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Relíquias à venda - Eça de Queirós

Da Redação

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Atualizado em 12 de novembro de 2009 15:36


Relíquias

Eça de Queirós - personagens e cenas jurídicas de um homem do Direito

O local era Trás-os-Montes. Ali chegou um missionário com grande bagagem de rosários, contas, sudários etc. e, à porta da igreja nas tardes de sermão, diante de taboleiros de feira, enfeitados de toalhas bordadas, passou a vender as relíquias para os fiéis.

"Quem entrava na igreja, comprava com devoção".

A história nos é narrada por Eça de Queirós em outubro de 1871.

Embora já se tenha passado mais um século, dá-nos a impressão de que os fatos poderiam muito bem ter sido escritos nos dias que correm. Sinal de que o comércio tem fórmulas antigas, bem antigas.

Apesar de Jesus ter derrubado as bancas dos cambistas que estavam em frente ao templo de Jerusalém, derramado suas moedas e condenado os homens que faziam da casa de seu Pai uma casa de comércio, para Eça de Queirós todo missionário podia descer do púlpito e ir à praça vender seus rosários, santos etc... Mas,

"se, servindo-se da sua autoridade sacerdotal, esse homem afiança do púlpito, invocando Deus e sob a garantia da sua missão religiosa, que essas relíquias lhe foram entregues por um anjo, e curam as doenças, fazem voltar o amor os maridos distraídos, saram a esterilidade, livram de tentações, e que recai um castigo sobre quem as não compra - esse homem atribui ao seu ramo de comércio um valor sobrenatural, e vende como relíquia do céu uma quinquilharia de Braga. Cai pois, como negociante fraudulento, sob os rigores da polícia".

Tem razão o bacharel em Direito Eça de Queirós na tipificação : fraudulento.

A fraude é definida como logro, ou seja, "engano propositado contra alguém; artifício ou manobra ardilosa para iludir".

Essa definição, não sem motivo, aproxima-se da de estelionato : "obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer meio fraudulento".

E a pena prevista, conforme o clássico artigo 171 do CP (clique aqui), é reclusão de um a cinco anos, e multa - com atenuantes caso o criminoso seja primário.

Sabe-se que as práticas religiosas no Brasil são asseguradas pela Constituição (clique aqui). Basta consultar o art. 5º, e seus incisos. Mas, sabe-se também, que são muitos os lobos em pele de ovelha, explorando a fé alheia, vendendo o que têm e o que não têm para os incautos que acreditam poder comprar a graça de Deus, um terreninho no reino dos céus, a absolvição de seus pecados ou a tranquilidade de uma consciência limpa.

Sempre há quem nos faça cócegas aos ouvidos...

Fato é que, como desfecha Eça de Queirós,

"com um mesmo ato, o missionário que prega e vende - infringe a lei comercial e contraria a lei civil."

"E estes males são ainda bem menores que os que ele faz à lei moral!"

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