".

  • Confira abaixo a íntegra da sentença.

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___________

Autos n° 070.07.001520-1

Ação: Ação Ordinária/Ordinário

Requerente: Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD

Requerido: Município de Taió

Vistos, etc.

Cuidam os presentes autos de ação pedidos sucessivos de caráter mandamental e condenatório aforada pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição ? ECAD em face do Município de Taió, visando, inicialmente, que não fossem executadas obras musicais, lítero-musicais e fonogramas nos eventos "II FESTA REGIONAL DO GALETO" E "MOTOVALE 2007", enquanto não providenciar a prévia e expressa autorização do autor; ou a condenação em perdas e danos, ou seja, na retribuição autoral pertinente aos eventos, à razão de 10% sobre a receita bruta auferida no evento (valor arrecadado com a venda de ingressos).

Argumentou que nos eventos citados haveria execução musical, com a utilização de obras protegidas, tudo sem autorização dos titulares dos direitos autorais, e que o promotor do evento está legalmente obrigado a obter, por antecipação, o devido licenciamento autoral para a execução das obras programados para o espetáculo, o que não teria ocorrido.

Alegou que o evento é realizado com proveito, fito publicitário e institucional, como engenho ou recurso de marketing, além de incremento na economia do município.

Citou inúmeras decisões proferidas em sede de tutela de urgência, bem como salienta a desnecessidade de lucro (direto ou indireto) para que seja exigido o pagamento.

Fez distinção de cachê e direito autoral, bem como traçou linhas a respeito da tabela de valores.

Requereu a tutela de urgência.

Com a inicial vieram documentos.

A tutela antecipada foi indeferida.

Foi juntada cópia da petição de agravo de instrumento.

O réu foi citado e apresentou contestação, alicerçando-se nos argumentos expendidos pelo magistrado ao indeferir a medida liminar, mormente no que se refere ao acesso à cultura. Aduziu ainda não ser correta a equiparação do município com um "dono de casa de espetáculos".

Alegou ainda que um bom número total de músicas executadas durante a festa pertencem ao domínio público, sendo mínimo o número de obras protegidas.

Trouxe documentos.

Replicou-se, com novos documentos.

Decisões do Tribunal de Justiça negando antecipação dos efeitos recursais ao autor.

Os autos vieram conclusos.

É o relatório.

DECIDO.

Inicialmente, a respeito do primeiro pedido (não execução de obras nos eventos referidos), ele passou a ser impossível pois os eventos já foram realizados.

Ocorreu, na hipótese, a superveniência da falta de interesse processual, caracterizado pela inutilidade do pronunciamento jurisdicional neste momento.

Resta analisar os argumentos expendidos pelas partes para que seja verificada a viabilidade do segundo pedido, formulado (por "quase" óbvio) sucessivamente, ou seja, de condenação.

Conforme se percebe da leitura atenta dos acórdãos n.º 2004.005466-1 e 2001.017308-5, há forte divergência jurisprudencial a respeito da matéria debatida nestes autos.

Da corrente contrária à pretensão do autor, extrai-se precioso acórdão da lavra do eminente Desembargador Rui Francisco Barreiros Fortes (Apelação Cível n.º 2004.005466-1, de Lages), julgado em 27.02.2007, que possui a seguinte ementa:

EMENTA: APELAÇÃO CIVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - DIREITO AUTORAL - ECAD - 10ª FESTA DO PINHÃO - EVENTO PÚBLICO - FINALIDADE ECONÔMICA INOCORRENTE - PRECEDENTES - RECURSO DESPROVIDO. "Desobriga-se o Município do pagamento de direitos autorais, em execução de músicas protegidas, em festividade com nítido caráter difusor da cultura, dirigida à comunidade, indistintamente. "A simples venda de ingressos, no caso concreto, não caracteriza a finalidade lucrativa; antes, consiste em forma de arrecadação de recursos, destinados ao financiamento do evento" (EI n. 2002.026814-9).

A mencionada decisão vem muito bem alicerçada por acórdão da culta Desembargadora Sônia Maria Schmitz, nos autos dos Embargos Infringentes n.º 2002.026814-9.

O fundamento para tal posicionamento é a colisão de princípios, ou seja, entre a proteção à propriedade intelectual (direito autoral) e o direito à cultura ? que inclusive enseja um dever estatal.

Na hipótese de colisão de princípios, concluída pela existência desta situação, estabelece-se como premissa de um novo raciocínio que culmina com a prevalência de um deles no caso concreto.

Contudo esta conclusão que forma a premissa do raciocínio muito bem traçado nos acórdãos referidos acima é, a meu ver, equivocada.

Isto porque o respeito aos direitos autorais não impede que seja permitido acesso à cultura, mas tão-somente deve ser pago um preço por isso.

Aliás, como se faz com todos os custos do evento, como se denota pelo documento constante às fls. 219 (BALANCETE DA 2ª FESTA REGIONAL DO GALETO), em que foi pago "aluguel de estruturas e contratos show", "publicidade", dentre outros itens.

O aluguel de estruturas nada mais é do que permitir que o demandado tenha a posse direta destas; considerando a posse como consectário do direito de propriedade, utilizando-se o raciocínio acima, o organizador do evento poderia, com base no conflito de princípios entre o direito à cultura e o direito de propriedade (material, no caso), deixar de pagar pelo aluguel, tomando à força os bens necessários para a realização dos festejos.

O exemplo, forçado e absurdo, serve para afastar aquela premissa que, na verdade, tornava, a argumentação, um falso silogismo.

Ou seja, conclui-se que inexiste confronto de princípios; os preceitos de acesso à cultura e do direito autoral são perfeitamente harmônicos, exatamente nos termos do pedido formulado na inicial, ou seja, que haja o pagamento pela execução das obras.

A facilitação de acesso à cultura deve ser promovida pelo Estado e às custas deste, ou seja, não deve ser sacrificado o direito autoral pois, nesta hipótese, quem estaria promovendo o acesso à cultura seriam os titulares desses direitos, e não o ente estatal.

Nesse sentido, colaciono julgado n.º 2001.017308-5, de Lages, decidido em 23.02.2007, da lavra do eminente Desembargador Orli de Ataíde Rodrigues:

EMENTA: DIREITOS AUTORAIS - AÇÃO DE COBRANÇA AFORADA PELO ECAD - VIII FESTA NACIONAL DO PINHÃO - EVENTO DE GRANDE PORTE COM INÚMERAS APRESENTAÇÕES MUSICAIS - CARÁTER LUCRATIVO EVIDENCIADO - DIREITO AUTORAL DEVIDO - APLICAÇÃO DO ART. 334, I, DO CPC - QUANTIA APURADA COM BASE EM REGULAMENTO DE ARRECADAÇÃO - VALIDADE - ESTIMATIVA DE PÚBLICO COMO CRITÉRIO DE CÁLCULO - RECURSO PROVIDO. 1. "O Poder Público não pode escapar do pagamento dos direitos autorais quando organiza espetáculo público, sob pena de locupletar-se do trabalho alheio, do criador da obra musical" (Min. Carlos Alberto Menezes Direito). 2. "A utilização de obras musicais em eventos como o retratados nos autos é fato notório, enquadrável a matéria no inciso I do art. 334 do Código de Processo Civil, levando-se em consideração a estimativa do público que compareceu às respectivas festas" (Des. Francisco Oliveira Filho).

Assim, não vejo como não ser julgado procedente o (segundo) pedido formulado na inicial, amparado pelo artigo 68, § 4.º, da Lei n.º 9.610/98, o qual, por sinal, não faz qualquer referência quanto à existência de lucro ou proveito, o que torna despiciendo qualquer outro argumento a respeito.

Ora, se o legislador não fez a referida distinção (existência ou não de lucro, direto ou indireto) e não havendo razões para interpretação diversa ? mesmo porque seria desrespeitado o direito à propriedade, inclusive autoral ? não se pode exigir a demonstração de lucro para que o pleito seja reconhecido.

É de se destacar que o fato de terem músicas que pertencem ao domínio público, além de não ter sido comprovado (artigo 333, inciso II, do CPC) não tem o Poder Judiciário de Santa Catarina condão de afastar a pretensão porque eventualmente apenas parte delas não arreda a exigência geral.

A respeito do quantum, foi requerido que a condenação fosse correspondente a 10% da receita bruta relativa à venda de ingressos.

No balancete constante às fls. 219, afastando-se os patrocínios, os auxílios, os pagamentos de bebidas/alimentação e de "stands" internos e externos, apenas resta, como receita, os camarotes, no valor de R$ 43.900,00. Ou seja, o demandado não trouxe a informação completa quanto à receita do evento.

O autor, por sua vez, nos documentos que acompanharam a réplica fez constar estimativas de público, sendo dois dias correspondentes a 2100 e 1500 pessoas, sem a cobrança de ingressos. Outros dois dias, entretanto, a estimativa foi de 3000 e 2500 pessoas, com valores de ingresso variando entre 10 e 15 reais.

Não obstante a unilateralidade da produção da referida prova, não havendo impugnação a seu respeito ? e o procurador do réu teve acesso aos autos após a juntada dos documentos, conforme consta às fls. 498 verso ? e mais, por considerar verossímeis os dados apurados nos documentos do autor e impassíveis de outro meio de prova a assegurar melhor consonância com a verdade dos fatos, reconheço a validade dos itens acima apontados.

Considerando a média de 12,5 reais por ingresso, a condenação deve ser de 10% sobre 37500 e sobre 31250 ? receitas brutas ?, ou seja, o valor total de R$ 6.875,00.

Ante o exposto, com base nos argumentos acima expendidos e no dispositivo legal citado, JULGO PROCEDENTE o segundo pedido formulado na inicial, CONDENANDO o demandado MUNICÍPIO DE TAIÓ no pagamento de R$ 6.875,00 ao autor ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO, incidindo juros de mora (1% ao mês) e correção monetária (INPC) desde a data dos eventos (em relação à quantia de R$ 3.750,00, desde 10.08.2007 e à quantia de R$ 3.125,00 desde 11.08.2007); e por conseguinte, com base no artigo 269, inciso I, do CPC, RESOLVO O MÉRITO.

Condeno o réu no pagamento de honorários de sucumbência, os quais fixo em 15% sobre o valor da condenação, atento ao disposto no artigo 20, § 4.º, do CPC, mormente pelo trabalho realizado e pela natureza da causa.

Incabível a condenação em custas, em razão da isenção prevista no Regimento de Custas.

P. R. I.

Após o trânsito em julgado, arquive-se.

Taió (SC), 07 de julho de 2008.

Renato Guilherme Gomes Cunha

Juiz de Direito

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